Início » Cura através da fé: mito ou realidade?

Cura através da fé: mito ou realidade?

Por admin

Texto de Carol Banze e Fotos de Jerónimo Muianga e Carlos Uqueio
Fé: confiança, credibilidade. Um sentimento de total crença em algo ou alguém. É uma palavra que, de acordo com a etimologia, tem origem no Grego "pistia" que indica a noção de acreditar e no Latim "fides", que remete para uma atitude de fidelidade.

 Mas, mais do que simples denominações, crer, confiar, entregar-se ao pé da letra, leva a resultados de deixar qualquer indivíduo abismado. Ter fé “cura de qualquer mazela… faz milagres”. Quem assim o defende, avança argumentos fortes. domingo registou-os e apresenta-os nesta reportagem.

Abordar o tema fé leva-nos à aceitação de que ele pode ser enquadrado em diferentes contextos, desde o dia-a-dia, ao se ter fé em que se chegará a tempo de realizar alguma tarefa…, até às expressões populares e ao contexto legislativo, quando se considera, por exemplo, que alguém agiu de má fé, ao actuar de forma intencional para prejudicar terceiros. De qualquer forma, o nosso foco vai para a fé no contexto religioso, dando espaço ao culto a Deus e aos deuses.

No primeiro caso, são feitas reverências à Bíblia. Nela, “… conhecereis a Verdade e a Verdade vos Libertará”. Esta parece ser a base de tudo ou o pontapé de saída para a vitória. Joyce Inglês, estudante, garante: “A fé em Deus libertou-me”. Provavelmente seja pois, de acordo com seu depoimento ao domingo,tinha um comportamento fora dos trilhos. Era uma menina cheia de raiva. “Muita raiva, mesmo. Batia, sem dó, nos meus irmãos”. Mas os problemas não paravam por aí. Joyce tinha uma doença grave. Sofria de vista, “nem o hospital conseguia resolver”. Os olhos picavam, tiravam lágrimas. “Somente na escuridão eu me sentia tranquila. Era obra do diabo”, considera.

Porém a cura veio através de uma igreja evangélica,“pela mão da minha mãe. Aliás, ela também tinha problemas sérios, o meu pai tinha duas casas, ou seja, duas mulheres. A mãe estava cansada de sofrer”.

 Foi na casa de Deus que encontraram a solução para os seus problemas. “O meu pai largou a outra mulher, eu curei-me dos meus males. Hoje vivemos em paz”. A fé, acima de tudo, a oração e a orientação do pastor foram suficientes. “Nós acreditamos que seria possível vencer. Vencemos!”, garante.

Entramos em outra galáxia, ao ouvirmos o caso de Crisóldia Ngoka, doméstica, residente em Boane. Não obstante a sua crença, a solução para o seu caso, ainda não está à vista. O seu problema gira em torno da existência de swikwembus ‘espíritos’. São coisas da família. “Herdei da minha mãe”. A verdade é que há já alguns anos, a sua vida tornou-se um inferno, cheia de percalços. “Nada dá(va) certo”. Cansada, procurou a ajuda de um apóstolo, cujo nome não quis revelar. “Ele vem me ajudando. A minha vida só corria mal. Eu era encorpada, mas porque passava a vida doente, fiquei pequenina”, afirma. 

Entretanto, cantar conquistas não será para os próximos tempos. É o que parece, pois mesmo seguindo as instruções dos libertadores para se livrar dos infortúnios, hoje em dia, continua sentindo-se, somente, “assim-assim”. A sua vida está entregue a Deus e aos Deuses. Está-se perante a dança das cadeiras. “Não sei quem vencerá”, diz-nos desesperada.  

