Andaimes de bambu.
Isso mesmo. Bambu. É o que fomos encontrar na cidade de Nampula ainda mal refeitos da tragédia registada na Baixa da Cidade de Maputo, onde cinco pessoas morreram devido à queda de equipamento de ferro e alumínio, mais resistente, quando construíam um prédio. Estacas destacam-se, igualmente, como outro material frágil usado no suporte de betão, isto na construção de edifícios altos. Autoridades municipais observam tudo isto com sorriso largo. Distribuem licenças de construção como se de rebuçados se tratassem.
Diante de nós está a cidade de Nampula. É a terceira maior cidade do país. É também conhecida por capital do Norte.
Os portugueses esmeraram-se na sua construção, primeiramente como fortaleza militar. A sua beleza pode ser retratada pelo traço fino no esboço de arruamentos, dispostos em cruzamentos perpendiculares (noventa graus perfeitos), com rotunda aqui e acolá.
Os edifícios da urbe não são altos. Raramente ultrapassam os dez andares. Conquistavam simpatia mais pela elegância do que pela altura.
Este é o retrato simples que poderíamos oferecer de uma cidade que só está atrás de Maputo e Beira em termos de importância estratégica.
Hoje por hoje, Nampula vive outros tempos. Esta a ruralizar-se por conta de um “boom” de construções desordenadas no interior da cidade. Cada um constrói como quiser em avenidas estratégicas como do Trabalho e Eduardo Mondlane. É como se em plena “Eduardo Mondlane” ou “25 de Setembro”, em Maputo, pudéssemos encontrar um pedreiro artesanal a construir uma moradia simples, a seu gosto, como faz no seu quintal na Manhiça ou no Guijá.
Parece que para ser empreiteiro basta ter pá e martelo em Nampula. Um colega de profissão nos disse que cada cidadão nampulense podia ser construtor no interior da cidade bastasse o seu coração mandar.
Ninguém controla ninguém. A fiscalização de obras no espaço municipal não se faz sentir. O Conselho Municipal de Nampula, sob direcção do Movimento Democrático de Moçambique (MDM) está mais preocupado em distribuir licenças de construção, alvarás, do que propriamente em aprender da história o melhor rumo para expansão e desenvolvimento urbano.
É neste cenário que em pleno coração da urbe, bem como em bairros periféricos como Muahivire-Expansão, Marere, Faina, Muala-Expansão, dentre outros, fomos encontrar prédios tortos, de péssima textura e por vezes rústicos no verdeiro sentido da palavra.
São pessoas inabilitadas que expandem a cidade, às vezes, sem licenças de construção e alvarás.
Alguns grupos formam o que designam de empresas empreiteiras, dispondo de apenas escadotes, martelos, pás. Nada mais do que isso. Dirigem-se ao município e recebem licenças para grandes obras.
São estes pseudo-empreiteiros que constroem sem andaimes recorrendo a bambus e simples estacas.
Prestem atenção: mais de oitenta por cento dos novos prédios da cidade foram construídos por pseudo-empreiteiros. Qualquer dia iremos reportar queda, em massa, de edifícios altos na chamada capital do norte e muitas vidas perder-se-ão vidas, caso ninguém coloque um travão a este movimento pseudo-urbano.
O QUE DIZEM OS CONSTRUTORES
Deixemos os ditos construtores falarem para que não seja apenas a nossa descrição a suportar a Reportagem. O leitor observará, sem muito esforço, que trabalham com consciência do risco no trabalho que exercem.
Masirica Mamboleu usa os já famosos andaimes de bambu e madeiras no suporte de betão armado algures na Muala-Expansão. “Eu não tenho outra forma de subir os três pisos do edifício que estou a construir. Uso estes meios para movimentar equipamentos e até para carregar cimento”.
E ressalva: “Muitos trabalhadores movimentam-se por estes andaimes. Eles sabem que podem cair, partir braços ou pernas, mas arriscam. É a vida”.
Este mecanismo arcaico de construção civil, sem as mínimas condições de higiene e segurança no trabalho, parece justificado por falta de alternativas melhores e é sustentado pela necessidade de desafiar o medo e a própria vida.
Vejamos o que disse Tamene Ussene, técnico de construção civil que conversou com o domingoexecutando uma obra no Muahivire-Expansao, na cidade de Nampula. Sem meias-palavras, confessou que trabalha nas piores condições de segurança. “Se alguém cair, caiu. Não me espantaria se isso acontecesse mesmo agora. São as condições que temos”, apontou.
