O actual diálogo entre o Governo moçambicano e a Renamo teve o seu início numa carta enviada ao Presidente moçambicano, Armando Guebuza, a 15 de Abril do ano passado, por Augusto Mateus, chefe do gabinete do líder do antigo movimento rebelde, Afonso Dhlakama.
A carta tem como título: “Assunto: Necessidade de negociação urgente entre o Governo de Moçambique e a Renamo” – mas, nos episódios subsequentes, não se vislumbrou nenhum sentido de urgência por parte da Renamo.
A correspondência, cuja cópia está na posse da AIM, mostra que o Secretariado do Conselho de Ministros respondeu a Renamo a 17 de Abril, afirmando que “como sempre, o governo está disponível para o diálogo com a Renamo”, convidando a Renamo para uma reunião a ter lugar na segunda-feira seguinte (22 de Abril) no Indy Village Hotel.
O Indy Village é um hotel frequentemente usado para encontros políticos, e onde delegações do Governo e da Renamo se tinham reunido anteriormente. Por isso, o Executivo estava longe de prever que o local poderia constituir um problema.
No entanto, volvidos dois dias, Mateus rejeitou o Indy Village ou qualquer outro hotel como local de encontro. “Quanto ao que nos parece, o local indicado, que é uma instância turística, não é um lugar digno”, disse Mateus. Por isso, pediu ao Governo para indicar “instalações do Estado que oferecem condições para realizar as negociações em nome do interesse nacional”.
O Governo respondeu prontamente e disse que a sua delegação estaria a espera da Renamo, não num hotel, mas no Ministério da Agricultura. Uma semana já tinha sido perdida, uma vez que a reunião poderia agora só ser realizada a 29 de Abril.
O Ministério parecia adequar-se às exigências da Renamo, e do ponto de vista do Governo era certamente ideal, por ser o local de trabalho do chefe da delegação governamental, o Ministro da Agricultura, José Pacheco.
No entanto, a Renamo declarou, numa nova carta assinada por Mateus, a 26 de Abril, que, pelo facto de ser local de trabalho de Pacheco, o Ministério da Agricultura “não é neutro”. A Renamo exigia do Governo “outras instalações que garantissem neutralidade, idoneidade, transparência e simbolismo da soberania do Estado”.
O Governo respondeu, sugerindo o Centro de Conferências Joaquim Chissano como local para o encontro. E a data do encontro foi alterada para 2 de Maio. Desta vez, a Renamo aceitou – muito embora seja difícil ver até que ponto o centro de conferências é visto como mais simbólico para a soberania do Estado do que um ministério.
Os dois primeiros encontros aconteceram, nos dias 02 e 13 de Maio, mas a Renamo, logo de seguida, exigiu respostas a três “questões prévias” por ela levantadas – a libertação de seus 15 membros acusados de crimes na região de Muxúnguè, na província central de Sofala, onde membros da Força de Intervenção Rápida (FIR) foram assassinados num ataque da Renamo; a retirada da Polícia de vários pontos do distrito de Gorongosa, também em Sofala, e a presença de “facilitadores nacionais” e “observadores internacionais”, em futuras rondas de diálogo.
O Governo respondeu prontamente, a 15 de Maio, afirmando que não podia libertar os prisioneiros, “tendo em conta o princípio de separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário, e nomeadamente a independência dos órgãos de administração da justiça, o Governo não pode interferir no funcionamento desses órgãos”.
Sobre a retirada dos efectivos da Polícia, o Governo referiu que a Polícia “tem por missão a garantia da ordem, segurança e tranquilidade públicas em todo o território nacional, através da defesa dos direitos e liberdades dos cidadãos e da protecção de bens públicos e privadas”. Cabe ao comando da Polícia estabelecer “posições estratégicas em qualquer ponto do país”.
Quanto aos facilitadores e observadores, um ponto nunca mencionado na carta original de Mateus, o Governo não viu a necessidade de envolver terceiros no diálogo. “A auto-estima e as capacidades dos moçambicanos conferem legitimidade para o Governo e a Renamo prosseguirem com o diálogo nos moldes em curso”.
Desta feita, só na ronda de diálogo havida a 20 de Maio a Renamo finalmente apresentou o primeiro ponto da agenda dos assuntos que queria ver discutidos – mais concretamente a legislação eleitoral.
