Tâmega, empresa de construção civil e de obras públicas, está transformada num navio que flutua em águas agitadas e completamente à deriva. Actualmente, sem nenhuma indicação de rumo,
com clara evidência de abandono por parte do respectivo comandante de navegação, a mais antiga das construtoras do país parece caminhar para o naufrágio. Os trabalhadores, desesperados, dizem já ter derramado todas as lágrimas e vivem, penosamente, a agonia de quase um ano sem salários. domingoconta, nas linhas que se seguem, a longa e tempestuosa “viagem” da Tâmega, cuja trajectória indicia ter havido um plano de sabotagem bem elaborado.
Segundo as nossas fontes, que pediram anonimato, não terá faltado aviso de que a embarcação, pela forma como navegava, poderia ir de encontro “às rochas”, a exemplo do que sucedeu com o paquete italiano “Costa Concordia”.
Tudo remonta do distante biénio de 2007/2008, altura em que começaram a emergir os problemas de gestão e da falta de um ambiente de transparência no seio daquela construtora. Hoje vive-se um estado de descontentamento total, conforme soubemos.
Foi nessa altura que, tratando-se de uma empresa detida maioritariamente por capitais portugueses, começou-se a assistir a uma avalancha de chegada de técnicos do país das “quinas”. A mão-de-obra estrangeira aproximou-se a uma centena, número que ultrapassava largamente a capacidade de sustentabilidade da empresa, com o agravante de que, tecnicamente, os “lusos” não acrescentavam nenhuma mais-valia ao serviço que era desenvolvido pelos quadros mais antigos ali afectos.
MAU RELACIONAMENTO
As bases para a instalação de um clima de mau relacionamento entre a massa laboral e os gestores estavam lançadas e, com o desenrolar dos trabalhos, as coisas passaram a ficar sombrias. Já nada era como dantes.
De acordo com fontes que contactaram o nosso jornal, alguns dos supostos engenheiros de origem portuguesa apregoavam aos quatro ventos títulos académicos, quando, na realidade, nem diplomas possuíam.
O mau relacionamento teve reflexo directo na baixa de produtividade e, como resultado, a empresa mergulhou numa série de incumprimentos de prazos contratuais em diversas obras ao longo do país, com destaque para as empreitadas na província da Zambézia, designadamente em Namacurra, Alto-Molócuè, e no tão propalado projecto da ponte sobre o Rio Lugela.
Nessa altura a imagem da Tâmega tinha descambado num descrédito generalizado, ficando fora da elegibilidade em muitos concursos para a execução de obras públicas e privadas.
Nota curiosa, apurada pelo domingo, tem a ver com facto de, aquando da vinda dos estrangeiros para a empresa, ter se verificado um aumento generalizado da frota de viaturas e a sua directa alocação aos supostos técnicos “lusos”. Foram adquiridas carrinhas tipo “four-by-four”, modelos de cabina simples e dupla, das marcas “Isuzu” e “Mazda”, preferencialmente.
Cada técnico do país das “quinas”, segundo as mesmas fontes, possuía um apartamento, muitas mordomias, tudo pago por aquela empresa de construção civil.
As nossas fontes argumentaram que, caso tivessem sido cumpridos os prazos das empreitadas, a empresa jamais enfrentaria dificuldades de tesouraria.
NA LISTA NEGRA
Foi no decurso do XVII Conselho Coordenador do Ministério das Obras Públicas e Habitação, realizado na maior estância turística de Chidenguele, Gaza, em Junho de 2009, que o então titular da pasta do sector, Felício Zacarias, anunciou que a Tâmega constava da “lista negra” do Governo.
Apesar de se ter constituído em consórcio, a Tâmega, em meados de 2009, estava a tentar concluir a reabilitação de uma parte do troço da estrada Namacurra-Rio Ligonha, com 151 quilómetros, quando, contratualmente, a entrega da obra devia se ter efectivado em Abril de 2008. Em Outubro de 2008, o Governo voltou a prorrogar o prazo da entrega da estrada Namacurra-Rio Ligonha, mas de nada valeu.
A ponte rodoviária sobre o Rio Lugela, importante elo na ligação entre os distritos de Mocuba e Lugela, na Zambézia (cuja entrega devia também ter ocorrido em 2008), bem como a reabilitação do troço Namacurra/Nampevo/Alto-Molócuè (cuja entrega devia ter sido efectivada em 2007) também estão na lista dos incumprimentos.
O sindicato dos trabalhadores diz que em nenhum momento recebeu formalmente documentos que indicassem o encerramento da empresa ou, simplesmente, que chancelassem uma eventual falência.
Em 2008, altura em que começou a mudança sucessiva do corpo directivo da empresa, as coisas, ao invés de melhorarem, tendiam a piorar, para o desagrado dos trabalhadores.
