“…Nós fracos, e vós fortes; vós nobres, e nós desprezíveis. Até à presente hora sofremos fome, e sede, e somos esbofeteados e não temos morada certa…” 1Corintios. 4:10-11
Assistir os acontecimentos através da Televisão, ouvir noticiários através da rádio ou ler artigos nos jornais, é capaz até de ser impressionante, mas viver o drama no próprio teatro de operações, é além de impressionante, comovente e perturbador. É que, apesar de serem três classes de pessoas que compõem a população do nosso Pais, (os camponeses, (aldeões), os citadinos e os mineiros), não obstante, os integrantes destas classes, não coincidem nas suas vidas quotidianas, embora o desenvolvimento esteja a concorrer para a redução do fosso que divide estas três classes. Até hoje, cada uma das classes tem hábitos e costumes típicos da zona e da actividade que eles exercem. Pessoalmente, por ter tido a desgraça ou privilégio de nascer numa destas classes, viver e conviver noutras duas, (classe campesina, (aldeão), mineira e citadina), é-me mais fácil descrever a rotina de cada uma delas, vivenciar as suas dores e prazeres e incorporar os seus dramas. Muitas vezes, aquilo que para o citadino constitui uma grande questão, para o camponês de certa aldeia pode não passar de uma simples sobremesa, um “sentar” dele. Enquanto para o citadino o cão e o gato podem ser animais de estimação, para o camponês (aldeão), o cão e o gato servem para o ajudar na caça e como vigilantes e não necessitam de casotas para se acomodarem. Geralmente designam-se por Camponeses, (aldeões), aquela classe de cidadãos que vivem nas zonas rurais, designadamente agricultores, criadores de gado, pastores de gado, pescadores e salineiros (no litoral), jornaleiros que vivem vendendo a sua mão-de-obra e trabalhadores das minas. Da alimentação à diversão passando pelo vestuário, estes três tipos de cidadãos distinguem-se nitidamente. As verduras, a carne de caça, e os frutos do mar, constituem a dieta do Camponês (aldeão). Enquanto o citadino passa três refeições ao dia, matabicho – “pequeno-almoço”, – almoço e jantar, o Camponês (aldeão), passa duas refeições, nomeadamente o “Xikento” constituído pela comida que sobra da Ceia da noite anterior e a própria Ceia, cuja ementa e horário variam de local para local, sendo no entanto comum ser esta a verdadeira refeição do Camponês (aldeão). Para o aldeão, comer papaia, banana, ananás, manga, laranja e ou a tangerina, não são sobremesas. Comem-se em quantidade e de conformidade com a capacidade do estômago do glutão ou perdulário e da hora de quem lhe convir. Enquanto o citadino usa o relógio, despertador ou outro instrumento sonoro, podendo ser o Minarete donde o Muezim chama à oração e as pessoas acordam, o Camponês (aldeão) tem no seu despertador, o terceiro canto do galo que acontece geralmente entre as três e quatro horas da madrugada. A maioria dos camponeses (aldeões), são pouco alfabetizados, sendo a sua religião vergar diariamente logo de manhã a espinha dorsal com a enxada geralmente de cabo curto na mão que o auxilia no amanho da terra ou lançar e arrastar as redes no rio ou no mar. O Camponês cria toda a espécie de animais desde o coelho ao gado bovino, passando pelo caprino, suíno, asinino, sendo a “bandeira” de todo o Camponês, possuir uma capoeira onde cria galinhas, cujo valor ultrapassa o de todos os animais, pois a galinha serve para pagar dívidas, alimentar-se e, não há nenhuma cerimónia tradicional que se realize (lowolo, evocação aos mortos, consolidação de amizades, recepção de hóspedes, etc. etc.), sem estar presente uma galinha. O Camponês, não tem Televisão, não lê o jornal, muitas vezes não ouve rádio, não vai ao cinema, não vai ao ginásio, não ouve nem vê nenhum avião a sulcar os ares e a perturbar o silêncio com o roncar dos seus potentes motores supersónicos, não ouve apitos de comboio e, muitas aldeias ainda não foram invadidas por Mesquitas, igrejas, templos ou capelas, sendo no entanto que, os espíritos que animam o mundo estão mais perto do Camponês, (aldeão) que velam e o protegem na saúde, permitindo-lhe boas colheitas nas machambas. Na aldeia não existem centros comerciais vulgo “shoppings” sendo o supermercado do aldeão a sua machamba donde colhe tudo o que necessita para alimentar a sua família. A aldeia de cada um de nós, continua ainda a ser o Centro da moral, pois estão lá as nossas árvores sagradas onde residem os espíritos dos nossos antepassados. O mineiro pode-se considerar uma espécie de anfíbio humano que faz ligação entre o citadino e o aldeão. Qualquer alteração à vida quotidiana de cada um dos cidadãos, (aldeão, citadino), isto é, deslocar forçosamente por qualquer motivo o citadino para viver e alimentar-se na aldeia com folhas de mandioqueira (matapa), kakana, Txiginya e “matabichar” com mandioca e/ou batata-doce, ou vice-versa, seja, obrigar o aldeão a lidar com manteiga, queijo, hambúrguer, sorvete, pizza, Ti-bone, batata-frita, constitui um desastre, uma perturbação à Ordem e Tranquilidade Públicas. O individuo ou indivíduos causador ou causadores deste tipo de situações, merece um julgamento daqueles que o falecido presidente Samora usava fazer, no qual (julgamento) o Povo (população), respondia ao seu “É ou não é” com um uníssono e vigoroso “Éééééééééé!” Quando oiço e vejo pessoas gordas de tanto comer manteiga, que se vangloriam de mandar assaltar, vandalizar postos de saúde, fazer festins bravas à custa do gado roubado aos camponeses que levaram anos a criar com suor, matar pessoas inocentes, causar uma alteração à vida dos camponeses, obrigando-os a viver um dilema para assimilar novos costumes simplesmente sangro por dentro. Este, é o triste dilema dos deslocados. Até quando óh, misericordioso Deus!?