Ussene está a construir um edifício de três pisos. Usa andaimes de bambu, de pouca resistência. É por estes andaimes que dezenas de trabalhadores movimentam equipamento pesado e realizam trabalho de betonagem.
O MUNICÍPIO COMO GRANDE CULPADO
O director provincial de Obras Publicas, Habitação e Recursos Hídricos, Pedrito Rocha, admitiu irregularidades na execução de obras na cidade de Nampula.
Disse que, infelizmente, a sua grande parte é executada por “empreiteiros” não licenciados. “A inspecção tem feito visitas às obras e já aplicou multas”, referiu, acrescentando que alguns destes “empreiteiros” poderiam perder alvarás por causa das infracções cometidas caso a direcção do Município de Nampula colaborasse com o Governo.
Explicou que grande parte das obras em curso na capital de Nampula é executada por singulares agrupados em pseudo-empresas que fazem administração directa. Ou seja: promovem autoconstruções com licenças de autenticidade duvidosa, pontapeando, sistematicamente, regulamentos de construção civil e que visam a estética urbanística.
Perante tantas irregularidades reportadas no sector de construção civil em Nampula, o director provincial de Obras Publicas, Habitação e Recursos Hídricos de Nampula, culpa o Conselho Municipal de Nampula, sob administração do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), pelo caos instalado na cidade.
“A direcção do Município de Nampula distribui licenças de construção sem se preocupar em saber se o empreiteiro tem ou não alvará”, disse o nosso entrevistado, acrescentando que urge reverter esta situação.
Sublinhou que mais grave ainda é o facto de o mesmo Conselho Municipal não fiscalizar nada. “Há empreiteiros de classe inferior que executam obras de grande complexidade”, rematou Pedrito Rocha,
De notar que o empreiteiro de terceira classe só pode executar obras de valor até dez milhões de meticais. Contudo, esta classe rejubila por fazer edifícios de três andares ou mais. Armazéns e prédios.
O nosso entrevistado revelou que mais de trinta obras foram penalizadas, pois constatou-se que o seu volume supera a classe do alvará concedido ao empreiteiro, sobretudo em autoconstruções.
Explicou que a Inspeção de Obras Publicas não pode embargar obras na cidade de Nampula. “Esse papel é do Conselho Municipal”, reiterou.
Ressalvou, contudo, que processos de multas, tramitados pela Inspecção de Obras Públicas, poderão ser convertidos em execuções fiscais pela Autoridade Tributaria de Moçambique.
“Temos uma lista de trinta e cinco obras que foram alvos da Inspecção de Obras Publicas”, ajuntou, salientando que dentre as irregularidades reportadas, destacam-se a falta de procedimentos básicos no âmbito da higiene e segurança no trabalho.
Pedrito Rocha explicou que estas situações não ocorrem apenas na cidade de Nampula. “Toda a província se ressente disso. Empreiteiros trabalham a leste das normas de construção civil”, afiançou.
A PALAVRA COM OS EMPREITEIROS
Uneiza Ali Issufo, presidente da Associação dos Empreiteiros de Nampula, disse que dirige uma organização que tem duzentos e trinta empresas de construção civil filiadas na cidade e cerca de quatrocentas em toda a província.
Admitiu que não tem sido fácil exercer o controlo de um sector como a construção civil. “Desde início do ano temos apertado o cerco contra obras malparadas, mal executadas”, disse sem, contudo, apresentar resultados desse trabalho. Retomaremos este assunto nas nossas próximas edições, ouvindo as autoridades municipais e outros intervenientes.
Devemos travar onda
de obras mal executadas
-Victor Borges, governador de Nampula
O governador da província de Nampula, Victor Borges, disse ao domingoque o seu Executivo está determinado a travar a onda de obras mal executadas e desafiou os empreteiros a investirem neles mesmos para melhor desempenho das suas actividades.
Victor Borges disse ao nosso semanário que muito recentemente promoveu uma feira no sector de construção civil, onde diversos empreiteiros discutiram as melhores praticas.
O nosso entrevistado revelou que na próxima semana haverá um encontro com empresários locais, incluindo os ligados à Construção Civil, no qual serão debatidas, igualmente, as melhores práticas visando o desenvolvimento de Nampula.
O governante sublinhou que doravante serão avaliadas, com pormenor, todas as adjudicações de obras públicas no sector público. “Todo o empreiteiro que revelar fragilidades técnicas e não observar procedimentos de higiene e segurança no trabalho será excluído”, advertiu.
Fotos de Inácio Pereira