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A coragem é a luz da adversidade

Por Idnórcio Muchanga

Felicidade é quando o que você pensa, o que você diz e o que você faz, estão em harmonia – proverbio árabe

A cultura é uma enorme fonte de identificação pessoal e social; é quase um protótipo que integra segmentos sociais e gerações, uma amálgama efectiva que despoleta os meios internos do indivíduo e espicaça a sua interacção com o grupo. A cultura é também um factor essencial na promoção da noção de pertença. A cultura – conjunto de costumes, tradições e valores –  é acima de tudo uma maneira própria de ser, estar e sentir o mundo, que leva uma pessoa a fazer, ou a expressar-se, de forma característica.

As artes, por isso mesmo, são essa ponta – às vezes fugidia – de manifestação cultural. Curiosamente, as artes são muitas vezes vistas como “perniciosas”. Os Homens, quase sem excepção, enfrentam verdadeiras batalhas quando mostram um certo pendor para as artes. Os pais, pelo menos entre nós, desencorajam os filhos a abraçarem as artes como actividade principal das suas vidas.

Para muitosser músico, actor, pintor, bailarino não é profissão, pelo menos no sentido de uma carreira com estrutura para criar e manter uma família. Mesmo quando o artista começa a registar algum “sucesso” ou então opta por fazer uma formação superior em artes, o cepticismo mantém-se. Ainda assim, algumas pessoas escolhem fazer essa via. São muitos os casos de pessoas que contra todas as possibilidades optam por abraçar as artes como Modus Vivendi; é o caso de Rodália Silvestre. Uma cantora que vem se impondo no cenário artístico nacional.

Na verdade a autora de “Wansati” é um caso à parte. Filha de Faustino António Chirute, formado em Regência Coral e Orquestral na Rússia, mentor do o Majescoral  –  Maputo Jazz Espiritual Coral – teve deste todo o apoio para poder alçar o voo. Chirute, ao contrário de muitos pais, deu o seu aval para que a filha abraçasse a carreira que ela mesma escolheu.

Faustino Chirute nasceu em Maputo no dia 13 de Março de 1962. Faleceu há precisamente 14 anos. Chirute foi um homem engajado na cultura. O seu fabuloso trabalho com o Majescoral ultrapassou todas unidades de medida. Ele respirava música na sua forma mais erudita. Tive o grato prazer de trabalhar com ele anos a fio no corpo de júri do Ngoma Moçambique. Foi uma verdadeira cátedra sobre música. Sobre os segredos do canto. Com ele aprendi coisas como falsete, melisma, vibrato, extensão vocal, entre outras coisas. Com o professor – era assim que o tratávamos – aprendi o que é o canto gutural; fiquei a saber o que é um contra-alto, soprano, barítono, baixo ou timbre de voz.

Com o Professor muitos aprenderam a reconhecer as fragilidades mas também as linhas de força de muitos cantores e instrumentistas moçambicanos. Com o Maestro ficámos a saber o que era harmonia, balanço, intensidade. Altura ou atenuação. Lembro-me que carinhosamente o apelidámos de “Tessitura” uma palavra que era recorrente nele.

Chirute cedo percebeu que a percepção individual do mundo é altamente influenciada pelo grupo. E que aquilo que o grupo aquiesce tende a ser valorizado individualmente e o que é rejeitado ou indiferente aos valores do grupo tem menor possibilidade de ser elevado mas mesmo assim, ele optou por apoiar aqueles que precisavam e aqui se inclui a filha, Rodália. Cedo percebeu que a música sendo um trabalho, também não deixa de ser um acto de diversão.

Catorze anos depois do seu perecimento e “esquecimento” eis que sou surpreendido com a voz poderosa da filha. Filha a quem ele – contrariando o espirito prevalecente e preconceituoso sobre as artes – terá dito: “se queres fazer música, leve o assunto a sério. Estude. Trabalhe. Mas acima de tudo faz música que vá sobreviver aos tempos”. e ela está a fazer exactamente isso. Já ganhou um prémio no Ngoma Moçambique, edição 2018 e convoca sempre enormes multidões nas suas apresentações.

Assim como assim, o Maestro Faustino Chirute, o Professor, lá do alto, acena-nos e diz, com todas as letras, que a cultura é o bem mais poderoso que um povo pode ter. A cultura é Ser e Pertencer. A cultura somos nós. A cultura é ele. A Cultura é o que ele também sonhou e, com coragem, plantou. Vénia seja feita aos que, como ele, ousaram sonhar!

Por Belmiro Adamugy
belmiro.admugy@snoticias.co.mz

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