A nossa política é a do humor. Todas as pessoas sérias foram assassinadas.
Nós queremos ser os palhaços do mundo – John Lennon
Sou perseguido por um fantasma. A caçada dura há muitos anos. Dizem, os mais entendidos, que o referido fantasma chama-se, na verdade, nostalgia. Pode ser. É que transporto, dentro de mim, uma certa chama, um lusco-fusco, de algo que ficou por fazer. É assim que me sinto quando o mote é o teatro. Adoro esta arte. A arte de representar. Constantin Stanislávski, a este propósito, disse que “representar verdadeiramente, significa estar certo, ser lógico, corrente, pensar, lutar, sentir e agir em uníssono com o papel.” É isso mesmo. Sentir e agir.
A arte dramática é a arte educativa por excelência. O assunto mais importante pode ser abreviado até ao ponto em que todos possam apreciá-lo e compreendê-lo. Foi assim. É assim. Também é verdade que o tempo faz mossa. Corrói. O teatro contemporâneo, naturalmente, não é uma cópia do teatro grego antigo. Salvo o espírito e a vontade férrea dos seus praticantes. E que vontade. Contra tudo e contra todos, entre nós, uma legião de “teimosos” continua a fazer desta arte uma razão fulcral para viver. São os meus heróis! Tiro-lhes o chapéu…
Esta semana assinalou-se o Dia Mundial do Teatro. Como já vem sendo tradição, iniciativas várias tiveram lugar, um pouco por todo o país, para assinalar a efeméride. Actores, encenadores, amantes desta bela arte, desdobraram-se para que a data não passasse despercebida. É assim que vive o nosso teatro. Dos seus fazedores. Que o público mingua a cada dia. Os espaços físicos para a sua prática também se vão desfazendo gradualmente. Diz-se que o nosso teatro está saudável. Que mentira mais deslavada. Quem está vivo e saudável são os seus praticantes porque se dependesse dos “chefes” já ninguém o fazia.
Dario Fo, na sua mensagem sobre a data, escreveu. “Hoje, os atores e as companhias de teatro têm dificuldades em encontrar teatros, praças públicas e espectadores, tudo por causa da crise. Os Governantes, portanto, não estão mais preocupados com os problemas de controlo sobre aqueles que se expressam com ironia e sarcasmo, já que não há lugar para actores, nem existe um público para assistir.”
Incrível. O pior é que concordo com Fo. Uma boa parcela do nosso teatro contemporâneo está envolta numa camada de analgésicos. Claro que a sociedade de hoje, está muito longe de ter princípios semelhantes aos gregos. Porém, as obras das tragédias gregas ultrapassaram os séculos justamente por não se aterem a falar dos psicologismos das personagens, evitando assim, que o teatro se afastasse do censo de colectivo.
Os espectáculos na actualidade (e há muito tempo) por uma questão de ordem económica, e de esgotamento cultural, estão cada vez mais reduzidos no que diz respeito ao elenco. Hoje, muitas vezes, é apenas um actor, dois, no máximo cinco, num palco nu, e uma plateia reduzida aos poucos espaços de pequenas salas.
Cada vez mais se vê o teatro preocupado em fazer teatro para si mesmo, esquecido da sua capacidade de intervenção social e cultural. Nem poderia ser diferente se vivemos a era da individualidade, onde o texto: “um por todos e todos por um” é apenas uma frase solta que todos julgam interessante, uma vez que foi Alexandre Dumas quem escreveu, mas que todos a deixam fora do plano de atitudes do seu contexto. Claro que não estou pedinchando aqui que todos saiam às ruas fazendo teatro e que excomunguem o teatro de sala e o teatro arrebatado. Mas proponho que se façam a pergunta do por quê cada vez mais estamos indo para pequenas salas e com um número cada vez mais reduzido de pessoas para assistir as peças?
Por outro lado, a criatividade e a rebeldia saudáveis muitas vezes estão ao serviço dos patrocinadores. Os festivais, salvo uma e outra iniciativa, caíram sobre os seus próprios joelhos. Não há incentivos. Não temos um Teatro Nacional. Há grupos teatrais “banidos” pelo “poder” sobretudo nos distritos. São considerados proscritos. Pessoas ao serviço dos “outros”. Que coisa…
É verdade que temos agora um curso superior de teatro na ECA mas falta-nos uma ocupação verdadeira do teatro dentro das instituições de ensino, talvez porque este seja considerado subversivo. Não que o teatro dado na academia vá resolver os problemas, mas a criação destas e a formação de professores que possam actuar dentro do ensino fundamental e ensino médio talvez pudesse auxiliar na formação de cidadãos melhores consumidores da produção artística. Já lá vão os tempos em que tínhamos grupos teatrais nas escolas!
Apesar de tudo, viva o teatro nacional. Que os actores, encenadores, dramaturgos, músicos, pessoal técnico, espectadores e outros, não desistam do teatro… mesmo quando já não há condições para sofrer.