Coleccionismo é a prática que as pessoas têm de guardar, organizar, seleccionar, trocar e expor diversos itens por categoria em função de seus interesses pessoais.
Em todo o mundo, os colecionadores organizam as mais diversas colecções de objectos, desenvolvem sensos de classificação e organização. Interagem e socializam com outros coleccionadores. Elevam o seu poder de negociação e aumentam o seu repertório cultural acerca do objecto coleccionado.
Ashok Lalgy é uma dessas pessoas.
Vive em Xai-Xai, província de Gaza, e é coleccionador desde a infância.
Sabemos que o senhor é colecionador de longa data. O que é que o senhor tem andando a coleccionar?
Muita coisa. Tenho colecções de certificados de participações e de mérito, passados por várias instituições nacionais e estrangeiras. Para além disso, possuo uma colecção de objectos diversificados, difíceis de caracterizar, entre candeeiros de sinalização marítima, ferroviária, rádios, telefones, máquinas registadoras de dinheiro com mais de cem anos de idade, moedas, medalhas comemorativas, capulanas, fotografias, livros, etc. São, de facto vários utensílios.
E sobre bibliografia?
Possuo uma colectânea de vários livros e revistas “Tempo” entre outras publicações estampadas desde o período colonial até ao presente momento. Conservo também imensas e variadas gravuras feitas aos dirigentes e com dirigentes em número de duas mil e quinhentas imagens. Conservo igualmente livros de história universal e de Moçambique, desde a luta de libertação nacional até ao presente momento.
Há quanto tempo anda a colectar esses objectos?
Há mais de 30 anos. A ideia surgiu em forma de brincadeira. Comecei por um rádio pequeno que achei que poderia ser guardado como lembrança. Mas também comecei a pensar em recuperar outros rádios antigos que não funcionassem. Assim arranjei-os e estão aqui comigo neste museu privado.
O que mais lhe encanta nesta actividade?
É mostrar o passado às pessoas e ver os objectos a funcionarem e a significarem. Fiz isso com luzes de sinalização de barcos, comboios, etc. Tenho coleccionado, por exemplo, uma granada de bronze que adquiri no tempo colonial resultante de bombardeamentos feitos no norte de Moçambique. Tenho ovos de avestruz, entre outras coisas que vou conseguindo colecciona sem problemas.
Como consegue tais bens?
Através de pessoas que me aparecem e vendem, muitas vezes sem conhecerem o valor dos artigos que me propõem. Portanto, tenho cerca de mil medalhas e moedas de vários países do mundo e um montão de postais conservados desde o tempo colonial, editados antes dos anos 60.
Há pessoas que valorizam as suas colecções?
São poucas que valorizam. Há vezes que me aparecem pessoas com enciclopédias antigas, sem capas ou desfolhadas. Recomponho-as e volto a valorizá-las, colocando-as no meu museu. Recomponho e coloco como objecto de consulta a partir do qual as pessoas possam voltar a consultar e a aprender sem sair de casa.
Para si esta actividade é um hobby?
Primeiramente surgiu como um hobby. Para satisfação pessoal. Mas depois, fui descobrindo que também estava a fazer história. Para melhor compreensão posso dizer, por exemplo, que o facto de ter feito colecções livrescas sobre vida e obra de Nelson Mandela, impulsionou-me que fizesse o mesmo em relação às capulanas com esta grande figura e deste modo estabeleço uma complementaridade de espécies de artigos dentro do mesmo quadro histórico. Ai está o interesse das coisas e da importância dum coleccionador.
Tem participado em exposições?
No passado dia 9 de Junho, a pedido da Secretaria do Governo Provincial, montei uma exposição aqui na cidade de Xai-Xai e foi um regalo ver que as pessoas mantinham grande curiosidade na apreciação de moedas antigas expostas. Havia também livros e outro espólio de grande valor histórico.
Que feedback teve do público?
Conforme disse, a curiosidade foi impressionante. Constatei que as pessoas sentem sede de conhecer a história do país. Vi isso pelo impacto que a colecção das capulanas, desde o terceiro ao último Congresso da Frelimo, teve, bem como os registos escritos sobre a significação dos conceitos de Grupos Dinamizadores (GD), Cooperativas de Consumo, Aldeias Comunais, Machambas Estatais e Machambas do Povo. Quer dizer, todo este sentimento transcende.
