A importância de conjugar esforços das mulheres e dos homens e, sobretudo, emancipar a mentalidade e atitude em relação à mulher foi destacado pelo Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, como fundamento importante para responder aos desafios socioeconómicos e culturais do país.
O Presidente da República falava, semana finda em Maputo, na abertura da V Conferência Nacional sobre Mulher e Género, este ano realizada sob o lema “Moçambique: Mulheres e Homens, Unidos pelo Desenvolvimento Sustentável”.
Na ocasião, Filipe Nyusi ressaltou o papel das mulheres na produção de riqueza e sustento das famílias, tendo afirmado que “esta força que caracteriza a mulher, em particular a moçambicana, é motivo do nosso orgulho e fonte permanente de inspiração para as inúmeras batalhas que temos pela frente”.
Entretanto, Nyusi fez um apelo para uma reflexão profunda sobre o que foi feito ao longo dos quarenta e um anos de independência do país em prol do empoderamento da mulher. De igual modo, apontou para a importância de se reflectir sobre as melhores formas e os meios mais adequados para fazer face aos desafios actuais, contudo, respeitando a igualdade e equidade do género.
De qualquer forma, conforme avançou, há que observar que igualdade e equidade de género constituem duas realidades distintas, mas com grandes afinidades entre si, sendo que, em relação à igualdade, “em Moçambique, e de acordo com a nossa Lei-Mãe, a Constituição da República, mulheres e homens nascem e permanecem iguais, sem discriminação no gozo e exercício dos seus direitos. Portanto, podemos dizer que, em face da lei, no nosso país, há igualdade de género”.
Já a equidade de género, explicou o PR, pressupõe o reconhecimento e respeito pelas diferenças inerentes, e naturais, entre mulheres e homens.
“A equidade dá ênfase ao tratamento que, necessariamente, deve ser diferenciado, para poder tratar, de forma igual, aquilo que é naturalmente diferente”.
Contudo, “a igualdade e a equidade de género só serão alcançadas quando as diferenças naturais entre mulheres e homens forem abordadas de tal forma que, no final do dia, o tratamento, tanto da mulher como do homem, seja justo e equitativo”, considerou o PR que, na esteira destas ideias, destacou como fundamental o investimento na educação e desenvolvimento humano da mulher, facto que conduzirá “a uma sociedade onde os nossos cidadãos, independentemente do seu género, possam ter as mesmas oportunidades para desenvolver e atingir o seu potencial máximo”.
Desta forma, conforme referiu, a sociedade estaria a acautelar as perdas relacionadas com o abandono escolar derivado de algumas práticas sociais e culturais erradas que, conforme sancionou, devem ser combatidas. Tal é o caso dos casamentos prematuros e das gravidezes precoces.
Nyusi afirmou que “não podemos continuar a assistir passivamente a esta situação, sabendo quão ela condiciona o futuro da nossa sociedade”. Até porque, “se pretendemos acelerar os índices de desenvolvimento humano, devemos prestar atenção redobrada à educação e formação profissionalizante da rapariga”, uma vez que, ressaltou o Presidente da República, as mulheres devem adquirir competências que lhes permitam fazer escolhas livres, responsáveis e informadas, que contribuam para a melhoria das suas vidas e das futuras gerações, bem como continuar a investir na área da saúde, com incidência para a saúde preventiva que protege a mulher.
Por seu turno, a ministra do género, criança e acção social, Cidália Chaúque, referiu que a Quinta conferência nacional enquadra-se no Programa Quinquenal do Governo, que, para além de definir como uma das prioridades a promoção da participação de mulheres e homens no desenvolvimento político, social, económico e cultural, “visa reflectir sobre os progressos e desafios na implementação da igualdade de género e empoderamento da mulher e rapariga”, avaliando o grau de cumprimento das acções constantes da Declaração da Quarta Conferência Nacional sobre Mulher e Género, realizada em 2014. Ao mesmo tempo visa sensibilizar os vários sectores da sociedade a participarem de forma activa no fortalecimento das políticas, programas e estratégias tendentes àqueles desideratos.
Assim sendo, de acordo com alguns resultados avançados no evento, algumas acções tais como o investimento em acções de escolarização da rapariga, de alfabetização e de educação de adultos e formação técnico-profissional da mulher foram executadas de forma satisfatória, sendo que em todo o país trinta e quatro mil, setecentas e trinta e três mulheres foram formadas no âmbito da Estratégia de Emprego e Formação Profissional e, em acções de redução do analfabetismo, de um total de setecentos e onze mil e quatrocentos e vinte e cinco jovens e adultos formados em programas de alfabetização e educação, durante o ano de 2015, 60,41% são mulheres.
Ainda no ano de 2015, dezasseis círculos de interesse para orientação profissional e desenvolvimento de actividades educativas ocupacionais foram criados e estão em funcionamento para estimular as raparigas a permanecerem na escola, e quatro mil e quatrocentas e quarenta e nove mulheres foram capacitadas em cursos profissionalizantes e em projectos de criação de auto-emprego.
Estas e outras acções vêm sendo realizadas em parceria com diferentes entidades governamentais e singulares, tais como o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, a sociedade civil, os líderes comunitários, Ministério da Cultura e Turismo, o Ministério da Saúde, a AMETRAMO, o Ministério dos Recursos Minerais, o Banco Central, órgãos de Comunicação Social, entre outros.
