Desenhar e pôr em prática acções com vista a travar as sevícias por que passam os cidadãos com problemas de pigmentação da pele é a tarefa do momento. O Governo, as associações de defesa à pessoa albina, como a ADODS, Albimoz e Amor à vida, e singulares continuam a empreender esforços no sentido de tornar possível este objectivo, ao mesmo tempo que se esmeram em manifestações de solidariedade por aquele grupo populacional.
Com efeito, diversas frentes reuniram-se durante a comemoração do 13 de Junho, consagrado como Dia Internacional de Consciencialização sobre Albinismo. A ocasião mostrou-se oportuna para elevar a compreensão dos cidadãos em relação ao albinismo, como forma de travar o estigma e os ataques com requintes de crueldade que vêm sendo registados com frequência em diferentes partes do país.
A ADODS, uma Associação de Defesa dos Direitos dos Albinos, por seu turno, juntou, há dias, um considerável número de crianças com o intuito de“proporcionar momentos diferentes e, acima de tudo, fazer com que elas se sintam protegidas”, conforme referiu Lourenço Timba, Presidente da agremiação.
Contudo, conferir sossego ou salvaguardar a vida dos cerca de vinte mil albinos, dos quais dezassete mil são crianças, constitui uma tarefa complexa, o que obriga a criação de parcerias entre diferentes sensibilidades que se compadecem com a causa.
Assim sendo, aos esforços da ADODS e outras agremiações juntam-se o Ministério da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, o Ministério do Interior, e enceta-se uma marcha rumo à erradicação das hostilidades.
As intervenções passaram pela criação, a um de Setembro de 2015 pelo Conselho de Ministros, de um plano de acção.
O referido plano é visto de bom grado pela ADODS e não só, pois “percebemos a existência de inquietação e vontade de travar a barbárie”. Na sequência, conforme avançou Timba, foi formado um conselho técnico multissectorial que funciona sob tutela do Ministério da Justiça.
Ao leque dos coadjuvantes, é chamado o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, essencialmente, para dar o seu apoio “através da educação e/ou chamada de atenção em relação à necessidade de reconhecer o valor da pessoa albina”.
Conforme argumentou Timba, o envolvimento do professor é visto como uma estratégia chave, que permitirá“dar prioridade ao contacto directo, responder às dificuldades e contribuir para a ambientalização”.
De momento, estão em preparação palestras a serem ministradas em escolas, sendo que, “entendemos que com a materialização deste projecto, serão colhidos resultados palpáveis, uma vez que a escola é um dos lugares mais indicados para a sensibilização, por envolver seres com a personalidade em formação”, afirmou.
Enquanto isso, inúmeras queixas chegam às associações. A ADODS tem registado casos de exclusão e estigma. A título de exemplo, “tomamos conhecimento de situações em que pessoas albinas, ao se candidatarem para uma vaga de emprego, viram-se preteridas no momento do contacto directo com os empregadores, ou seja, nas entrevistas”.
Este facto é confirmado pelo relato de Zanabo Abdula, de trinta e sete anos, natural de Nampula e residente em Maputo. Seu irmão submeteu a candidatura numa entidade empregadora. Suas qualificações agradaram os anunciantes, e os primeiros contactos davam certeza de que a vaga estava garantida, até que, “no momento da tomada de decisão, perante a sua figura, retraíram-se e afirmaram que já tinha sido ocupada por outra pessoa”.
Apesar deste fracasso por si vivido, Zanabo tem somado vitórias, no que toca à sua existência. “Desde a minha nascença, convivi num ambiente de muito amor no seio da minha família e de outras pessoas que me rodeavam”, garante.
Mas, uma vez que a vida não é só feita de rosas, alguns episódios desagradáveis ocorreram aquando da sua escolarização ao nível primário. “O professor não se compadecia com as limitações que eu tinha devido a visão deficiente, e eu sofria muito, principalmente quando éramos submetidos às avaliações, uma vez que as perguntas eram escritas no quadro”.
Desesperada, Zanabo aproximava-se do professor solicitando que as passasse numa folha, para que diminuísse o grau de dificuldade na leitura. Para sua tristeza “sempre me respondia que o problema não era da conta dele. Essa resposta vinda de um professor, desagradou-me profundamente. Acredito que me vai marcar para o resto da vida, principalmente por eu ter reprovado de classe nesse ano lectivo”, desabafou.
Mas os ventos da mudança sopraram e, ao repetir a mesma classe, encontrou a alavanca vinda de um novo educador, no caso, “a professora Marta Sitoe. Ela apoiou-me, fazia de tudo que estivesse ao seu alcance para que eu fosse bem sucedida nos meus estudos”. O resultado foi notável: “as minha notas dispararam. E pela excelente preparação na quarta classe, ao frequentar a classe subsequente foi dispensada dos exames.
Com as portas do sucesso já franqueadas Zanabo escolarizou-se até ao nível superior. Actualmente, prepara a sua defesa em Administração e Gestão de Empresas; trabalha numa instituição da função pública e cuida da sua família: marido e dois filhos.
Sobre seu marido exterioriza apenas elogios: “em alguns momentos faz-me ter a sensação de que a minha pele normal, tal como a dele”. Os familiares do seu cônjuge são arrolados nesta lista dos afáveis: “sempre me trataram com carinho, nunca senti nenhuma atitude discriminatória”.
Com sorte no amor e na profissão leva avante a sua vida lançando apelos à sociedade no sentido de olhar para o albino como uma pessoa comum. “Na verdade, temos as mesmas capacidades, a mesma utilidade: trabalho, sou mãe, esposa, conduzo…”.
Esta é a realidade de Zanabo, que dissolve o preconceito estabelecido à volta da pessoa albina.
De qualquer modo, torna-se importante fazer menção ao facto de que “historicamente, os albinos foram sempre discriminados. E mais: nota-se que, na prática, as únicas pessoas gostam dos albinos são os seus respectivos pais. Quando saem do meio familiar sentem a discriminação”. Estes pronunciamentos são de Ivo Garrido, antigo Ministro da Saúde e um dos co-organizadores do evento realizado pela ADODS.
Para Garrido, “lamentavelmente, nos últimos anos no continente africano, os albinos são perseguidos para a morte, pois algumas pessoas acreditam que extraindo partes do seu corpo poderão ser utilizados na medicina tradicional para ter ou aumentar a sorte”.
Perante esta realidade, urge partir para a acção, pois, “não precisamos mais de palavras. Temos que fazer as coisas acontecerem. Este evento da ADODS é um exemplo de uma actuação empreendida com o apoio de pessoas anónimas que amam os albinos, que têm consciência de que eles precisam de manifestações de carinho”, apontou Garrido.
Este apelo é estendido em prol de cidadãos como Eva Nhamposse, de vinte e sete anos, natural de Maputo. Eva vive com a mãe, o padrasto e seu filho. A sua carreira estudantil foi prejudicada pela discriminação e, também, por problemas de visão.
“Estes foram os factores que contribuíram para o meu atraso”. Actualmente, já na idade adulta, frequenta a décima classe num ambiente que descreve como “ameno”. É que no passado enfrentou situações que a fizeram sentir-se fora de órbita. “Na escola primária ninguém queria se sentar comigo, achavam que se transformariam em albinos”, denunciou. Mesmo assim, Eva Nhamposse acredita num futuro mais indulgente, “onde homens e mulheres convivam pacificamente com as diferenças. Até porque a pigmentação da pele não deve ser vista como indicador de superioridade”, arrematou.
Carol Banze
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