Acredito que as alterações climáticas estão aqui. Diga-se o que se disser de Lichinga. Houve tempos em que a água da torneira recusava-se a sair, porque gélida e ouvi durante muito tempo lendas sobre o frio que às vezes fustiga a capital da minha província materna. Desta vez, quase que vi o dito cujo.
Cheguei no dia 23, para uma missão um pouco da habitual, mas nunca se consegue não escrever por nada mais sabermos fazer. No dia 24 bateram-me à porta por o hóspede não dar sinal de vida. Estava vivo, metido em mantas, pernas estendidas lá no interior e cá acima o computador que estava a tentar editar algum material ainda virgem para o dia seguinte, afinal, da nossa Independência.
Fiz-me à sala do pequeno-almoço, da hospedaria número 1 da senhora Benilde, trémulo. Serviram-me tudo o que havia. A comida estava gelada, tiveram que pô-la passar pelo micro-onda a ver se dava algum jeito. Deu! A tarefa seguinte seria preencher o formulário de viente, dizendo quem era, donde vinha, quanto tempo ficaria e se seria uma empresa ou eu próprio a pagar.
Com todos os instrumentos a minha frente, não era possível escrever. A caneta não riscava, por causa de tanto frio. Nessa toada, a comida de novo ficou gelada. Era preciso fazê-la voltar ao calor do micro-onda. Fiquei assustado!
Não havia ideias, mas satisfazia o facto de o alojamento ser acessível e aceitável. A Dona Benilde surpreende sempre que vou a Lichinga, desde quando soube do seu trabalho, em 2009. Antes me hospedara na Residencial nr. 2, frente ao hospital provincial. Não sabia da nr. 1, onde desta vez fui, depois de me desaconselhar a número 3, no bairro de Sanjala.
Já tinha ido visitar a mesma Benilde na sua quinta, uma dezena de quilómetros, em Nomba-expansão, a caminho de Chimbunila. Está a nascer (para não dizer que nasceu) uma hospedaria de todas as estrelas aceitáveis no Niassa, num espaço que vendido, nos ajudaria a diminuir as dívidas que todos dissemos sentir.
É aquilo que se deveria chamar empreendedorismo, uma feliz coincidência entre o seu ser e o do seu marido, um guineense de Sekou Touré. Não é por acaso que esse guineense não larga esta manhambane. Diz ela, com alguma modéstia. Naqueles dois moram ao mesmo tempo, muito trabalho, perseverança, o acreditar e a sorte. É tudo o que custa encontrar, infelizmente! Ela nem tudo manda fazer, é ela que faz as marcações para a construção de novos lugares de lazer. Outra vez fiquei boquiaberto!
Quero dar uma volta passando pelo hotel 2 Mais 1 (2+1) e pretendo limpar os meus sapatos, pois ali na esquina mora durante o dia, um engraxador solícito que de imediato descobre que o chefe está a estremecer, apesar de bem agasalhado. Não tardou que me advertiu: não é nada isso, ainda não friou!…
Aviagem terminaria na ATM do BIM. Lá me pus na bicha, onde todos falam ao mesmo tempo em voz alta, com muitas pessoas cujos cartões trazem num único bolso e uma lista em papel dos respectivos PINs. São, grosso modo, professores e enfermeiros de terras longínquas, lá onde não há desconfiança sequer.
Apinhados, o homem da minha frente dá o relatório: já cheguei, estou na ATM do BIM novo, porque na outra não há sucesso. Não cospe! O do outro lado da linha entendeu, que na outra ATM não saia dinheiro, não pagava.
É a minha Lichinga, onde as ideias novas nascem e prosperam em muita gente. Não me deixa mentir o casal Manucho/Lulu. Aquele militar ao serviço da Banda e esta, simplesmente esposa vigorosa e corajosa. Vieram de Maputo e em Lichinga localizaram um terreno no bairro recôndito de Chihulucutú (?), limítrofe ao aeroporto local.
Estão a iniciar a vida e uns amigos levaram-me a ir ver: fantástico, uma vista nocturna em relação à cidade, que se confunde com uma descida de avião, por alguma parte de São Paulo. Os jovens estão ali, sem luz e tudo aquilo que depende dela. Mas com a certeza do futuro. Aqui será cidade. Dizem não por dizer!
Pedro Nacuo
nacuo49nacuo@gmail.com