Seus olhos não enxergam nada, mas a sua mente é iluminada. Adelino Maulele, tem 41 anos de idade, casado e pai de um filho de um ano. Reside no bairro de Maxaquene “A”, arredores da cidade de Maputo, e é comerciante há mais de vinte anos. Ficou cego aos 17 anos e nem por isso deixou de levar a vida com ânimo. Sonha em escrever um romance em Braille.
Dormiu enxergando, mas quando chegou o novo dia, ao abrir as pálpebras notou que já não conseguia ver coisa alguma.
Os problemas de vista começaram quando ainda era criança e foram se agravando na fase adulta até chegar o fatídico dia.
Adelino Maulele contou-nos que ficou internado cerca de dois meses Hospital Geral de Mavalane a receber tratamentos médicos. Mas foi tudo em vão: nunca mais voltou a ver.
No ano que foi acometido pela deficiência, frequentava a sétima classe na actual Escola Primária Completa Avenida das FPLM. Ao longo do seu percurso académico nunca teve bom aproveitamento devido aos problemas de vista.
“Conformado, fui para o Instituto dos Deficientes da Beira para aprender o sistema de leitura com o tacto para cegos, designado por Braille. Porém, tinha na altura 20 anos. Por isso, e pela falta de documentos de transferência, a escola não me recebeu”, conta.
Regressado da Beira, nunca mais colocou os pés na escola, pois, explica, “na altura era difícil encontrar deficiente visual a frequentar um ensino inclusivo, devido a falta de políticas de aprendizagem para estes deficientes”.
Sem ocupação, experimentou o negócio de venda de produtos alimentícios de primeira necessidade. Na altura tinha ajuda das duas irmãs que administravam o comércio. Quando elas foram ao lar, sentiu-se obrigado tomar a responsabilidade do negócio.
Hoje, a pequena banca improvisada com alguns sacos esfarrapados, implantada numa das entradas do Mercado Adelina, nas cercanias da Avenida Acordos de Lusaka, em Maputo, Aldino Maulele comercializa um pouco de tudo, desde óleo da cozinha, bolachas, rebuçados, pipocas, cigarros, crédito para telefones celulares, sabão, alguns materiais escolares, entre outros produtos.
“Sou chefe de família de um agregado de cinco elementos que diariamente fica a minha espera para colocar comida na mesa”, sublinha.
No comércio, Aldino Maulele conta, actualmente, com a ajuda de seus dois sobrinhos, de 7 e 11 anos de idade, que se trocam conforme o horário escolar de cada um. Acompanham-no para atravessar a estrada e permanecem todo dia com ele na banca.
Para ele o Governo moçambicano distancia-se dos deficientes. Contudo, afirma que gostaria muito de progredir na sua actividade, através do projecto dos sete milhões do Fundo de Desenvolvimento Distrital (FDD).
“Apelo ao Governo para apoiar mais o deficiente. Veja que me inscrevi no Circulo de KaMaxaquene como membro desfavorecido e recebo 250 meticais por mês, valor que não é suficiente para arcar com despesas básicas de casa”, disse.
GOSTO MUITO DE LER
Aldino Maulele contou à nossa Reportagem que desde pequeno foi apaixonado pela leitura. O seu sonho é ser escritor. Gostaria de lançar um romance para demais deficientes visuais, mas aponta como maior dificuldade a falta de material informático ou de computador com Windows apropriado para a elaboração dos seus textos em “Braille”.
“Aprecio escritores como Garcia Marquez, Mia Couto, Noémia de Sousa, José Craveirinha, entre outros, cujos livros é possível encontrar em Braille. Quanto aos meus escritos, já tenho alguns textos guardados que escrevi há muito tempo. Pretendo melhorá-los e escrever outros mais”, prometeu.
Voltar aos bancos da escola é outro desejo: “mesmo que fosse em ensino à distância”, disse a terminar.
Idnórcio Muchanga
Fotos de Carlos Uqueio