– Ângela Macamo, portadora de deficiência visual, relatando os primeiros momentos da gravidez
Quando fiquei grávida não tive consciência disso, só sei que senti uma coisa estranha na minha barriga. No dia do parto, ao colocarem o bebé nos meus braços, sorri… muito… e disse “é meu filho…”. Tacteei o rosto e achei-o lindo. Esta é parte da conversa que domingo teve com uma mãe que nunca viu o rosto dos seus filhos, portadora de deficiência visual.
Ângela Macamo não vê com os olhos, enxerga com a alma e a palma. Cuidou dos seus rebentos, desde os primeiros momentos, tacteando, sentido, falando e amando.
Tem a sua própria luz, especial, que lampeja no seu âmago e se lastra pelos seus dois meninos, de seis anos e de dois anos. Afinal “ser mãe é sinónimo de luz”, considera.
O seu problema de visão começou aos 10 anos. “Fui acometida por catarata. Tentou-se resolver o problema, mas não foi possível a cura. Perdi a visão”.
Na altura os seus pais criaram condições para que fosse estudar na Beira, província de Sofala. “Lá aprendi o Braille”. A sua formação estava mais do que garantida: “…fiz o nível médio e entrei para o superior. Aqui formei-me em Psicologia Escolar, pela Universidade Pedagógica”, curso terminado em 2008.
Actualmente, com 31 anos de idade e casada há sete, trabalha como técnica pedagógica na Direcção da Educação da Cidade, onde se foca na supervisão pedagógica e na elaboração de exames em Braille, entretanto, “já dei aulas durante dois anos e a experiência foi óptima”, garante.
O seu mundo é repleto de contactos e experiências, não visualizadas mas sentidas e compreendidas. A sua vida afectiva corre, paralelamente, às mil maravilhas. Mas deixemos que ela própria exteriorize os seus sentimentos.
O MEU MARIDO É BONITO…
Sim, bonito. Isto foi dito por Ângela, ao se referir ao culpado de sua felicidade. A estória deste casal começou nos tempos da faculdade. “Ele era atencioso, apoiava-me em tudo”, tamanho zelo resultou numa relação sólida e regada de paixão, exteriorizada certo dia quando “ele disse que gostava de mim. Então começamos a namorar”.
Depois veio o lobolo e de seguida a formação de um lar.O resultado desta equação não tardou a se revelar, afinal a natureza conspirou e mais uma vez fez das suas.
ASSUSTADA DIRIGI-ME
… AO HOSPITAL
O amor entre Ângela e seu parceiro conheceu transformações. A dado momento: “senti algo estranho na minha barriga”. O ciclo menstrual parou. Assustada, dirigiu-seao hospital e lá fez-se a revelação. Estava grávida!“Fiquei muito feliz”, conta.
A partir daquele momento, esta mãe desenvolveu uma relação “incrível” com o seu filho, passou a ter horas quase ininterruptas de afagos e conversas: “passava a mão na barriga, várias vezes… falava com o meu bebé”. Ficou ansiosa pela sua chegada…
Mas no dia do nascimento, por pouco as coisas não corriam como deviam, o susto tomou conta de sina maternidade. A culpa foi dos gritos, muitos gritos que se ouviam das outras mães temerosas:“a minha tensão arterial subiu, acabei tendo bebé à cesariana”, lembra-se.
E a criança veio ao mundo. Quando foi colocada nos seus braços: “sorri… muito. Eu disse, “é meu filho”. A partir daquele momento, assumi que tinha que mudar de mentalidade, ser mais responsável. Ali nasceu um amor incondicional. É algo que não consigo explicar”, diz.
Para alcançar a excelência como progenitora, fazia de tudo: “o que me recomendavam e o que eu achava que seria bom para o meu filho”. Enquanto isso, o instinto maternal aguçava-se a cada minuto e o lado afectivo corria quão água de rio: “apalpava o seu rosto… o tacto ajuda-nos muito. Através deste sentido desenhei o seu formato, senti que era lindo…”.
Beleza e posse. Essa era a informação que a palma da mão transmitia para esta mãe. Dessa forma determinou e entendeu os traços do(s) seu(s) filho(s), de tal maneira que, “nem as brincadeiras de troca de bebés que faziam comigo colavam. Eu sentia quando não fosse meu; nos primeiros minutos desenvolvi esta faculdade”, garante.
ELES, TAMBÉM,
CUIDAM DE MIM
Apesar da cegueira, Ângela Macamo sempre tomou conta dos seus filhos com zelo e determinação. “Já sabia de quase tudo, somente aprendi algumas coisas”.
Com efeito, o crescimento foi tranquilo. À medida que o tempo passava, afirma, “fiquei ciente da existência do instinto”. Entretanto, as mudanças foram graduais, contudo acompanhadas detalhadamente por Ângela.
Trocas de posição ocorreram: “quando começaram a ficar grandinhos passaram, também, a cuidar de mim por causa do problema que tenho”.
As primeiras palavras do seu primeiro filho foram “papapá”; “papá”… (para sua decepção): “fiquei decepcionada, sim!”, diz aos risos, mas, em nenhum momento o seu papel e amor de mãe foram colocados em questão, essencialmente porque “não há melhor pessoa que a mãe para cuidar do seu filho”, afirma.
O nascimento dos filhos é, por conseguinte, eleito por Ângela Macamo como o dia mais feliz da sua vida: “Deus ofereceu-me duas criaturas que serão minhas para sempre, diferente de um marido que por alguma circunstância pode sair das nossas vidas”, remata.
Texto de Carol Banze
carolbanze@snoticias.co.mz
Foto de Carlos Uqueio