O parlamento moçambicano, semana finda, na sessão de respostas do Governo, voltou a destacar a sempre adiada questão da paz como força motriz para o desenvolvimento e, consequente, superação da crise económica que já se faz sentir um pouco por todo o país com a subida galopante dos preços dos principais produtos de alimentação.
O Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho do Rosário, disse, em sessão da Assembleia da República, que a paz é um bem comum e inalienável e constitui um pilar fundamental para o crescimento económico sólido e inclusivo sendo, por via disso, a chave principal para o desenvolvimento do país.
Falando na sessão de perguntas ao governo, o primeiro-ministro manifestou a sua esperança de que os mediadores internacionais que vão facilitar o diálogo político entre o Governo e a Renamo contribuam para que a Comissão Mista alcance, a breve intervalo, entendimento que ajude para a cessação das acções armadas, de modo que o país alcance uma paz duradoira e verdadeira reconciliação nacional.
“Com o calar das armas serão evitadas mortes, destruições de infra-estruturas económicas e sociais, o que vai permitir a normalização da livre circulação de pessoas e bens, condição necessária para o aumento da produção e produtividade e a consequente diminuição do custo de vida, um dos grandes desafios do momento”, sublinhou o governante.
E, no que diz respeito ao custo de vida, vale a pena olhar atentamente para os dados que se conhecem sobre os números: Há um corte de 24 mil milhões de meticais em todo o Orçamento Rectificativo, com impacto no investimento público, Educação, Justiça, Serviços de Inteligência, Presidência da República, Forças Armadas e Acção Social. Os números não escondem, no entanto, que a proposta vai servir, também, para reforçar despesas de funcionamento, que passam de cerca de 136 mil milhões de meticais para 143 mil milhões. As rubricas Outras Despesas Correntes, Transferências Correntes e Encargos da Dívida vão ter mais dinheiro no novo orçamento.
O Orçamento em vigor, aprovado em 2015, tinha reservado um valor de mil e duzentos e oitenta e três milhões de meticais. A proposta de Orçamento Rectificativo coloca agora os números bem acima: dez mil e quinhentos e quarenta e quatro milhões de meticais. Nada mais, nada menos que oito vezes mais que o previsto inicialmente. Não é por acaso que a alocação cresceu tanto. Outras Despesas Correntes vão servir de fundos de provisão, ou seja, recursos que o Estado poderá accionar para cobrir as despesas de última hora.
A questão do custo de vida, aliás, dominou parte significativa dos debates porquanto o tema está intimamente ligado à problemática da paz. Sobre ambos temas, o Primeiro-Ministro foi peremptório: a paz é condição sine qua non para que o custo de vida seja amenizado.
Destacou ainda a promoção de acções visando o aumento da produção e produtividade agrária, com foco para cereais e hortícolas, que têm um grande peso no aumento da inflação; diversificação e alargamento da base produtiva, particularmente nas zonas rurais, onde se localiza a maior parte da população; e a promoção de mais investimentos na construção e reabilitação de vias de acesso para assegurar uma maior ligação entre os centros de produção e os mercados, dinamizando assim a economia rural.
“Para além destas acções, o governo encoraja e incentiva o sector privado a apostar no aumento da produção de bens de exportação para tirar vantagens da depreciação cambial”, afirmou Carlos Agostinho do Rosário, para depois referir que o seu executivo continuará focalizado na implementação e operacionalização das acções nas áreas da agricultura, energia, infra-estruturas e turismo, em que o nosso país possui vantagens comparativas que podem ser convertidas em vantagens competitivas.
Carlos Agostinho do Rosário, respondendo às preocupações levantadas pelas três bancadas parlamentares em torno do actual estágio político, económico e social do país, referiu, debruçando-se especificamente sobre o custo de vida, que, para além das acções de impacto imediato, o governo tem vindo a tomar medidas estruturantes visando aliviar a carestia da vida.
E o cenário não é nada animador; a subida do custo de vida é medida através da inflação, que consiste na variação média de preços de um cabaz num determinado período e depende dos hábitos, costumes dos consumidores e condições locais duma determinada região (Província, Cidade e Distrito). Por exemplo, em Junho de 2016, a inflação na cidade da Beira foi a mais alta do País, tendo se fixado em 24.5 porcento enquanto nas cidades de Nampula e de Maputo registou-se uma variação de 20.4 porcento e 17.8 porcento, respectivamente.
“Em termos agregados, a inflação de Moçambique situou-se em 19,7 porcento, fixando-se deste modo acima de um dígito, o que representa um desafio para todos nós”, disse o PM, antes de acrescentar que “a subida do custo de vida não afecta somente o nosso País, mas também alguns países da nossa região”.