De recordar que, tal como fizemos alusão anteriormente, as despesas com os estrangeiros eram superiores aos níveis de facturação que a empresa vinha tendo com base nos poucos trabalhos que realizava.
SEM EIRA, NEM BEIRA
Uma empresa moçambicana terá manifestado, algum tempo depois, vontade de adquirir a Tâmega, mas nunca mais se falou do assunto e, a partir dessa altura, tudo passou para o “segredo dos deuses”.
Os trabalhadores passaram a ver trabalhos encomendados a ser realizados nas instalações da Tâmega, mas só com conhecimento de um punhado de pessoas, algumas das quais, segundo o sindicato, vivem “levantando os ombros” na praça como se de honestos se tratassem.
Usava-se maquinaria da empresa e a mão-de-obra que existia, mas ninguém via a cor do dinheiro que era pago pelo trabalho e nem se sabe se efectivamente entrava para os cofres da Tâmega.
Fartos dos incumprimentos em relação às datas de pagamento dos salários, os trabalhadores resolveram “enxovalhar” veementemente os gestores que ainda “davam a cara”, até que estes deixaram de “pôr lá os pés”.
Em 2011 foi produzido um documento que dava conta da extinção do processo de compra da Tâmega, quando, na realidade, nunca se chegou a falar da conclusão de negócio algum.
SIMULAÇÃO
PARA INGLÊS VER
Com a Tâmega já moribunda fez-se chegar uma delegação da administração sediada em Portugal, cuja finalidade era avaliar as possibilidades objectivas de uma possível “reanimação”. Concluiu-se, na sequência dessa visita, que havia viabilidade para tal ocorrer, tendo sido, de seguida, indicada uma nova direcção, na altura encabeçada por Pedro Reis, que era simultaneamente director em Portugal, na Mauritânia e em Angola.
Reis foi, taxativamente, descrito pelas nossas fontes como sendo um “potencial estratega para mentiras”, devido às enormes promessas que fez e por não ter cumprido rigorosamente nada.
Como exemplo, aquele gestor prometera, em Março de 2012, no decorrer de uma Assembleia Geral de trabalhadores, pagar a dívida salarial em parcelas de dois meses, o subsídio de férias, os três décimos terceiros devidos, incluindo os retroactivos. Nada aconteceu.
As nossas fontes referem que a empresa passou a sobreviver de pequenas obras, mas, aos poucos, as oportunidades foram desaparecendo, passando esta a depender do aluguer dos equipamentos. Hoje, segundo nos afiançaram as mesmas fontes, a Tâmega possui um volume de dívidas incomportáveis, incluindo com o Estado moçambicano.
O mais claro exemplo de sabotagem e saque que ocorreu teve a ver com a “artimanha” do aluguer de camiões. Contaram-nos que quando se precisasse de transportar material para as obras, os gestores preferiam ir alugar meios circulantes num outro lugar, não obstante a Tâmega possuir camiões.
O sindicato dos trabalhadores da empresa disse ter alertado a Direcção Provincial do Trabalho da situação que estava a ocorrer e, perante este órgão, os gestores comprometeram-se a cumprir as regras laborais que há muito vinham sendo violadas. A promessa foi em vão.
A Inspecção do Trabalho chegou a realizar uma intervenção na Tâmega e, dessa operação, foram detectados quatro trabalhadores estrangeiros que se encontravam em situação ilegal, pois apenas possuíam vistos de turista.
Em Dezembro do ano passado, o corpo de gestores anunciou a ida para férias e, até hoje, ninguém mais retornou ao país, estando a empresa Tâmega praticamente à deriva.
Apesar desta situação, há informações que dão conta que têm havido facturações que continuam a ser feitas pela empresa, que têm ocorrido através do aluguer de equipamentos da Tâmega, mas não se sabe onde é que o dinheiro vai parar.
Sabe-se, no entanto, que do extenso rol de empresas que possuem dívidas para com a Tâmega, perfila um grupo de firmas cujo capital é português, além de instituições nacionais.
A Tâmega está neste momento com uma dívida de salários para com seus trabalhadores de 10 meses, quatro décimos terceiros por pagar e os retroactivos referentes a 2011.
A 4 de Março do corrente ano, o comité sindical enviou um “fax” para a administração da Tâmega em Portugal no qual referia que a delegação em Moçambique estava sem direcção, mas o documento não teve qualquer resposta até hoje.
Esteve iminente a convocação de uma manifestação por parte dos trabalhadores, mas houve consenso de que a melhor via seria mover um processo judicial. Ao que tudo indica, é pela via do tribunal que os trabalhadores da Tâmega estão a tentar ver arbitrada a sua situação.
Entretanto, esforços por nós envidados no sentido de obter uma reacção por parte de alguém próximo da comissão directiva resultaram infrutíferos, incluindo as tentativas para marcação de encontro via telefone.