FAZIA MACHAMBAS

E FICAVA PARALÍTICA

O mundo de dolências jamais se extirpará. Entre diferentes males, há quem sofre por trabalhar com a finalidade de colocar comida no prato. Este é o caso que nos foi relatado por Marta Alberto, doméstica, residente no bairro da Matola. “Sempre que tentava fazer machamba ficava paralítica”. O seu problema era visível para qualquer um que cruzasse o seu caminho. Até que certo dia, “a directora de uma escola que se localiza perto da minha residência, aproximou-se de mim e recomendou-me a igreja evangélica onde frequento actualmente”. Marta afirma que lhe foi apresentado o pastor da igreja, que ao primeiro encontro ajuizou: “Mãe, Deus está a preparar algo bom para a sua vida”. E assim foi. “Nos dias subsequentes, sem precisar de medicamento, passei a sentir-me melhor. Fui curada. Vejam que até o meu marido parou de me maltratar. Ficou calmo. Meus filhos andavam doentes, já não adoecem mais. Na minha casa há paz, alegria… até os ratos e as cobras desapareceram. O pastor ensinou-nos a espantar as cobras. Basta ter fé e dizer Em Nome de Jesus, pára! A cobra fica estática, permitindo a sua eliminação”, garante Marta. Trata-se de um conhecimento transmitido por “pessoas especiais”. Marta revela que o seu pastor prevê o futuro: cheias, guerras… “até orou para que o governo e a Renamo se entendessem e cessassem as hostilidades no ano de 2014”. Facto interessante é que o pastor de Marta e de outros fieis tem o poder de eliminar dívidas dos bancos, conforme nos afiançou esta crente, trata-se de um domínio supremo, que permite a ocorrência de feitos fora da normalidade.

Entretanto, há quem assume, na primeira pessoa, ter possuído em algum momento da sua vida, algumas faculdades extraordinárias. Não obstante, a exercitação do seu dom nunca chegou a reunir multidões. domingo conversou com esse indivíduo: Bernardo Obadias, fotógrafo de corpos e almas.

Obadias aceita o título e reforça que “há que ter conhecimento de Deus para tirar o retrato das almas. A formação dos homens especiais tem como base os céus. Trata-se de coisas visíveis e invisíveis”. Intrigados, pedimos esclarecimentos. “No seio dos homens há quem tem o poder de sonhar, ter visões, ou seja, ‘ver’ através de Deus. Podem ser profetas, sonhadores. Neste caso, são os que sonham coisas verdadeiras, aquelas que acabam acontecendo”, esmera-se na explicação, para em seguida, estratificar, “há homens que vêem mas há outros que enganam. Há pessoas que de facto ajudam os outros, mas há também cobradores, ladrões”.

Feitos os louvores e as acusações, revela que um dia teve o poder de ver as coisas. Teve. No passado.“Eu orava e saía o espírito para curar”. Mas foi sol de pouca dura: “Acabou.”. Motivo?“Em algum momento, ofendi a Deus, precipitei-me, trilhei por caminhos errados”, confessa, lacónico.

HÁ QUE RESPEITAR

O PONTO DE VISTA DO OUTRO

– Fernando Tivane, antropólogo

A fé é o acreditar em algo que passa a ser verdade. Se se crê na cura, através da fé, é que para essas pessoas isso faz sentido”, considera Fernando Tivane, antropólogo.

É um exercício útil para a vida das pessoas,até porque,“quando se vai ao hospital e diagnosticam malária ou outra doença, passa a ser importante, ao administrarem o medicamento, que a pessoa acredite que vai fazer efeito, de contrário, provavelmente, não fará”, afirma Fernando Tivane.

Em um outro desenvolvimento, questionámo-lo sobre a existência (ou não) de fenómenos pouco esclarecidos, ou seja, não visíveis aos olhos de qualquer um, mas que até certo ponto guiam a existência do ser humano. Referimo-nos, a título de exemplo, à profecia, aos relatos de feitiçarias, à existência de espíritos, entre outros casos. Será possível a sua ocorrência ou se trata de produto da imaginação popular? Cauteloso, o antropólogo Fernando Tivane, chama atenção para a necessidade de se exercitar os seguintes princípios: procurar entender“O que se diz? Que argumentos são avançados?, ou seja, acolher o ponto de vista do Outro, valorizando os elementos que ele apresenta, no entanto, mais do que isso “é importante ouvir o Outro, despidos da nossa lógica e, acima de tudo, de preconceitos”.