À margem do evento, domingo conversou com algumas participantes que deixaram as suas considerações em relação às barreiras que a mulher e a rapariga encontram no seio da sociedade. As nossas entrevistadas falaram, igualmente, de ganhos no que diz respeito à participação da mulher na tomada de decisões, com enfoque para as esferas socioeconómicas.
Queremos acabar
com religiões nocivas
– directora do género, criança e acção social de Manica
Algumas intervenções durante a V Conferência Nacional sobre Mulher e Género denunciaram práticas prejudiciais que envolvem a rapariga, a mulher e, nalguns casos, a população de uma forma geral.
Trata-se de alguns princípios religiosos que se desajustam das políticas de promoção do bem-estar físico, psíquico e social dos indivíduos.
A propósito deste problema exposto na conferência, domingo conversou com Lurdes Daniel, directora do género, criança e acção social de Manica, que denunciou a ocorrência de casamentos prematuros e limitações nos cuidados de saúde alicerçados em doutrinas religiosas de autenticidade dúbia.
“Algumas seitas, como a Johane Mulangwe, promovem acampamentos para crianças, com a participação do próprio pastor, sendo que essa prática tem como desenlace a união de algumas dessas crianças com o líder, sob alegação de que a decisão é o cumprimento de visões ou sonhos, que o obrigam a desposar as vítimas”.
Conforme lembrou Lurdes Daniel, trata-se de um crime que viola os direitos da criança de crescer e realizar as suas aspirações. Para acabar com estas arbitrariedades, a directora do género, criança e acção social de Manica afirmou que está em curso um trabalho conjunto com a procuradoria e a Direcção Provincial da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, que, por sinal, credencia as actividades das igrejas.
Daniel aproveita o ensejo para vincar que as instituições religiosas devem estar dispostas a colaborar para o bem-estar dos cidadãos, de contrário, “poderão ser banidas, pois sempre que houver matéria, os casos serão encaminhados para o sector da justiça com a finalidade de acabar com práticas nocivas, especialmente, as que infringem os direitos da criança”.
Conforme afirmou, estão também na mira do sector as instituições religiosas, como as Testemunhas de Jeová, que têm princípios que põem em causa a saúde dos seus fiéis. “Como se sabe, difundem que os seus membros não devem, dentre outras coisas, ser submetidos à transfusão de sangue”. Por tal, referiu Lurdes Daniel, há várias actividades de sensibilização e de chamada de atenção em relação ao risco que essas pessoas correm.
OMM está a fazer sua parte
– Mariazinha Niquisse, secretária-geral da Organização da Mulher Moçambicana
“A OMM vem desenvolvendo acções conjuntas com professoras, enfermeiras, entre outras profissionais, no seio das comunidades, apresentando-as como elementos que assumem papéis fundamentais pelas profissões que exercem e como exemplos a serem seguidos pelas jovens raparigas e não só”.
Assim se pronunciou Mariazinha Niquisse, secretária-geral da Organização da Mulher Moçambicana, a propósito da importância de promover a participação da mulher a vários níveis na sociedade.
Com efeito, conforme argumentou, é necessário arrolar diferentes factores que emperram o exercício intelectual da mulher, de forma a os combater. As motivações culturais foram aqui referidas, tendo sido apontadas, em algumas circunstâncias, como uma barreira quando se tem em conta que “há quem ainda pensa que a mulher deve ficar em casa, somente, a cuidar dos afazeres domésticos, ou seja, sem se dedicar a alguma actividade profissional”.
Para agravar a situação, considerou a secretária-geral da OMM, “algumas mulheres interiorizaram que aquele é, de facto, o seu lugar. E mais: quando são violentadas pelos parceiros vangloriam-se, pois entendem que seja por amor”.
Entretanto, Niquisse afirmou que um dos maiores desafios da sua organização e não só é promover a igualdade do género e empoderamento do indivíduo do sexo feminino. “Queremos que a mulher saiba planificar a sua produção, tornando-a, inclusive, rentável, ou seja, gerando rendimentos para a sua família, para que a pobreza deixe de ter o rosto feminino”.
Evolução considerável
– Glória Muianga, locutora e antiga administradora da Rádio Moçambique
“Nestes quarenta e um anos de independência houve uma evolução considerável, tanto na esfera política, bem como na económica e social. Antes da independência, muitas de nós éramos relegadas para um plano inferior, sendo que nós próprias não visávamos a ascensão na vida, fruto da educação que tivemos”, considerou Glória Muianga, locutora, professora na escola de formação da Rádio Moçambique e antiga administradora neste órgão de comunicação.
Muianga lembrou que no passado, mesmo depois da independência, era impensável colocar um rosto feminino no comando de alguma actividade profissional. “No meu sector de trabalho, por exemplo, só tínhamos homens nos cargos de chefia. Enfrentámos barreiras, ou seja, os caminhos eram fechados, por tal, a mulher teve de se empenhar, demonstrar que é capaz, tal como o homem. E a emancipação da mulher, a sua escolarização – que permitiu que deixasse de agir de forma empírica e, por outro lado, desabrochasse, uma vez que éramos retraídas – foi fundamental para se chegar ao nível actual, em que temos várias mulheres de renome e anónimas que orgulham a classe”, vangloriou-se.
Texto de Carol Banze
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