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SOLIDARIEDADE: “Bons vizinhos” descobrem deficientes escondidos

Por admin

Um movimento de solidariedade comunitário denominado Bons Vizinhos, implantado em 36 bairros do Município da Matola, está a dar resultados desejáveis: Duas crianças deficientes, um rapaz com hidrocefalia e uma menina com paralisia, passaram a dar o ar da sua graça aos 16 e 11 anos, respectivamente, no Bairro de Fomento, no Município da Matola. Em outras acções, vários falecidos tiveram funerais condignos, com urnas fornecidas pelos Serviços sociais.

Numa altura em que o amor ao próximo e a ajuda mútua costumam ser evocados apenas em sermões religiosos, domingo fez-se ao terreno para ouvir estórias de sucesso contadas, na primeira pessoa, por quem conheceu o valor dos "bons vizinhos", entidades que se munem de informação relevante e necessária para intervir em casos específicos, tais como, doenças, litígios, entre outras situações que necessitam de assistência.

Trata-se de uma iniciativa que veio da psicoterapia, através de um conceito novo de Saúde Mental que valoriza o bem-estar, a paz, a saúde física e a felicidade.

De acordo com a mentora da ideia, Drª Marcelina Chai-Chai, psicóloga que vem trabalhando na área de Saúde Mental comunitária, a implantação do movimento começou com a criação da Associação Moçambicana de Assistência Psicossocial e Emponderamento às Vítimas de Violência, abreviadamente designada CAPAZ, que, curiosamente, significa Paz, ou seja, Cá há Paz.

A organização surgiu com a meta de desenvolver a capacidade de implantar a paz, dando voz à comunidade para exercer a sua cidadania, solidariedade, responsabilidade individual e colectiva, um exercício feito por activistas locais para que a comunidade ganhe autonomia na resolução dos seus problemas com recurso às instituições públicas de responsabilidade por cada caso.

O maior tesouro que este movimento distribui é a informação e intermediação junto de instituição de direito para a resolução de cada caso.

Neste processo, esta iniciativa teve o condão de não se colocar como um movimento reivindicativo, mas tomando as instituições públicas como parceiras, pois é através dos Bons Vizinhos que elas mesmas acabam tomando conhecimento de situações que são da sua competência.

Conhecer o mundo aos 16 anos

Janisse da Glóriaé um menino de sorriso contagiante e expressividade extraordinária em língua portuguesa.

Órfão e com hidrocefalia, uma condição na qual se verifica o aumento do perímetro do crânio, devido ao desequilíbrio entre a produção e a reabsorção do líquido cefalorraquidío, dentro da cabeça, só aos 16 anos é que Janisse conheceu o ar fora do quintal.

Tal proeza foi possível ao ser convidado a participar num almoço de crianças órfãs, no dia 1 de Junho, organizado pelos "Bons Vizinhos".

Infelizmente, esta liberdade só foi possível depois do falecimento da sua mãe e avó, que sempre o mantiveram escondido do resto da comunidade.

O menino disse ao domingo que seus maiores desejos são ir a escola e … brincar.

Envergonhados

com condição física da criança

Uma criança paralítica passou 11 anos escondida pela mãe e pelos avós no Bairro do Fomento “A”, Quarteirão 17, no Município da Matola. Tudo porque nasceu deficiente e com sinais de paralisia. O cativeiro terminou este ano com a intervenção dos "bons vizinhos".

Marta António Quibe é a "boa vizinha" que nos contou a história, ante o olhar desinibido da própria mãe da criança.

O caso chegou ao conhecimento dos "bons vizinhos" através do Chefe do quarteirão. As primeiras tentativas de abordar a família sobre a criança deficiente que era mantida escondida não foram fáceis. Tanto a jovem mãe da criança como os avós não queriam admitir, no início, que tinham ali uma criança deficiente mas que precisava de levar a vida normalmente, na medida do possível.

Mas a senhora Marta não vacilou, reuniu a família e explicou que esconder a criança não era solução e que, a liberdade e a socialização da mesma até podiam contribuir para algum ajustamento da menina.

Agora essa inibição e vergonha pertencem ao passado. A família acabou aceitando deixar a criança apanhar banhos de sol e brincar no quintal.

Florência Américo Buvane, mãe da criança, chegou a ficar afectada pela situação na altura: o pai da menina, ao notar a deficiência, tratou de abandonar a sua namorada e desaparecer. Florência tinha então 25 anos.