Existem outros três pontos na agenda – defesa e segurança, a separação dos partidos políticos do Estado, e “questões económicas” (estes não eram especificadas, embora, a avaliar pela primeira carta de Mateus, as reclamações baseavam-se na alegada exclusão da Renamo dos “frutos da paz”, e a discriminação dos seus membros no acesso ao emprego, participações nas empresas e crédito bancário.
Havia muito para discutir nesta agenda – mas nunca se foi além do primeiro ponto. Durante os meses de Maio e Junho, o único assunto que a Renamo aceitou discutir foi a revisão da Lei Eleitoral aprovada pelo voto da maioria na Assembleia da República (AR), o parlamento moçambicano, em Dezembro de 2012.
A 01 de Julho, o Governo tentou introduzir um ponto próprio – o desarmamento da Renamo, mas este partido da oposição desvalorizou o assunto e voltou, uma vez mais, a insistir na legislação eleitoral. Ela apresentou um documento com 12 pontos, divididos em 24 propostas separadas.
Talvez a expectativa da Renamo era que o Governo rejeitasse tudo. Ao invés, o Executivo enviou uma resposta rápida a 18 de Julho, aceitando a maioria das propostas por ela submetidas. O Executivo concordou plenamente com 16 das propostas, concordou parcialmente com seis outros, rejeitando apenas duas.
Mas entre esses dois pontos figurava a exigência da Renamo de “paridade” na Comissão Nacional de Eleições (CNE) entre ela e a Frelimo. A Renamo poderia ter apresentado todos os seus outros pontos como emendas à legislação eleitoral na sessão extraordinária da Assembleia da República, havida em Agosto, e não há nenhuma razão para duvidar de que teriam passado.
Ao invés, insistiu em um “acordo político” com o Governo que forçaria a “paridade” na garganta da Assembleia, mas este não cederia a essa exigência.
O tudo ou nada
Nessa altura, a Renamo não assinava sequer as actas dos encontros. O Governo enviou repetidas vezes as actas não assinadas, mas a Renamo se recusou assiná-las. Até ao momento, das 24 rondas de diálogo havidas a Renamo assinou apenas as actas das primeiras seis.
As actas fazem uma mera transcrição de quem disse o quê. Não criam laços vinculativos entre as partes no sentido de concordarem naquilo que foi dito por outro lado. Mas mesmo assim, a Renamo se recusou a assinar.
Em Outubro, o diálogo resvalou para um impasse. A Renamo passou a exigir desde então não só “facilitadores e observadores”, mas também “mediadores”, tanto nacionais como estrangeiros. O governo fez uma concessão – preparou-se para acolher duas figuras que já tinham levado mensagens entre Dhlakama e Guebuza, o bispo anglicano Dom Dinis Sengulane, e o proeminente académico Lourenço do Rosário, para desempenhar o papel de observadores.
Mas, a Renamo mais uma vez fincava pé e fazia questão de tudo ou nada. A menos que o governo aceitasse mediadores e observadores estrangeiros, ela não participaria nas rondas de diálogo. A Renamo não chegou a afirmar que decidiu romper o diálogo – por isso o Executivo continua a convidar regularmente a Renamo ao centro de conferências, mas ela simplesmente prima pela ausência.
O diálogo está em curso desde meados de Abril, e não houve absolutamente nada que justifica o exercício feito. Embora a Renamo tenha afirmado que o diálogo era de carácter “urgente”, ela criou problemas em relação ao local, e de seguida, exigiu que “questões prévias” fossem resolvidas.
Quando foi abordada a própria agenda da Renamo, ela recusou-se a ir além do primeiro ponto. Em seguida, o diálogo estagnou completamente em relação a exigência por causa de mediadores e observadores estrangeiros – exigência que não foi arrolada na carta inicial de Augusto Mateus solicitando “negociações”.
Em suma, a troca de correspondência espelha uma clara falta de vontade por parte da Renamo de assumir qualquer compromisso. Pelo contrário, ela emite ultimatos e declara que as suas posições são inegociáveis. Mas quando as pessoas que entram num diálogo exigem tudo ou nada geralmente acabam sem nada.