Acrescentou que “como temos vindo a esclarecer o que produzimos não é suficiente para satisfazer as nossas necessidades básicas, razão pela qual recorremos sistematicamente as importações de bens e serviços, provocando deste modo uma forte pressão sobre o Metical face ao Dólar norte-americano”.
Falou ainda da disponibilidade da moeda externa que tem vindo a escassear devido a vários factores, nomeadamente a redução das receitas de exportação decorrente da queda do preço das matérias-primas que exportamos no mercado internacional; diminuição do fluxo de investimento directo estrangeiro e a diminuição da assistência financeira dos parceiros de cooperação.
“As calamidades naturais (seca e estiagem) e os ataques protagonizados pelos homens armados da Renamo na zona centro do País, agravam o aumento do custo de vida”, rematou Carlos Agostinho do Rosário.
O PM acrescentou que “gostaríamos de reiterar o compromisso do Governo no aprofundamento da descentralização administrativa e da autonomia do poder local. A este respeito, importa referir, como já o fizemos em ocasiões anteriores, que nos termos da legislação em vigor, a transferência de funções e competências dos órgãos do Estado (saúde, educação, transportes públicos e outras) para as Autarquias ocorre, de forma gradual, sempre que estejam reunidas as condições para assumir a gestão dessas funções”.
CASACOS
E BALALAICAS
Naquilo que parece ser já tradição no Parlamento, os deputados, na última quinta-feira, voltaram a trocar acusações mútuas sobre actuação dos seus partidos, ao invés de aterem-se sobre os temas ora em debate. O nível baixou tanto ao ponto de obrigar a presidente da Assembleia da República, Verónica Macamo, a lembrar aos deputados “que independentemente das cores partidárias há um nível mínimo de decência que deve guiar as intervenções”.
A espaços, uma e outra intervenção destacava-se. Por exemplo, Agostinho Vuma, da Frelimo, acusou a Renamo de ser o principal responsável pela subida do custo de vida no país, ao realizar acções militares que dificultam a circulação de pessoas e bens ao longo de todo o país.
Destacou o facto de as acções armadas da Renamo significarem uma clara violação dos direitos humanos, pois elas resultam na morte de cidadãos, destruição de infra-estruturas, impedindo a livre circulação de pessoas e mercadorias, reduzindo drasticamente o fluxo de bens e serviços de e para as regiões centro e norte.
Outro deputado exigiu a ilegalização e responsabilização criminal da Renamo por conta das acções armadas que tem estado a protagonizar.
A Frelimo várias vezes pautou por enaltecer o Governo, apelando para a intensificação de esforços nas suas actividades enquanto os deputados da Renamo atrelaram-se a ideia de serem os obreiros da democracia no país para atirarem alguns “petardos” à bancada da Frelimo.
MEDIADORES REUNIDOS
COM COMISSÃO MISTA
A Assembleia da República foi também o palco escolhido para o primeiro encontro entre o grupo de mediadores internacionais convidadas para tomar parte do diálogo político entre o Governo e a Renamo visando o restabelecimento da paz manteve, quinta-feira, em Maputo, o primeiro contacto com a comissão mista de preparação do encontro ao mais alto nível.
A reunião foi descrita por Jacinto Veloso, porta-voz da comissão, como tendo servido para desejar-lhes as boas vindas e transmitir-lhes a abertura do Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, para encontrar uma solução definitiva para a paz em Moçambique.
Veloso disse que a comissão mista vê o grupo de mediadores internacionais como um bloco e não dividido em partes sugeridas pelo Presidente da República e pelo líder da Renamo e que vai ajudar a atingir o objectivo de pôr fim às acções armadas.
Explicou que nesse primeiro contacto a comissão manifestou a sua confiança no trabalho que o grupo de mediadores vai realizar em preparação do encontro ao mais alto nível entre Filipe Nyusi e Afonso Dhlakama.
Depois de reunir com a comissão mista, os mediadores encontraram-se em separado com as delegações das duas partes, para se inteirarem das preocupações de cada lado, segundo afirmou Jacinto Veloso em conferência de imprensa.
A anteceder o encontro com os mediadores, a comissão mista, já alargada a 12 membros, reuniu-se em sessão descrita como tendo servido para o conhecimento mútuo entre os seus integrantes e troca de pontos de vista sobre assuntos da sua agenda de actividades.
Belmiro Adamugy
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Fotos de Carlos Uqueio