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É preciso encontrar alternativas à prisão– Tina Lorizzo, criminologista

Por admin

As nossas cadeias, grosso modo, albergam mais presos do que a sua capacidade real. Na busca de alternativas, alvitra-se já a aplicação do princípio de penas alternativas às cadeias. A ideia fervilha nos meandros da justiça moçambicana há tempos. 2015, ao que tudo indica, poderá ser o ano do início da aplicação desse recurso para crimes “menores”. O domingo, na senda desse desiderato, entrevistou a criminologista Tina Lorizzo que, entre várias coisas, afirma que a cadeia deve ser o último recurso para a reeducação dos prevaricadores.

Doutorada em Direito Comparado Africano pela Universidade do Cabo (África do Sul), Tina Lorizzo defendeu a sua tese baseada nas cadeias nacionais. Defende o abolicionismo das cadeias porque, segundo ela, as cadeias foram concebidas para reeducar mas os resultados são muito baixos: “pelo menos dois terços dos presos voltam as cadeias depois de cumprirem as penas.”

Lorizzo diz que abundam exemplos de pessoas que entraram nas cadeias por crimes “menores” e acabaram se transformando em verdadeiros bandidos “porque têm contacto com verdadeiros criminosos e aprendem as suas técnicas. Há pessoas presas por coisas ridículas; nesses casos, um julgamento sumário poderia resolver o assunto e aplicar-se penas como trabalho social na comunidade ou outras”.

A nossa interlocutora diz que o continente africano é rico em conceitos de resolução social de conflitos. “Há muitos problemas que são resolvidos no seio familiar ou envolvendo os chefes de quarteirão, etc. retomar essas práticas pode ajudar a descongestionar as nossas cadeias”.

Tina questiona: “um tipo que rouba uma galinha vai para a cadeia fazer o quê? Acrescenta que também escasseia a assistência social aos presos, papel que podia muito bem ser desempenhado pelos régulos, tribunais comunitários ou até organizações como a Ametramo.

Contudo ela destaca o papel do IPAJ – Instituto de Patrocínio e Assistência Judiciária – na resolução de diversos problemas de fórum judicial.

O SERVIÇO COMUNITÁRIO

ALTERNATIVO À PRISÃO

Se a lei sobre as penas e medidas alternativas à prisão vai entrar em vigor no próximo ano, será necessária uma mudança de pensamento sobre o conceito de punição.

Tina Lorizzo defende que a introdução de penas alternativas pode ajudar a descongestionar as cadeias mas, alerta, que tal deve ser feito com todo o cuidado e de forma bem organizada para impedir que haja um aproveitamento ilícito dessa faceta legal.

Prossegue dizendo que na maior parte das vezes, os nossos pensamentos só mudam com o tempo, enfrentando grandes desafios! Neste caso, diz, não teríamos muito tempo a disposição, mas sim um grande desafio! Antes da lei sobre as penas e medidas alternativas à prisão entrar em vigor e ser implementada, será preciso sensibilizarmo-nos a entender que a pena de prisão não é a melhor forma de punir os infractores que cometem ofensas de pequena gravidade e que formas alternativas a prisão punem melhor.

Mas como fazer isso?

Em contextos como o Moçambicano onde são ordinárias frases como “a justiça não funciona”, “a polícia não serve”, onde casos de linchamentos são observados, especialmente nas grandes cidades, a implementação desta lei vai trazer muitos desafios, diz Lorizzo.

Sustenta ainda que falar de penas alternativas à prisão é falar primeiramente de prestação de trabalho socialmente útil, vulgo “serviço comunitário”.

Convidada a discorrer sobre o dispositivo legal atinente às penas alternativas, Tina Lorizzo diz que, como o anteprojecto da Lei de Execução de Medidas e Penas Alternativas à Pena de Prisão declara, o serviço comunitário “se dá quando o crime for punido com pena de prisão até cinco anos, findo o julgamento, verificados os pressupostos consagrados no Código Penal.”

