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Projecto de lei será aprovado em Março próximo

Por admin

A Assembleia da República (AR) deliberou que a aprovação em definitivo do projecto de Lei de Revisão do Código Penal, seja feito em Março próximo para permitir que os deputados se familiarizem com o documento apresentado pela Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade, que decidiu pela reforma deste instrumento jurídico em vigor no nosso país desde 1886.

A decisão surge depois de acessos debates, nos quais os deputados das três bancadas convergiram na pertinência e oportunidade de se aprovar o novo dispositivo, de modo a garantir o gozo dos direitos e liberdades do cidadão e a sua conformação com as actuais concepções da dogmática penal.

O documento aprovado constitui o culminar de quase três anos de um intenso trabalho de pesquisa e auscultação de diversos sectores da vida nacional para torná-lo mais abrangente.

“A especialidade desta matéria, propomos que aconteça na primeira quinzena de Março, tempo que comportará mais do que três meses, suficientes para uma reflectida sincronização de posições que do debate surgirem”,disse Teodoro Waty, presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade durante o debate na generalidade.

Teodoro Waty afirmou ainda que o novo Código Penal é elaborado numa República, que é Moçambique, daí que o seu conteúdo “está virado para o Homem”, enquanto o código até agora em vigor foi elaborado numa monarquia e estava virado para a defesa dos interesses do Estado.

“Em termos de sistemática, dava-se mais primazia ao Estado e só depois, o cidadão, o Homem. Agora é diferente”,disse para depois acrescentar que os tipos legais de crime, há 127 anos atrás, são totalmente diferentes dos desvios socialmente crimináveis hoje em Moçambique.

“Falamos, no projecto, do adultério e a nossa intenção é propor que se volte a punir este desvio de conduta, depois desta magna casa ter descriminalizado este crime. Falamos da vadiagem; da mendicidade; também abordamos a questão da prostituição. Isso não é posição da primeira comissão, foi aquilo que nós retivemos da diversa e mais ampla consulta pública”,afirmou Waty.  

Segundo Waty, a comissão que dirige entendeu que o adultério era uma das condutas que deveria ser desencorajada através do Código Penal. “Naturalmente, através das abordagens dos deputados nesta sessão de discussão do projecto na generalidade começamos a entender melhor e que provavelmente não deva ser um assunto de âmbito criminal, mas de âmbito civil. Vamos ver. Acredito que a posição dos deputados é a vontade legítima do povo”, disse Waty.

Acrescentou ainda que no que concerne à vadiagem e mendicidade, do debate havido, concluiu-se haver necessidade de uma análise profunda das causas últimas destes fenómenos. “Entende-se que é uma função do Estado criar condições para que não haja vadios nem mendigos.”

Sobre a prostituição, o debate havido deixou transparecer que se pretende punir os transgressores que em algum momento fazem estremecer os alicerces da moral pública.

Os deputados entendem também que o cidadão que deambular na praça pública sob estado de embriaguez constitui um perigo à segurança pública e a sua própria vida, de tal forma que defendem regras para que não haja situações exageradas de consumo de bebidas alcoólicas.

Neste contexto, entende-se que a criminalização de embriaguez com a medida de detenção até 24 horas em estabelecimento policial, visa garantir não só a segurança do indivíduo embriagado na via pública, como também a segurança de terceiros, salvaguardando desta forma tanto os bens pessoais, como os patrimoniais.

Nos artigos 226 a 228 do projecto de revisão do Código Penal está patente a repristinação do adultério e a este respeito, Teodoro Waty explicou que pretende-se garantir a estabilidade da família que é a célula base da sociedade, bem como a prática de crimes passionais.

Um outro fenómeno social que se pretende que seja desencorajado é o aborto clandestino, de tal forma que os deputados advogam a sua despenalização, até porque a tendência internacional tem sido no sentido da sua descriminalização.

Neste contexto, Teodoro Waty ressalvou, na apresentação do documento, que em todo o mundo cerca de 71 mil mulheres morrem por cada ano devido a abortos feitos de forma indiscriminada.

O novo código descriminaliza o aborto em circunstâncias limitadas, ou seja,  quando a vida da mãe está em risco, quando a continuação da gravidez causaria danos irreversíveis à saúde física ou mental da mãe, quando a gravidez resulta de estupro ou incesto, ou quando há boas razões para acreditar que o feto está seriamente mal-formado, entre outros.

Por outro lado, o futuro código amplia enormemente a definição de corrupção para que cubra crimes praticados no sector privado, para além do sector público. Também criminaliza o “enriquecimento ilícito”, de modo que se alguém não pode fornecer uma explicação razoável  sobre  como  obteve a sua riqueza, esse património poderá ser confiscado e reverter a  favor do Estado. O tráfico de influência também passa a ser considerado crime punível com pena de prisão até dois anos.

