Há um grupo étnico na Zambézia muito respeitado pela sua unicidade, coesão e historicamente lembrado; não tem nada de especial em relação a como se comunica, pois fá-lo como a maioria dos zambezianos da chamada baixa-Zambézia, falando o chuabo ou até confundindo-se com os lomwés da Alta, que, entretanto, se distingui pelas razões encimadas, mais o orgulho de imortalizar a sua história, sem, no entanto, usá-la para nem desprezar muito menos subjugar outros grupos.
Diz-se que há algo escrito sobre esse grupo, mas como não pretendo partilhar neste espaço a essência do mesmo (para isso haverá certamente algo em algum lugar), desejo pura e simplesmente admirar aquilo que tenho constatado desde que soube da sua existência, que tímida e silenciosamente não passa assim muito despercebido.
Os Nharinga teórico-geograficamente habitam os limites que fazem o distrito da Maganja da Costa. Podem compartilhar com quem quer que seja as suas vivências, comuns a muitos moçambicanos ou mesmo zambezianos, mas sempre haverá um espaço, meio-brincando, meio-afirmando-se, onde no fim dizem: somos Nharinga.
É, no fim de contas, um conjunto de atributos de muito trabalho, muita bondade e criação de amizades sólidas que acabam diferenciando-se dos outros e, aí, dizem: somos Nharinga. O mesmo acontece quando não permitem que se lhes “subam” por quem, doutras proveniências, pretendem humilhá-los; aí, aparece a afirmação de um ou grupo dos Nharinga, exímios em entreajuda, etc.
Claro que há detractores dos Nharinga, com ciúme dessas suas características, por causa das quais lhes distribuem epítetos não abonatórios, sem se aperceberem que deste modo publicitam involuntariamente o grupo.
No dia 25 de Maio deste ano, partindo de Nampula, onde me encontrava em gozo de férias, quis regressar a Maputo passando por Tete, onde o meu programa indicava cinco dias. E como o país cresce dia após dia, quando se fica apenas duas semanas sem passar por determinado lugar, convém preparar-se para as surpresas, sob forma de novas ocupações, outros projectos, até novas pessoas nos lugares que se achavam conhecidos.
Sendo assim, às minhas perguntas preliminares sobre onde seria bom que me hospedasse, alguém, ainda achando-me em Nampula, respondeu: Nharinga!
Confirmei com um amigo que acaba de ser transferido de Tete e fez-me a localização exacta. Cheguei e fiquei boquiaberto! O proprietário negou que estivesse a enfrentar o Hotel VIP, apesar de estar à frente do mesmo. Solícito e humilde, justificou que nem todos podem hospedar-se no Hotel VIP, apesar de os hóspedes daqui, segundo confirmei, sentirem-se obrigados a frequentar ou até preferir, depois de descobrirem, o Nharinga.
Trata-se duma obra-prima, de um militar vindo do exército que descobriu o lugar e agora está a fazer um aproveitamento condigno. Nada tem a dever ao VIP.
Fiz-lhe lembrar que aquele lugar era o que se poderia considerar o “Urinol provincial” entre os anos 80/90, pois todos os espectadores do Cineteatro Kudeca se aliviavam ali, antes de entrarem para o cinema. Sobre o saudoso Kudeca está o Hotel VIP. A única construção que se veio impor, nessa altura era a casa do grande administrador Nicolau Zalimba e nada mais.
O Nharinga era, portanto, um verdadeiro matagal que aceitava tudo de menos higiénico, mesmo a favor de quem caminhava de ou para o campo do Desportivo de Tete. Quando parecia que fosse tudo, agora está a estender-se para mais quartos e andares; por altura da minha presença, estava em construção uma sala de conferências que, pelo material em uso, não há dúvidas que é para ser resiliente às mudanças climáticas.
Quis a desgraça bater-me à porta estando ali hospedado; atacou-me uma malária das mais valentes. Os trabalhadores de Nharinga mobilizaram-se para atender o doente no respectivo quarto e organizaram-se para que nas horas de medicação houvesse quem o desse de comer, apesar do rigor horário.
Fiquei sensibilizado e Nharinga de que ouvia antes falar, afinal, tinha outras valências que desconhecia. Quero combinar com o meu estado de saúde para ali voltar sem estar doente.
Por Pedro Nacuo