Prossegue referindo que o anteprojecto diz ainda mais que o serviço comunitário “consiste na prestação gratuita de uma actividade, trabalho ou tarefa ao Estado ou a outras entidades públicas ou entidades privadas que prossigam fins de interesse público ou comunitário, sem prejuízo da actividade laboral normal do infractor ou condenado.”

Entre as actividades alinhavadas, são abrangidas o trabalho em escolas, em orfanatos, em hospitais, em lares da terceira idade ou a pessoas portadoras de deficiência e em outros estabelecimentos congéneres; mas também no âmbito da construção, conservação ou manutenção de vias públicas e do saneamento público; serviços prestados no domínio da florestação, conservação e protecção do meio ambiente, da fauna e da flora bravias até a tarefas de limpeza geral, de conservação e de manutenção de jardins, parques e outros espaços ou infra-estruturas públicas ou de interesse público.

Considerando estas normas, a minha primeira preocupação vai as nossas comunidades. É verdade que já sabemos quanto as cadeias estejam superlotadas e quanto as condições de vida nas cadeias não podem ser consideradas assim dignas.

Mas como podemos preparar-nos a ver infractores que cometeram crimes de pequena gravidade a limpar a rua ou trabalhar na escola do bairro? Como podemos evitar casos de linchamentos de transgressores que foram mandados a cumprir a pena através do serviço comunitário? Como, em um contexto onde a protecção e compensação as vítimas é precária, as mesmas conseguirão ver o ladrão que lhe roubou em casa trabalhar na escola de um qualquer bairro, sentindo que justiça foi feita?

Tina diz que “em primeiro lugar deveríamos entender como o serviço comunitário seja uma pena que o infractor vai cumprir. Deveríamos entender que o serviço comunitário pode reeducar mais que uma pena de prisão. Deveríamos saber que, embora as cadeias tenham sido  também criadas para reeducar os presos, isso quase nunca foi alcançado, no mundo inteiro. Na maior parte dos casos, as cadeias revelam se contentores de pessoas que cometeram infracções de pequena gravidade. Actualmente Moçambique tem uma população de cerca 16.000 reclusos. Em Janeiro 2012, 57,6 porcento da população reclusa era condenada a penas correccionais entre 3 meses e 2 anos, ligados a crimes de pequena gravidade”.

Enquanto esperamos que a lei entre em vigor deveríamos começar a sensibilizar as nossas comunidades, por exemplo, com programas radiofónico nas diferentes línguas do Pais. Campanhas de educação cívica deveriam ser organizadas especialmente nos vários bairros das grandes cidades para sensibilizar a mudar o pensamento e ver a decisão de um juiz a mandar o infractor ao serviço comunitário não como prémio mas como castigo. O suporte dos tribunais comunitários pode ser fundamental, especialmente a nível urbano, porque como instâncias não judiciais de resolução de conflitos, estes já aplicam como pena para os infractores, o serviço socialmente útil para a comunidade, além das multas.

Para a nossa entrevistada deveríamos também saber quantos desafios está lei vai trazer. O serviço comunitário funcionará só se os juízes aplicarão esta pena alternativa à prisão em maneira responsável, considerando quanto os seus roles podem revelar se fundamentais para mudar pensamento sobre o conceito de punição. O serviço comunitário funcionará só, e somente se, houver a segurança jurídica e o controle técnico da sua execução e se o monitoramento técnico-penal será feito no pleno respeito da legalidade e integridade. Funcionará quando empresas estatais, publicas e privadas irão aceitar infractores, entendendo o valor que o serviço comunitário pode trazer não só para eles, mas também para as suas famílias e a inteira comunidade. Finalmente, o serviço comunitário funcionará só quando as vítimas de infracções cometidas sentirão que justiça foi alcançada também quando o juiz aplicará ao transgressor o serviço comunitário em vez da pena de prisão.

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