Tem um dom incomum de memorizar. Na sua memória “encaixou” literalmente um livro de 103 páginas. Também conhece, quase, todas as capitais dos países do mundo, e com base em cálculos
matemáticos forma calendários de anos anteriores e dos que estão por vir. Pena que, por sofrer de ataques epilépticos, viu-se, muito cedo, obrigado a interromper os estudos.
Estamos a falar de Délcio Cuambe, que nasceu no bairro de Chamanculo. Ele vem de uma família humilde e é o segundo filho de uma família de quatro irmãos. Hoje, com 25 anos de idade, é uma das referências no seu bairro, por ser incomum essa sua aptidão de memorização. Ao armazenar, num passado recente, 103 páginas de um atlas geográfico, deixou muita gente espantada.
Apesar da pouca escolaridade, provou ao domingo conhecer quase todas as capitais dos países no mundo e datas de aniversário e de morte de diferentes figuras mundiais.
Este dom sempre chamou a atenção dos seus familiares, que tiveram que aceitar que aos 10 anos de idade Délcio interrompesse os seus estudos devido aos ataques de epilepsia. Desinibido, ele contou à nossa reportagem que, quando estava a frequentar a 1ª classe, em 1997,sofria destes ataques de forma recorrente.“Por causa disso, fui forçado a interromper os estudos e só retomei no ano seguinte, em 1998.”
Foi durante esse período de permanência em casa que a sua mãe pôde perceber que ele tinha algo que o fazia diferente das outras crianças. “Certa vez, minha mãe me perguntou que dia da semana era. No entanto, não só dei acertadamente a resposta sobre isso, como também avancei de que mês se tratava e o respectivo ano. Isso chamou a sua atenção, fazendo com que, dias depois, me lançasse perguntas relacionadas a determinados acontecimentos passados. E eu respondia acertadamente, assegurou.
Como referimos, o percurso escolar de Délcio foi muitas vezes dificultado pelos constantes ataques de epilepsia.Na tentativa de ultrapassar esse problema, dona Celeste Magaia, mãe de Délcio, conta com alguma angústia que “fizemos muitos tratamentos, inclusive os tradicionais, ao longo dos anos e nada se resolveu.”
Ainda assim, “sempre se revelou excelente aluno na escola onde estudava. A sua capacidade de reter a matéria e a dedicação faziam dele uma excepção na sala de aulas, revela a mãe, que, garante em seguida, que “nos dias de provas era o primeiro a entregar o teste, que resolvia em escassos minutos. Era natural tirar 20 valores nas disciplinas de Geografia e História.”
E fazendo jus às suas faculdades, tirar apontamentos sobre as matérias leccionadas na escola não se revelava importante. Preferia fazer o resumo das suas aulas sozinho em casa, até que um dia“pedi ao meu professor de Geografia que me deixasse dar aulas. Ele concordou e não se arrependeu. Gostou da experiência”, salienta o jovem, que adiante declara que lutou contra a doença para ter a 7ª classe concluída, pois nesse ano, 2003, teve que voltar a interromper os estudos.
Mas já tinha ganho confiança por parte dos seus professores e colegas, de tal forma que dispensaram-no das aulas e apenas lhe forneceram livros para que estudasse em casa e, mais tarde, voltar para fazer exames finais. Entretanto, quis o destino que ele não brilhasse tanto: “naquele ano, tive muitas recaídas. Nas vésperas do exame adoeci e fui à escola fazer exames em estado grave”. Mesmo assim, “graças ao apoio da minha mãe, que me acompanhou à escola, fiz os exames e consegui passar de classe”, disse.
A MINHA PAIXÃO
É FAZER CALENDÁRIOS
Em conversa animada com domingo, declarou a sua paixão por calendários.
“Já elaborei 100 calendários. Dentre os quais existem os dos anos passados e dos ainda por vir. Fiz calendários desde o ano 999.”
E nessa sua missão demonstra que não funciona com automatismos, pois,“faço comparação entre os calendários que crio e os existentes no mercado. Detectei alguns (dos outros) contendo erros”, denuncia o jovemque até elabora calendários em diferentes línguas, como inglês, francês, italiano, espanhol e changana.
Délcio guarda tudo o que produz. Ao longo da conversa com a nossa reportagem, elaborou o calendário do mês, ano em que um dos repórteres do nosso jornal nasceu. Em seguida anuncia: “Agora estou a terminar o calendário do ano de 36 000”. Outro facto curioso é que conhece a data de nascimento de várias personalidades e relata inclusive o dia de semana em que nasceram.
Dentre as várias personalidades destaca-se “o Presidente Nelson Mandela, que nasceu a 18 de Julho de 1918, numa quinta-feira; O presidente Julius Nyerere, nascido a 6 de Março de 1922, numa segunda-feira; o Presidente Armando Guebuza nasceu a 20 de Janeiro de 1943, numa quarta-feira; Eduardo Mondlane nasceu a 20 de Junho de 1920, num domingo, e Joaquim Chissano a 22 de Outubro de 1939, também num domingo”.
E quando o assunto são as cidades capitais do mundo, o rapaz do Chamanculo responde sem pestanejar.
Mudando de ares, manipula muito bem a bola de futebol “…. e com os dois pés”, como ele segaba. “Já cheguei a dar toques de bola na presença de meus amigos no bairro. Eles cansaram-se de contar, tendo mesmo chegado a 10 mil em cerca de duas horas e 21minutos. Mais ainda quero superar este recorde”, desafia.
MEU SONHO É TRATAR-ME
Celeste Magaia, mãe de Délcio, afirma que a batalha pelos hospitais começou desde pequeno, sendo que já foram a várias consultas.
“Por exemplo, em 2004”, conta, “o médico recomendou-nos um exame de Tomografia Axial Computarizada (TAC), porém, dada a onerosidade do valor do mesmo, acabamos não fazendo”, refere Dona Celeste.
Dona Celeste afirma que algumas instituições que se sensibilizaram com a causa do seu filho, contactaram-lhes e fizeram uma visita à família. Porém, nenhuma promessa feita por eles foi concretizada.
Hoje, um dos sonhos deste jovem é cuidar da sua saúde. “Gostava de me submeter a uma consulta para saber o que se passa concretamente com a minha saúde, pois, só estando bem é que poderei voltar a estudar e, quem sabe, concluir os meus estudos fora do país”, disse Délcio Cuambe.
De momento, simplesmente medica-se. Por dia deve tomar sete comprimidos.