“Porque a sabedoria serve de sombra, como de sombra serve o dinheiro, mas a excelência da sabedoria é que ela dá vida ao seu possuidor” Eclesiastes 7:12
Assumo-me como um candidato a uma doença que o meu sobrinho que é Psicólogo chama de “acumulação”. Diz tratar-se de uma doença psicológica que torna a pessoa dependente das coisas, a tal ponto de não se livrar delas. Ele falou-me doutros paciente seus, meus “colegas” mais graves que eu e que sofrem desta mesma doença. A esses ele chama-lhes de: “Acumuladores Compulsivos”, um mal também conhecido como “Síndrome de Miséria Senil” ou “Síndrome de Diógenes de Sinope”, esse célebre Filósofo Grego que vivia como um mendigo, dormindo num barril e recolhia da rua inúmeros objectos sem valor! Ainda bem que o meu sobrinho descobriu-me esse indício de doença muito cedo. Na verdade o meu estado ainda está somente na “Colecção de Livros e Jornais antigos!” Custa-me imenso livrar-me desses objectos, mesmo sem saber porque os mantenho. É assim que hoje fui ao meu“Baú das Recordações” e dei de caras com um exemplar dum jornal que completou ontem justamente Quarenta e um anos! Chama-se“O Brado Africano”, Jornal Bilingue, (Português e Xironga) que se publicava no então Lourenço Marques (hoje Maputo). Como disse, guardo este exemplar, como se fosse um Tesouro. Datado de 12 de Dezembro de 1964, com o número de ano de publicação XLV Nº. 2023, e estava ao preço de 2$00, (Dois Escudos). Bem sublinhado vem: =SEMANÁRIO= em Prol do Progresso Instrução e Defesa dos Naturais do Ultramar(Propriedade e Órgão da Associação Africana da Província de Moçambique) – Visado Pela Comissão de Censura. No Suplemento em Xirhonga vem um artigo assinado por um tal Marcos Daniel Zicale com o Título “Dezembro “Mumpfenkeli” weru. Várias vezes perguntei-me porque não deito fora este canhenho amarelecido com o tempo e não consigo obter resposta. É quando me convenço que realmente sou um doente. É que mesmo sabendo que este exemplar, faz-me “ressuscitar” as minhas avós que eu devia esquecer-me delas, teimo em mantê-lo. Elas, quando eu era adolescente, e os meus olhos começaram a ver e a ouvir coisas do mundo, as minhas duas “Santas”avós, (que Deus as tenha em boa guarda!), diziam-me sempre que os tempos em que elas estavam a viver comigo eram piores do que os bons tempos em que elas viveram! As duas, nessa época eram sexagenárias nascidas nos meados do século XIX, em que aqui onde hoje é nosso País, nessa altura era Colónia Portuguesa em África e, a única variedade de actividades, fora o trabalho forçado no Xibalo de “Ka Nwanzengele” (Porto do Maputo) ou nas machambas de Cana-de-açúcar em Xinavane ou de algodão, a única novidade, dizia, vinha com os missionários que ensinavam as pessoas a Ler a Bíblia nas suas próprias línguas. Eram somente três as Religiões que dominavam no Pais: Católica, Protestante e Muçulmana. As minhas avós, garantiam-me que se sentiram muito felizes e protegidas nesse seu tempo mesmo sem Rádio, Canais de Televisão, nem Telefonias, e os Jornais acessíveis a poucos que sabiam ler e escrever eram dois: o Tal Brado Africano e “Mahlahle, Nyeleti ya Mixo” que se publicava a partir da vizinha República da África do Sul em Língua Tsonga! “Ah! Como era bom aquele tempo, hein!” Desabafavam elas. Ninguém lhes incomodava logo pela manhã com notícias do tipo: “Homem de trinta anos viola Criança de seis; Netos exumam ossadas da sua avó; Mãe abandona um feto num Caixote de Lixo; Homem troca mãe pela enteada; Homens violam e depois matam uma mulher a catanada; Criança albina raptada por desconhecidos. Que mundo civilizado é o nosso hein! Reconheço que a civilização não andaria hoje sem Computador, mas, será que a Criança de hoje está bem protegida e feliz que a de “ontem”?
Kandiyane Wa Matuva Kandiya