Quinta-feira passada, o povo sul-africano teve raro presente a partir do céu. Trovoada intermitente e chuva miúda anunciaram a saída do corpo do líder histórico sul-africano do Union Buildings ao Hospital Militar, após tantas horas de sol.
O espectáculo da natureza culminou com o arco-íris, bandeira da África do Sul, que em Física retrata a decomposição da luz branca em diferentes cores. Era a exaltação da nação multiracial na antecâmara da partida do fundador.
O assunto preencheu as primeiras páginas da generalidade de jornais sul-africanos. A nossa equipa de Reportagem não escapou da chuva que só caiu durante o período em que o corpo de Madiba partia ao Hospital Militar.
Passavam poucos minutos das dezoito horas, quando o arco-íris, símbolo dos sul-africanos, abraçou o céu para o gáudio de milhares de cidadãos nas ruas de Pretória.
O VELÓRIO DO LIBERTADOR
O corpo de Madiba foi velado durante três dias no Union Buldings (edifício do governo), em Pretória, a capital política sul-africana.
Caso para dizer que o herói da luta anti-apartheid regressou para o mesmo edifício onde há vinte anos expressou o seu ponto de vista sobre a nação arco-iris (com muitas cores), após assumir a chefia do Estado no escaldo das primeiras eleições democráticas na África do Sul, em 1994.
Após longa homenagem no First National Bank, em Joanesburgo, numa cerimónia testemunhada por mais de 100 Chefes de Estado dos quatro cantos do mundo, Madiba era entregue às mãos do seu povo para a longa despedida em Pretória.
Durante três dias de velório, no anfiteatro de Union Buildings, milhares de cidadãos esperaram mais de cinco horas do lado de fora para ver o corpo de Nelson Mandela, cantando e dançando, numa celebração de uma obra descrita como extraordinária por vários cidadãos que aceitaram falar ao domingo.
Os sul-africanos tiveram dez dias no total celebrando os feitos de Mandela e reflecftindo sobre como manter o seu prestigioso legado.
Artérias como Florenço Ribeiro Road, Pretrius Street, Stanza Bopape Street, Hamilton Street testemunharam momentos de festa e drama, o mesno sucedendo nas estradas por onde o cortejo fúnebre passava quando partia do Hospital Military ao Union Building e vice-versa.
Foram dias emocianantes, nos quais milhares de cidadãos sul-africanos choraram. Fizeram festas em celebração de vida do seu herói e velaram o corpo deste, envolto numa bandeira sul-africana.
Sempre que o corpo saia do Hospital Militar para Union Bulding, milhares de cidadaos deslocavam-se em ruidosas manifestações de carinho, formando nas estradas longas filas por onde passava o cortejo fúnebre.
Thabo Mbeki, que substituiu Madiba na Presidência, diz que a única maneira de honrá-lo é reflectir em torno dos desafios que o país enfrenta e tentar encontrar soluções.
MAMÃ GRAÇA SEMPRE DIGNA
Os sul-africanos confessam que Machel, viúva de Nelson Mandela, caiu nas suas vidas de forma surpreendente. Contudo, sublinham hoje que se trata de uma mulher com absoluta singularidade na sua dimensão humana.
A antiga primeira dama moçambicana (mamã Graça, como tratamo-la até hoje) destaca-se hoje como cidadã de honra também na África do Sul, onde a Imprensa internacional classificou-a como figura mais importante das cerimónias de homenagem ao herói sul-africano.
Nós próprios, jornalistas moçambicanos, fomos entrevistados por vários canais internacionais que queriam saber mais sobre a prestigiada figura de Graça Machel, que acompanhou dois grandes estadistas africanos, obreira dos direitos humanos e promotora de acções de cariz humanitário.
Regressando às exéquias fúnebres de Mandela, Machel esteve nas primeiras páginas da generalidade da Imprensa sul-africana numa imagem, a todos os títulos comovente, na qual aparece a acarinhar, com as duas mãos, o corpo do falecido marido com os olhos farejados em lágrimas.
Os sul-africanos dizem que querem que Graça Machel continue nas suas vidas por muitos e longos anos (ler texto à parte).
Homem do tamanho do seu sonho
Durante os três dias que trabalhou em Pretória, a Reportagem do domingo tirou todas as dúvidas: Mandela foi líder carismático e é, por isso, querido do seu povo.
Vimos negros, brancos e mestiços a chorarem nas ruas, salientando que ele trouxe o sentido de justiça à Nação e ensinou que o sangue que corre pelas veias tem a mesma cor para todos os seres humanos.
Neste aspecto (ler depoimentos que se seguem) Madiba foi do tamanho do seu sonho. Trouxe, efectivamente, a justiça, a igualdade social e a democracia na África do Sul .
Vale a pena exibir aqui uma frase dele durante a sua longa marcha pela liberdade: “Durante a minha vida, tenho-me dedicado nesta luta dos povos africanos. Tenho lutado contra a dominação branca. Tenho um ideal de democracia e sociedade livre na qual todas as pessoas devem viver em harmonia e em iguais oportunidades. Este é um ideal pelo qual espero viver e alcançar. Mas se necessário, este é um ideal pelo qual estou preparado para morrer”.
Refira-se que, o regime racista e sanguinário do apartheid por diversas vezes negociou com Mandela a saída deste da prisão. Contudo respondia: “apenas um homem livre pode negociar; prisioneiros não podem entrar em contratos. A tua liberdade e a minha não podem ser separadas”.
Retratamos, a seguir, o sentimento de alguns cidadãos sul-africanos a respeito da morte de Madiba no passado 5 de Dezembro.
Bento Venâncio, em Pretória
Fotos de Inácio Pereira