“Ensina-nos a contar os nossos dias, de tal maneira que alcancemos corações sábios” Salmos 90:12
Por esta ser uma “estória” verdadeira, evitarei, em defesa da privacidade, trazer o nome do protagonista. Apesar de separar-nos dez anos de idade (a maior para ele), somos amigos verdadeiros de longa data. Semana passada bateu-me a saudade e decidí visitá-lo na sua aldeia localizada num dos muitos Povoados de difícil acesso por carro sem tracção às quatro rodas, algures nesse Moçambique real, muito longe da cidade capital Moçambicana. Conhecemo-nos numa das primeiras reuniões para Chefes dos chamados “Departamentos de Administração, Finanças e Recursos Humanos”, nos Ministérios então recentemente criados, no inicio da década oitenta. A indumentária oficial e obrigatória para homens, era um conjunto de Calças e Balalaica da mesma cor. Encabeçava ele o grupo da sua instituição, ostentando o pomposo título de “Responsável”. Tendo ingressado no Aparelho do Estado, primeiro como Professor Primário formado na então célebre Escola de Habilitação de Professores Indígenas do Alvor, (Manhiça), trabalhou como docente, apenas uma década. Era um dos poucos habilíssimos, executores e exactores de contas. Conhecia profundamente todo o do trabalho burocrático, desde a dactilografia que executava com incrível e invejável rapidez (30 palavras por minuto), em qualquer máquina com o teclado AZERT ou QWERT. Também sabia enviar Faxes e produzir Circulares, Informações, Notas, em Copiadores “Ricoh Gestetner”. Abandonando a docência transitou para o ramo burocrático como Escriturário. Habilitado apenas com a Quarta Classe do Ensino Primário, não obstante, sabia e fazia contas de memória que nem um Banqueiro e interpretava Decretos, pois dominava (e ainda domina), a fonologia, a morfologia e a sintaxe da língua de Camões que nem muitos “Doutores” de hoje. Contribuiu com o seu saber na elaboração dos primeiros Estatutos Orgânicos e Quadros de Pessoal dos Ministérios e, de Concurso a Concurso, progressivamente, (de dois em dois anos), como era exigência no tempo do E.F.U. (Estatuto dos Funcionários Ultramarinos), na altura da sua aposentação havia atingido a categoria mais alta, (não função) de Chefe de Secção. Adquiriu por mérito próprio o direito a afectação duma viatura para dirigentes, tendo sido um dos primeiros a andar de LADA e mais tarde deNIVA. Na altura da sua Aposentação, somava 40 anos de serviço, vários Diplomas de Emulação Socialista, muitas viagens por Países Socialistas de então, (Cuba, ex-RDA, ex-URSS, Checoslováquia, Bulgária, Roménia,) incluindo Portugal. O seu (dele) dilema, começou com a fixação da sua Pensão de Aposentação. Proposto para “Reformar” com a função de Chefe de Repartição, o expediente não teve o devido “VISTO”, por a nomeação ter sido penas VERBAL, acabando aposentando-se com uma pensão equivalente a pouco menos de dois salários mínimos que para os levantar, viaja mensalmente, dois dias ida e volta da sua Povoação à Sede Distrital a pé! Aos oitenta e três anos de idade, viúvo e Anacoreta sobrevive numa cubata de quarto e sala coberta de “MAKUTI”, tendo como companheiros, um Rafeiro, Rádio a pilhas e Livros de vários autores e um Rafeiro. Sem Televisão nem Celular, quem não o conhece, pode pensar tratar-se de um lunático, mudando logo de ideia, pois mantêm-se lúcido vestido do seu conjunto (Calça e Balaica) com o característico apurado sentido de humor e esperança por uma vida melhor!?