A sua juventude parou aí mesmo. Ela própria considerava-se amaldiçoada ao ponto de não mais se interessar por namorar ou estudar. Vivia, diz ela, como se estivesse a expiar algum pecado, dedicando toda a sua força aos cuidados da criança, mas com esta reserva de não querer que os demais se apercebessem da situação.

Libertada a família do preconceito, agora está mais aberta a qualquer apoio possível. O primeiro apoio que precisa é em carinha de rodas para que a acriança se possa locomover para escola.

Mãe recupera filhos raptados

Três crianças foram raptadas pelo próprio pai quando saíam da escola e mandadas para Suazilândia. A mãe, desesperada, tentou meter o caso no Tribunal dos Menores, mas este parou com o processo quando se apercebeu que as crianças se encontravam fora do país.

Com a intervenção de "bons vizinhos" o processo foi reactivado. A organização tratou de mandar a mãe das crianças viajar para Suazilândia a fim de confirmar a localização das crianças, mediante um documento passado pela organização. Lá a escola forneceu a lista dos alunos onde constavam os nomes dos petizes, o que permitiu reactivar o processo. O pai das crianças teve que se deslocar de Zavala a Maputo para passar a guarda dos menores à mãe.

Só continuam a estudar na Suazilândia por consentimento da progenitora que já tem acesso às crianças.

Órfãos ganham casa e cesta básica

Quatro órfãos, que vivem sozinhos há oito anos, estavam na iminência de ficar ao relento com a degradação avançada da sua casa. Maria Marta Majope, no Bairro Trevo, é a boa vizinha que interveio junto do Instituto Nacional de Acção Social para que o Estado prestasse o necessário apoio a estes órfãos. Isso só aconteceu este ano, com a reconstrução da casa, e fornecimento de algum mobiliário básico como camas e cadeiras plásticas bem como a fixação de uma cesta básica para a família constituída por quatro irmãos.

Trata-se da família Muchile constituída por Cláudia António Muchile, agora com 19 anos, Sarneta, 16 anos, Zenaldino, 14 anos e Virgínia, nove anos.

Quando perderam a única progenitora com que viviam, uma vez que o pai desapareceu há muito tempo, a mais velha tinha apenas dez anos e o mais novo era apenas um bebé.

Cláudia, a mais velha, teve, assim, que assumir a chefia desta família desde os seus 10 anos, o que só foi possível com o apoio dos vizinhos.

Um tanto acanhada na conversa com a nossa Reportagem, Cláudia contou que teve que abandonar a escola na 7ª classe. Sarneta, de 16 anos, também perdeu a vaga por ser remetida ao curso nocturno, para uma escola que fica na Machava, o que torna muito perigosa a caminhada para entrar no baitrro Trevo.

Os "Bons Vizinhos" estão a trabalhar agora com a Educação para conseguir vaga excepcional para a menina estudar de dia o que até agora não foi conseguido.

Estes órfãos carecem de casa de banho própria, estando a sobreviver da boa vizinhança, onde partilham os sanitários para todos os cuidados higiénicos. Clamam ainda por água canalizada e corrente eléctrica.

Sopa da vizinha salva uma vida

Marlen Carlos Cumbane é a "boa vizinha" que num destes dias teve que salvar

Rita Vilanculos, 42 anos, segunda esposa de um homem com dificuldades sérias de sobrevivência.

Tal como as duas senhoras contaram ao nosso jornal, passavam dois dias que Marlen não via sua vizinha quando decidiu se aproximar da cabana onde Rita vive e constatou que a mesma estava nos seus limites de fome, numa altura em que encontrava em tratamento de tuberculose óssea. Para salva-la, Marlen tratou de preparar, com muita pressa, uma sopa rica para alimentar Rita.

Um dia depois Rita já se sentava no quintal. “Se não fosse por causa desta senhora, eu não estaria viva”, disse visivelmente recomposta e feliz.

E… os pobres ganham caixões

A Política Social do nosso país preconiza que o Estado disponibiliza caixões para a sepultura de pessoas sem posses. Com efeito, os "bons vizinhos" estão empenhados na mediação do processo junto do Instituto Nacional de Acção Social (INAS) para fornecer urnas sempre que a desgraça se bate sobre famílias carenciadas no Município da Matola.

É também neste âmbito que vários casos de crianças órfãs e carenciadas conseguem requerer os kits devidos pelo fundo escolar. Mas, muitos continuam a sofrer em muitos bairros por mera falta de informação.

Texto de Francisco Alar

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