“Quando te assentares a comer com um governador, atenta bem para aquele que está diante de ti; mete uma faca à tua garganta, se és homem glutão”Prov. 23:1
Das três mulheres que contribuíram para a minha humanização, apenas uma ainda se mantêm rígida e lúcida, como parte da estatística populacional deste País desde há nove décadas: refiro-me à viúva do meu falecido pai. Os vinte e dois anos que me separam dela, a partir do dia em que me trouxe ao mundo, continuam insuperáveis. Nessa época, quem não me aliasse a fruto do seu ventre, poderia tomá-la por Donzela, já porque ostentava uma cara angelical e corpo esguio, ao que chegou a provocar constantes agressões verbais e físicas à sua (dela) mãe pelo meu avô materno. O sujeito desconfiava que ela não fosse o produto das suas vesículas seminais, dado que ela saíra com a pele muito macia e demasiadamente clara, pelo que com nenhum dos dois (do casal) se parecia. O meu falecido avô materno sempre “morrera” de ciúmes e desconfiança da excessiva simpatia que a minha falecida avó nutria do patrão Grego colono, o qual era servido por um “batalhão” de homens e mulheres todos eles “selvagens” e incultos lá da sua enorme Fazenda, num trabalho denominado “Di Dhamba”, cujo salário se resumia a simples manta por mês, tipo “Txiganda mbongola”, geralmente utilizada como acolchoado no dorso de um asno. Estamos nos primeiros anos da década quarenta do século passado. Contra o costume de então em que uma criança sugava o peito da mãe até aos cinco anos, ela desmamou-me com apenas dois anos, e por isso não chegou a conquistar a minha amizade porque, assim que o marido regressou das minas do “Jhoni”, trataram de me enviar aos cuidados das minhas avós que passaram a disputar entre si a minha posse, alegadamente porque eu era marido delas. Naquele tempo, acreditava-se com devoção que, enquanto uma mulher amamentasse, não corria nenhum risco de engravidar. Eram tabus que pegavam mesmo. E, como o falecido marido da minha mãe apenas dispunha de três meses de férias, para depois regressar à terra do Rand onde ficaria outros dezoito meses, forçosamente eu tinha de ser afastado da mulher dele para permitir a sua rápida fertilização e fecundação. Era forçoso que a mulher casada “lowolada”, gerasse filhos correspondentes ao número dos dedos das duas mãos. Foi assim que, fiquei entregue aos cuidados daquelas duas matronas. Com um à vontade natural, própria de casais, lavavam-me e se banhavam também na minha presença sem nenhuma réstia de pudor pois sempre me tiveram por inocente e ingénuo e que entre mim e elas não havia nada a esconder. Eu vivia como um verdadeiro bígamo, pois elas moravam cada uma na sua casa. Foi assim que dos dois aos dez anos as minhas duas “mulheres encheram-me de pataratices de encantar e de embalar, das quais algumas continuam a fazer parte do meu universo mental até aos dias que correm. Cada uma delas tinha a sua cultura: uma era pura analfabeta e outra não só sabia ler, escrever como até era maestrina dum orfeão feminino da missão. Pode-se imaginar, o que terei aprendido daquelas duas lindas “bruxas”! Pena nenhuma delas não ter sido mesmo mágica, pois eu hoje seria o mais temível feiticeiro do mundo. Depois de ingressar no mundo Cristianizado e alfabetizado da minha avó materna, todas as minhas férias escolares passava-as juntamente com a minha avó paterna analfabeta, empanturrando-me com as suas iguarias e guloseimas como, “Lifete/Txikhaba” temperados de sal, “wu tshotshoredwa”, (castanha assada e tratada com um carinho especial para amante), mel de abelhas subterrâneas (Phembe), e as suas “incabáveis” lendas e narrativas (Ti Karingane ni Ti Thekathekane). Quando as duas decidiram divorciar-se em definitivo de mim para se juntarem aos seus legítimos maridos no além, eram respeitáveis nonagenárias, idade que a viúva do meu falecido pai ostenta hoje. Daqui decidirmos (eu e ela) reatarmos a nossa amizade coarctada compulsivamente pelo marido dela, há já lá vão quase sete décadas. Não tendo tido a sorte que as suas (dela) mães e sogra tiveram de ter com quem compartilhar a sua viuvez, como “marido”, já que a televisão, “Playstations” & Compa. Lda., se encarregam de educar os netos, ela ficou condenada a regressar para a “Terra de Nod”, com as suas pataratas. Assim, eu e ela, fizemos um convénio de encontros regulares mensais no mínimo, já que se recusa a abandonar o sítio onde o seu ex-marido a deixou até ser “arrebatado” para junto dele. Último fim-de-semana, estivemos juntos durante horas a fio. Foi quando ela decidiu contar-me o porquê de eu e ela não gostamos do prato de arroz. Lembrou-me que num dos dias que eu me encontrava febril, em vez de deixar-me com o meu tio/Babá, carregou-me consigo ao colo para a dita Machamba do Grego Colono. Eu teria chorado tanto que o Patrão/Pai (?), decidiu dispensar-lhe para cuidar de mim. Ela então, aproveitou arrancar às escondidas, algumas espigas de arroz. Chegados a casa, ela tratou de esbagoar o cereal e meter as sementes com a respectiva casca numa panela juntamente com outros ingredientes típicos da nossa zona, (mexilhão, sal e piripiri). Ela nunca tinha comido arroz nem tido alguma instrução de como se cozinhava. Cultivavam o arroz para o consumo dos Patrões Colonos. Tanto tempo de espera da deliciosa comida numa vã expectativa. Quando finalmente pensou que parecia ou deveria estar cozido, foi uma grande decepção!Logo que a primeira colheradachegou no prato de pau feito de mafureira, a apresentação piorou e muito.O arroz com casca, continuava rijo. Provámos e mais decepção: não tinha nenhum paladar ou melhor, sabia a uma horrível mistura de capim com areia! Simplesmente intragável! Recordou-me ela que eu teria perguntado “imáma, kasi in diwu muni wona wuwa?” (Mãe, afinal que tipo de comida é esta?) ”Marroxa ma dyiwa ngu va lungu”. (É arroz, comida dos brancos), respondera ela. Foi assim que perdi apetite de comer arroz. Coisas do passado que nos afectam para sempre!