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Sucessão no epicentro dos debates dos camaradas

Por admin

Quando pouco mais de 72 horas nos separam do arranque da III Sessão Ordinária do Comité Central da Frelimo, académicos entrevistados pelo domingo acreditam que o ambiente, de aparente “ebulição”, no seio do partido no poder, poderá serenar caso ocorra uma discussão genuinamente franca e aberta sobre questões prementes da vida interna e não só desta cinquentenária organização política e particularmente a questão da metodologia a observar para se encontrar o candidato à sucessão do actual Presidente e da República, Armando Guebuza.

O jurista e Reitor do Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI), Patrício José, encara a III Sessão do Comité Central, aprazada para 27 de Fevereiro a 2 de Março do ano em curso, como tendo a particularidade de, pela primeira vez na história da Frelimo, realizar-se numa altura em que este órgão deverá pronunciar-se em torno dos pré-candidatos propostos pela Comissão Política e que representam uma mudança intergeracional, na medida em que a geração do 25 de Setembro de 1964 passa o testemunho à chamada “geração 8 de Março”.

Contudo, Patrício José reconhece que há claramente sectores dentro do partido que pretendem que se abra espaço para que mais pré-candidaturas sejam apresentadas, desde que se observem as normas internamente estabelecidas e que se conformem com o estatutariamente apregoado.

Aquele académico acredita que em sede da Sessão do Comité Central podem ocorrer vários cenários, mas ateve-se aos seguintes: “depois da análise e debate das propostas pode ser que se conclua que se mantém a proposta dos três pré-candidatos eleitos pela Comissão Política de onde deverá ser escolhido um deles para candidato da Frelimo para as presidenciais de 2015.

O segundo cenário seria o surgimento de mais propostas apresentadas ou apoiadas por alguns membros do Comité Central, em sede da discussão do ponto sucessão. Mas aqui colocam-se, de entre várias, as seguintes questões: será que a(s) figura(s) proposta(s) ou apoiadas justamente naquele fórum para candidatos da Frelimo sobreviverão tendo em conta que os três pré-candidatos eleitos pela CP já se fizeram às províncias e apresentaram-se junto às bases do partido? Não estarão então estes novos possíveis candidatos em desvantagem?, questionou Patrício José vaticinando a possibilidade de se encontrar uma saída airosa, nas próximas horas ou dias, para esta questão do surgimento ou não de novas pré-candidaturas.

Quer me parecer que neste período precedente à Sessão do CC deve ter havido, de alguma forma, uma certa aproximação de posições das diferentes correntes de pensamento dentro do partido sobre a forma como deve ser eleito o pré-candidato da Frelimo, o que pode concorrer para o fortalecimento do ambiente de coesão e harmonia que sempre caracterizou os militantes desta formação política, disse a fonte.

Para o nosso interlocutor, mais do que discutir quem será o candidato da Frelimo, a azáfama e movimentações que hoje se assistem no seio do partido decorre, por ventura, da tentativa “procurar descortinar qual será a agenda e linha de governação do próximo presidente para melhor se posicionarem e verem até que ponto são enquadráveis.

Mas, quanto a mim, o ponto fundamental é que qualquer candidato que seja eleito dentro da Frelimo terá de seguir uma linha e agenda da aceitação do próprio partido. A verdade é que um candidato sempre irá surgir de entre os três ou fora destes mas a agenda de governação de qualquer candidato que for da Frelimo deverá assentar no programa da Frelimo”, referiu Patrício José.

Para Patrício José, todo este exercício de tentativa de repúdio ou crítica –ainda que de forma atípica às vezes – ocorre por causa do ambiente de democraticidade que existe na Frelimo, daí que surgem certos sectores que “tentam negociar a agenda interna do partido, sobre que caminhos devem ser seguidos pelo futuro presidente.

Nalguns casos isto é fruto de alguns receios e incertezas que são até compreensíveis, sobretudo quando se trata de uma primeira vez que uma fórmula do género é aplicada em momentos destes para determinar a sucessão na liderança, referiu a fonte.

Patrício José fez questão de dizer que qualquer um dos candidatos que for aprovado pelo Comité Central tem o desafio imediato de manter ou acelerar ainda mais o ritmo de crescimento e desenvolvimento económico que o país está a registar, sobretudo nesta fase de governação do presidente Guebuza.

Olha, é indiscutível que o Presidente Guebuza colocou a governação deste país numa velocidade que ninguém esperava e deve haver muita gente que se questiona agora em que velocidade irá andar o próximo presidente.

TESTE DE DEMOCRATICIDADE

Por seu turno Rufino Filipe Adriano, Doutorado em Filosofia e docente universitário, encara em duas perspectivas a questão do debate em torno da sucessão no seio da Frelimo, que pode ser fruto de descensões internas, e no sentido democrático é salutar.

Mas também, segundo prosseguiu, pode revelar algum desafinamento entre os órgãos decisórios do partido e, para todos os efeitos, eu vejo isto como corolário de prática da democracia.

“Até agora denominamo-nos democratas por conveniência, mas já estamos a ser confrontados ou, se preferir, estamos sendo postos à prova por situações normais em democracia. E mais, será destas provas que as democracias africanas poderão medir o grau ou o nível de democraticidade dos seus Estados. Portanto, o que assistimos hoje diferencia-se muito do que se passava nas democracias populares, nos primeiros anos das independências africanas. O jogo das democracias representativas é outro. “

Segundo Rufino Adriano, hoje o que se fala tem que ser justificado e é por isso que o recurso dos que defendem, neste nosso caso, a abertura de espaço para mais propostas de pré-candidatos a Presidência da Republica apoiam-se nos estatutos.

E não olhando isto de forma isolada eu vejo aqui um grande desafio dos partidos africanos que conduziram muitos países às independências: incorporarem nas suas vontades particulares a vontade geral, como dizia o filósofo francês Jean Jacques Rousseau. E a vontade geral, que revela algum nível de prática da democracia, aparece desses discensos e não apenas dos consensos. E para responder, talvez, à sua questão inicial eu antevejo que a Sessão do Comité Central e a Frelimo, no geral, estará em “prova dos nove” do exercício da democracia.

Mais adiante este académico debruçou-se também em torno da questão dos debates em “praça pública” de alguns assuntos de cariz interno promovidos por alguns militantes o que no seu entender está aliado ao facto de já não se estar “numa democracia popular, mas sim representativa”.

E isto muda tudo. O grande desafio do partido Frelimo é demonstrar, agora que esta polémica faz parte da democracia. No passado, as divergências internas nunca eram conhecidas em público. Cabe ao partido, portanto, encontrar soluções para que isso seja corrigido, se é relevante para a reputação do próprio partido.

Num outro desenvolvimento, aquele académico referiu-se, a título de exemplo, a questão da disciplina partidária questionando se será que isso “significa não dizer nada do que a pessoa pensa?

Rufino defende a atualização de alguns métodos, porque as gerações actuais são críticas, pelas circunstâncias, mas nem por isso negligentes. Só para dar um exemplo: um voluntário em 1980 talvez não exigia lanche ou camisete como pode fazer um voluntario em 2014. Entretanto, ambos acham o voluntarismo um valor.

É isso que parece que tem escapado, de propósito ou não, na análise dos conflitos de gerações que temos assistido na nossa sociedade. Comparam-se etapas díspares de engajamento patriótico, e mesmo político, e acham-se alguns privilegiados em detrimento de outros, sem se perceber que cada um é patriota na sua época de nascimento e de engajamento, referiu Rufino.

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