A  discriminação com base em raça, cor da pele, sexo, partido político, filiação, estado civil, religião, idade, etnia, nacionalidade ou situação familiar passa a ser crime, como preconiza já a  Constituição da República.

No entanto, nos delitos que são definidos como “crimes hediondos” as penas são agravadas.

Para tais crimes a pena máxima costumava ser de 24 anos (com a possibilidade de um aumento para 30 anos no caso dos “delinquentes reincidentes”). Mas sob o novo código a pena máxima será de 40 anos, sem direito a liberdade condicional, amnistia ou perdão.

Um crime hediondo é o que é  cometido  com grande violência ou crueldade, em que o criminoso não mostra nenhum senso de compaixão ou misericórdia e causa repugnância na sociedade. Exemplos desse tipo de crimes são o genocídio, terrorismo, tortura e assassinatos cometidos “com as características de grupos de extermínio”.

BANCADAS EM UNÍSSONO

NA APROVAÇÃO DO PROJECTO

Durante o debate do documento em apreço os deputados das três bancadas parlamentares consideraram oportuna e pertinente a aprovação do novo Código Penal. Para os parlamentares, o novo dispositivo vem garantir o gozo de direitos e liberdades ao cidadão, ao mesmo tempo que procura consolidar a implementação do processo democrático no país.

Para Mário Sevene, deputado da Frelimo, no Projecto de Lei de Revisão do Código Penal dois aspectos devem merecer atenção. “O primeiro refere-se ao artigo que obriga o Ministério Público a promover, no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da lei, a soltura e a libertação de todos os detidos e condenados por crime que não estiver previsto no código”.

Segundo disse, é a aplicação da lei no tempo, matéria prevista no artigo 8, que estabelece que a infracção punível por lei vigente ao tempo em que foi cometida deixa de o ser se uma lei nova a eliminar do número das infracções.

“Situação idêntica acontece nos casos em que tendo havido já condenação transitada em julgado fica extinta a pena, tenha ou não começado o seu cumprimento”,referiu.

O segundo aspecto é sobre a entrada em vigor da Lei de Revisão do Código Penal. O artigo 5 do Projecto de Lei em debate estabelece o prazo de noventa dias após a sua publicação. É o chamado “vacatio legis”, período durante o qual é feita a publicitação da lei e todos os interessados têm a oportunidade de se familiarizarem com ela.

Na ocasião, Sevene apelou, por outro lado, para a criação da figura de “Juiz de Execução de Pena” no quadro jurídico nacional, entidade que deverá zelar pelo cumprimento de penas alternativas à prisão, introduzidas pelo novo Código Penal no país.

Os deputados da Renamo e do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), apesar de se terem mostrado favoráveis à adopção deste dispositivo, sugeriram a eliminação de alguns tipos de crimes que vêm inseridos no futuro Código Penal, como é o caso da vadiagem, mendicidade e declararam-se a favor da penalização do abordo, por considerarem a eliminação de vida de um ser humano um crime.  

Alberto Sabe, da Renamo, mostrou-se contra a criminalização da vadiagem, aborto, adultério e da prostituição. Segundo ele, não existe no país nenhuma lei contra a prostituição e que no projecto deveria se retirar todos os artigos que versam sobre esta matéria. Segundo disse, dever-se-ia, isso sim, introduzir na proposta o crime de exploração e abuso sexual de terceiros.

“No que tange à vadiagem, o Código Penal não deveria criminalizar esta acção, porque quem a pratica não é culpado de o fazer e não o faz de livre e espontânea vontade. Para nós, o Estado é responsável pela criação de emprego no país e só com emprego e trabalho se pode acabar com a vadiagem e mendicidade”,defendeu Sabe, para depois se posicionar contra todas as formas de prática de abordo.

No mesmo diapasão se pronunciou a deputada Alcinda da Conceição do MDM que afirmou que a vadiagem é resultado da falta de emprego no país, uma situação que deve ser resolvida pelo Estado.

Conceição afirmou ainda que não basta que o país consiga criar boas leis. “É necessário garantir que estas leis sejam do conhecimento de todos, ao mesmo tempo que se deve preparar os órgãos que zelam pela sua aplicação para exercerem cabalmente o seu trabalho.”

Neste contexto apelou para um maior e melhor apetrechamento da Polícia, dos tribunais, assim como da Procuradoria e Ministério Público, de recursos humanos e materiais que lhes permitam desenvolver as respectivas actividades com zelo, eficácia e eficiência.

 

Domingos Nhaúle

nhaule2009@gmail.com

Fotos de Inácio Pereira

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