Tenho também as imagens do casamento do Presidente Samora Machel com Graça Machel e as do funeral do Presidente Samora Machel. Tenho fotos da cerimónia de transição do Presidente Chissano para o Presidente Guebuza, da morte do pintor Malangatana Valente Nguenha, etc. A partir da mistura de leitura visual de ilustrações de objectos e da escrita, reconstitui-se parte significativa do contexto histórico nacional após a conquista da independência nacional.
DISPONIBILIDADE DO MUSEU
O seu museu pode ser frequentado por qualquer pessoa?
Qualquer pessoa que queira consultar algo, pode-o fazer.
E as pessoas aparecem?
Claro que sim. Há instituições de ensino superior e de investigação da nossa província que aparecem com estudantes e investigadores para efeitos de consulta.
Pode dar exemplo dum objecto que desperta aqui a curiosidade das pessoas?
O gramofone.
O que é isso e como funciona?
É um objecto que se dá a corda e reproduz um som. Tem um altifalante, um disco e toca. É algo que já foi inventado há mais de cem anos. Torna-se importante conhecer isso para melhor se conhecer o moderno.
O que consta no teu palmarés como coleccionador?
A visita ao meu museu de altas individualidades, como embaixadores, professores universitários, economistas, etc. Vem gente que não se farta de admirar o que viu em criança e que deseja matar saudades.
Que dificuldades enfrenta agora?
Falta de espaço.
Mas qual é a sua verdadeira intenção com o espaço?
Consolidar o museu e proporcionar uma ocasião para que os citadinos aumentem a sua sabedoria. Penso que as colecções que fiz extravasam a dimensão pessoal, mesmo da cidade de Xai-Xai e da província de Gaza. Penso ser um legado com outros horizontes. Acredito que existem poucos privados que tenham um museu destes.
Que louvores salientes teve na vida?
Na tropa colonial, tive dois louvores: um deles como intérprete e tradutor do Tribunal Militar Territorial, o outro tive como agente do Judiciário, da investigação. Foram ocupações obtidas com uma quota-parte dos bons resultados obtidos no ingresso na tropa colonial. Creio que foi isso. Para além disso, fui tendo outros louvores que se ilustram através de cerca da dezoito certificações que possuo no meu espaço.
Perfil de Ashok Lalgy
Onde nasceu?
Nasci em Novembro de 1948, em Chicumbane, distrito de Xai-Xai, província de Gaza. Os meus pais eram comerciantes em Mandlakadzi. Tive parte da minha infância em Mandlakadzi e a outra em Maputo. Mais tarde passei para cá, Xai-Xai, como comerciante, mas também trabalhei por algum tempo como defensor oficioso.
Que línguas fala?
Inglês, Francês, Indiano e Changana.
Que conselho daria aos mais novos?
Que continuem a ler e a escrever, que faz muito bem. Que não se preocupem com os títulos académicos, mas sim com a sabedoria.
Em que momento lê?
Quando tenho tempo, leio aqui no estabelecimento. Mas também aos finais de semana e à noite.
Que tipo de leituras?
Sobre economia, gestão empresarial, psicologia, filosofia, etc. Enfim, leio quase tudo, desde que seja um bom livro.
ATERRAGEM NOCTURA
ATRAVÉS DE LAMPARINAS
Conta-nos Ashok Lalgy que, certo dia, uma aeronave aterrou à noite no aeródromo de Fenicelene, arredores da cidade de Xai-Xai, província de Gaza, graças à sinalização assegurada pelas lamparinas que fazem parte do seu espólio.
Elas foram usadas para se delimitar as margens da largura pista de aterragem e as outras para delimitarem a extremidade final do limite do seu comprimento. Para se delimitar o inicio da pista, onde a aeronave poisaria o solo, perfilaram algumas viaturas com as luzes acesas, iluminando toda a pista de aterragem. Assim, com toda a precisão, a aeronave pilotada por Mansuklal Lalgy, por sinal irmão de Ashok Lalgy, aterrou sem problemas naquela noite sem luar. “Tudo isto para ilustrar a importância destes meus objectos”, desabafa Ashok Lalgy
Texto de Artur Saúde