“O Presente que se dá em segredo abate a ira, e a dádiva no meio, uma forte indignação” Provérbios 21:14
Por uma razão de sigilo, não direi o nome verdadeiro do meu vizinho de parede geminada no Prédio, (paredes-meias), protagonista desta macabra odisseia, preferindo dar-vos a conhecer como Azarias Khombo Muyivi. Trabalhador sazonal do Porto há muitos anos, peço também a para não insistirem em querer saber a localização do tal Porto onde ele trabalha, porque isso facilitaria a sua identificação e ele haveria de saber logo que fui eu que o denunciei. Sendo assim, nunca me perdoaria, apesar de nesta época natalícia o perdão ser a palavra-chave. De corpo hercúleo talhado pela mãe natureza para ser um halterofilista, contudo, os trabalhos pesados é que se aproveitam da sua musculatura. Muito cedo deu-se conta da inutilidade em encaixar na sua cachimónia a assimilação dos algarismos e do alfabeto, decidiu ganhar honestamente o pão para o sustento de si e família a seu cargo, “vergando a mola” como sói dizer-se, vendendo aquela sua força muscular como um ilustre assalariado na Estiva. Para proveito de quem não sabe o que se faz na Estiva, e por experiencia própria, esclareço que, os Estivadores são trabalhadores responsáveis por acondicionar mercadorias nos porões e convés das embarcações, (navios), na exportação e importação de produtos. Existe uma canção popular inventada pelo veterano dos trovadores moçambicanos da actualidade, Domingos Honwana, o carinhosamente conhecido por “Xidimingwana”, em honra aos Estivadores. Ele, (Xidimingwana) conta e canta que os Estivadores entram no Porto magros vergando fatos-macacos, mas já à saída, tem dificuldades porque no final da jornada laboral o fato-macaco aperta-lhes devido a “pequenos achados” que foram armazenando nos bolsos e em todo o corpo, já que como se diz “a ocasião faz ladrão”, tudo o que encontram colocam dentro do fato-macaco e para evitar revista à saída do Portão, despistam a vigilância, procurando saídas de emergência mais “discretas”. Além disso, há um dito na língua da viúva do meu falecido pai que diz que, “sotshe sa thuma mwani, loko si si thumi, sinaya sakana ni Vanana, loko Vanana va sisi lavi, sinayahiyelwa ngu Nkatamwane!” ou seja, “tudo terá serventia em casa, se não servir, virará brinquedo de crianças e se para isso também não servir a nora irá varrê-los para o lixo”. Foi assim que, durante a jornada daquela inesquecível noite de 24 para 25 de Dezembro prestes a desaparecer para sempre, o meu vizinho paredes-meias, descobriu um valioso achado esquecido num contentor há muito descarregado. Tratava-se de uma caixa de madeira dentro da qual albergava uma linda mala forrada de um tecido de veludo roxo.
Por Kandiyane Wa Matuva Kandiya