Assim sendo, o mérito do que nos é apresentado pelas pessoas que crêem na existência de fenómenos desconhecidos, poderá ser encontrado nos argumentos que são avançados, não obstante a não observância de elementos tais como Observação, Verificação e Experimentação.

COM FÉ

A PESSOA TRANQUILIZA-SE

-Waquissone Magenda, académico

É irrefutável a necessidade de respeitar a forma de estar de outrem, mesmo assim, a crença de forma absoluta, sem questionamentos não deixa de ser algo intrigante. domingo quis saber como se processa esse fenómeno na mente do indivíduo.

Waquissone Magenda, académico,explica-nos que se trata de uma manifestação que ocorre dentro do aparelho psíquico em uma das suas partes chamada inconsciente.

É como uma experiência de descoberta de algo que estava escondido dentro de si, no inconsciente. Quando vem para a consciência, desperta um determinado sentido de impotência interna”.

Se a crença for a um nível profundo,“está-se diante de fundamentalismo ortodoxo. Isto pode-se considerar até certo ponto uma patologia, porque a pessoa se embrutece”.

Seja como for, a dado passo, a fé parecetrazer benefícios. “Acredito que sim, diz Magenda, no sentido psíquico a pessoa tranquiliza-se, ganha paz interior, aliviando-se de tudo aquilo que a perturbava. Fica com a sensação de que pode contar sempre com ajuda de um protector. Tudo acontece na paz e na esperança do amparo omnipresente. Essa estabilidade psíquica, obviamente, reflecte-se na aparência física”, explica o académico.

O PODER É DE DEUS

E NÃO DO HOMEM

– Teólogo José Moiane

Várias são as explicações avançadas para a existência da vida e para sucessão das coisas. Na religião, o universo foi concebido por Deus, com um propósito muito especial: “Tornar este mundo uma comunidade de pessoas capazes de reflectir a imagem de Deus, antes da sua imagem”, explica José Moiane, Teólogo.

Deus, ser supremo, criador e sustentador do universo, que faz a sua manutenção, prossegue o clérigo, é omnisciente e conhecedor de toda a causa. “Tem o poder de intervir na vida das pessoas, quando estas ficam limitadas”. Ele actua num mundo onde ocorrem milagres. Mas para tanto, “é preciso ter Fé, que é o fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que não se vêem”, nessas circunstâncias, o ser humano vive um sonho“a fé é acompanhada de uma visão, confiança, ansiedade e determinação”, diz o teólogo. 

De qualquer forma, ter fé não basta, é preciso ter intimidade com Deus. E mais:“cometer pecados acaba criando entraves na comunicação com Deus, tornando-se, portanto, imperioso confessar-se e abandonar os pecados. A partir daqui podemos confiar as nossas ansiedades a Deus, através de orações. Ele proverá”, garante.

Entretanto, a comunicação com o Criador é feita por todos os homens, todos, sem distinção. Em algumas situações, “Deus usa os irmãos na fé para nos mostrarem os caminhos. Mas tudo depende de nós mesmos. Jesus, simplesmente, diz Sou o Caminho, Sou a verdade, Sou a Vida, e pergunta: Você Crê? Quando se crê, se tem fé, vem a cura”, afirma José Moiane, para em seguida esclarecer que quem tem o poder (da cura) é Deus. “Quem cura é Deus! Ninguém tem um poder especial, Deus é que tem. Há coisas que algumas pessoas fazem para a sua glória e não para a Glória de Deus. Procuram satisfazer o seu ego e desviam muitas pessoas”, alerta o teólogo.

Texto de Carol Banze
carolbanze@yahoo.com.br

Fotos de Jerónimo Muianga e Carlos Uqueio

Você pode também gostar de: