“Há caminho que parece direito ao homem, mas afinal são caminhos de morte” Pv 16:25
Contava-se que, há coisa de um século atrás, “Nyagovele”, dono das terras situadas entre Tximuyuni e Txithava, não tolerava a presença de estranhos. Para tal, amarrava latas nas extremidades duma corda que a estendia sobre o caminho servindo de chocalhos e, ai do incauto que tocasse naquela armadilha quase invisível, mandava o infeliz para a terra dos Sonhos Eternos. Passava muito tempo que eu e a filha da minha sogra não púnhamos os pés naquela terra que testemunhou a sua (dela) vinda ao mundo. Ela dispensou qualquer companhia de um “cicerone”, alegadamente porque conhecia mesmo às cegas, todos os atalhos. A Povoação para onde íamos, localiza-se entre Wussakeni, (Ussaca) e a antiga famosa propriedade de Mangorro, rica em Ágatas (Tindololwane) na margem esquerda do rio Nyadhimbi (Inharrime). Só que a paisagem mudara radicalmente! Dantes, constituída por uma densa floresta de gigantescos Mitsonzo/Mitamba, árvores geralmente centenárias, hoje (meio século depois), as árvores foram devastadas pelos cortadores de lenha e substituídas por outras, de pés de mandioca (Mighongo) com folhas de Mathapa, formando um enorme manto verde. A “Mhaka” da nossa presença matutina lá foi uma tia ter-se lembrado de cumprir o seu dever como mortal: “desencarnar”, depois de uma prolongada doença. Tendo em conta os laços que nos uniam a ela, a nossa presença para participarmos na cerimónia do desembaraço dos seus restos mortais tornava-se pertinente. Estávamos prestes a perdermos o cortejo fúnebre, isolados no meio daquelas centenas de hectares de machambas de mandioca. O nosso medo subiu de volume quando ouvimos o canto de uma coruja num cajueiro em plena manhã, (cerca das oito horas), pois a ave é tida como de mau agoiro. Eis que do nada, como num conto de fadas, surge do meio da machamba um petiz de palmo e meio ou pouco mais teria na verdade, sujinho e esfarrapado. Olhamo-nos sem certeza se aquele não seria um Txigono (duende). Prontamente a criança, de língua solta respondeu num Txi Txopi vernáculo (sem misturas), que a pessoa de quem estávamos falando, tratava-se de sua sogra natural, (bisavó) (N’Kokati wangu wa mavelekwa), e prontificou-se a acompanhar-nos. Afinal apenas separavam-nos do Sítio umas três moitas. Percorremos a distancia em pouco menos de cinco minutos, avistando logo a multidão que transportava a esquife para o grande cajueiro onde se localizava o cemitério familiar. Agradecemos ao nosso “anjo Gabriel” oferecendo-lhe alguns trocados para comprar o famoso “refresco” e desligamo-nos dele. A cerimónia durou cerca de três horas. De regresso, levamos connosco algumas pessoas que nos solicitaram a “Carona” até a estrada nacional (Rua 480) que liga a Vila sede de Inharrime a Coguno. Para a nossa surpresa, o menino não chegou a abandonar o local onde deixáramos a nossa viatura. Desta vez foi ele a nos pedir para o “bolearmos” até ao lugar donde o encontramos na nossa ida. Infelizmente, uma desagradável surpresa nos esperava. Cerca de uma dezena de homens, (somente homens), armados de catanas e varapaus, de rostos carrancudos decididos a fazer justiça pelas suas próprias mãos, aguardavam-nos, acusando-nos do “rapto” do menino. Sem nenhuns argumentos convincentes, o nosso pedido de desculpas só tiveram eco mediante o desembolso de uma nota com o busto de um Samora numa face e um leão bígamo noutra face. Livres daquela embrulhada, não aceitamos levar mais ninguém e tratamos de «Tomar las de Villadiego», como diriam os castelhanos. Foi por um triz!
Kandiyane Wa Matuva Kandiya
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