"Pois os costumes dos povos são vaidades: (…) não tenhais medo deles, pois não podem fazer mal, nem tão pouco … fazer bem” – Jeremias10:3-5
Para variar, seja-me permitido trazer hoje a esta “Magna Plateia” um assunto aparentemente pessoal, mas que, progressivamente, vai roçando a vida de muitos moçambicanos. O caso é que há aproximadamente cinco décadas, quando “lowolei” a filha da minha sogra, os usos e costumes lá da minha santa parvónia ditavam que a mãe da filha da minha sogra era também minha mãe. E vice-versa para a filha da minha sogra com relação à viúva do meu falecido pai. E ainda, de acordo com os mesmos usos e costumes (lá da minha santa terrinha), a minha verdadeira sogra seria a mulher do irmão da filha da minha sogra (minha cunhada em português), com a qual, em nenhuma circunstância, nem por distracção eu nunca devia dirigir-lhe a palavra à toa, muito menos rir às gargalhadas na sua frente ou apresentar-me a ela de forma considerada pela nossa cultura de indecorosa. Seria também uma grande falta de respeito estar eu e ela (eu e a mulher do irmão da filha da minha sogra) a sós, porque sendo ela minha verdadeira sogra (mu kokati wa mina), em caso de infertilidade, velhice ou mesmo opção da filha da minha sogra, ela (a dita cuja sogra) devia ceder-me uma das suas (dela) filhas. Assim mandava a tradição e assim se cumpria. Outro pormenor, as viúvas do meu falecido pai e do meu sogro, apesar das duas serem nossas mães, e conhecerem-nos profundamente (a mim e à filha da minha sogra), cada uma delas em separado obviamente, contudo, nenhuma delas era-lhe permitido tomar banho na mesma panela de barro, “n’kamba”, ou satisfazer as suas necessidades biológicas na mesma retrete, “txikoti”, que eu e a filha da minha sogra utilizávamos. Portanto, na cultura lá da aldeia, titxi yila, ou seja era tabu, que, como se sabe, tabu era algo que a maioria das pessoas evitava por vergonha, temor ou ser considerado muito delicado. Chegou a globalização e todo o muro de tabus ruiu. Com todas consequências disso resultantes. Um exemplo: a última filha da viúva do meu falecido sogro, a Maria da Glória, “Lolita” para os mais próximos, desde pequenina gostou de criar e lidar com animais e, por isso, torcia por conseguir uma bolsa de estudos, para cursar veterinária num país mais desenvolvido de preferência da Europa. O sonho concretizou-se quando conseguiu matricular-se na Escola Norueguesa de Ciências Veterinárias. Como é sabido, a Noruega é o país classificado como o mais pacífico e mais desenvolvido do mundo em todos os domínios. Porém, a tendência dos noruegueses é de serem pouco comunicativos (muito reservados). “Lolita”, rapariga extrovertida, precisou de superar muitas dificuldades para singrar na Noruega, sobretudo por causa dos hábitos de higiene, que vão para lá de exóticos, comparativamente aos nossos. Segundo “Lolita”, os noruegueses podem passar três dias ou mesmo uma semana sem se banharem, ou mudarem a roupa da cama. O seu namorado, um norueguês loiro de olhos azuis, diz a “Lolita” que só se banha uma vez por mês. E ainda ela diz ser normal encontrar mulheres, homens e crianças em balneários públicos, banhando-se pelados. Foi da “Lolita” que ouvi pela primeira vez a palavra transculturação, cujo significadoseria,no dizer dela, o processo que ocorre a um indivíduo quando adopta uma outra cultura, o que em alguns casos (não necessariamente) pode implicar perda cultural. O que chamou a minha atenção foi que, após dez anos de convívio marital com o “loiro”, sem conceber, só depois de ela “Lolita” trazer o “loiro” junto da viúva do meu falecido sogro e com ele visitarem a campa da sua falecida chará, a tia Maria da Glória, irmã do meu falecido sogro, é que “Lolita” logrou gerar os dois lindos “caboclos” de que hoje tanto se orgulham. Transculturação à parte, tradições são tradições.
Kandiyane Wa Matuva Kandiya
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