Texto de Jorge Rungo
O antigo ministro da Indústria e Comércio, António Fernando lançou um livro intitulado “Made in Mozambique” que conta a história deste projecto que o governo materializou a partir de 2005.
Trata-se de uma obra que o autor espera que sirva de ponto de partida para estudos e reflecções sobre o estabelecimento daquele selo que, na sua óptica, salvou muitas empresas do esmagamento que se avizinhava com a integração regional.
António Fernando não perdeu a pinta por estar a residir e a trabalhar nos Estados Unidos da América (EUA) como conselheiro do director executivo do Banco Mundial para 22 países de África. Continua igual a si na fala e na forma como se apresenta em livro.
“Made in Mozambique” foi o seu estandarte enquanto ministro da Indústria e Comércio, projecto que tinha, entre outros, o objectivo de fortalecer as empresas nacionais através da valorização, pelo consumidor, do produto nacional.
Segundo António Fernando, com os consumidores virados para o produto nacional, as empresas produzem mais e melhor, empregam mais trabalhadores, contribuem para o fisco, se multiplicam e ajudam a alcançar os objectivos do governo na vertente do combate à pobreza.
No acto do lançamento do livro, o antigo ministro deixou que os presentes soubessem que no seu meio familiar e círculo de amigos é tratado por “Mayengane”, nome com gesta na mais do que famosa música de António Marcos. “Antoninho mayengane”.
Na véspera do lançamento daquela obra trocamos uma breve conversa com o autor que revelou alguns contornos da produção da obra, seu objectivo e expectativa. Na breve entrevista que nos concedeu, recusa-se a colher sozinho os aplausos pela redacção e concepção do livro.
Diz que a crise do frango e a conversa com os mukheristas, em 2005, serviu de mote para a criação do selo que, mas tarde, ajudou a reverter o quadro de consumo de produtos importados, incluindo água mineral. Seguem-se alguns excertos da entrevista sobre o livro. São três mil exemplares que estão a venda.
Pode dar-nos uma visão geral do que é este livro?
O título do livro é “Made in Mozambique – a marca de orgulho moçambicano” que foi um processo iniciado por muita gente do governo, do ministério da Indústria e Comércio e de que eu também fiz parte. Queria ressaltar que a autoria do processo é colectiva.
Seria bom que recordássemos como surgiu o projecto Made in Mozambique…
Lembra-se que em 2005 quando o governo tomou funções rebentou a chamada crise de frango em que os avicultores de Maputo estavam com dificuldade de vender os seus produtos por causa do frango do brasil. Fomos confrontados com essa questão. Por outro lado, a discutir com mukheristas por alegadas dificuldades que tinham na fronteira descobrimos que compravam tomate na África do Sul porque aparentemente não podiam comprar no Chókwè, na discussão que tivemos com eles encorajamo-los a irem comprar o tomate nacional.
Na época estava eminente a zona de comércio livre para a África do Sul com todos aqueles receios do sector privado.
Exactamente. Teríamos dai a dois ou três anos o início da zona do comércio livre para a África do Sul em que os direitos aduaneiros haviam de baixar para zero. Então, a nossa indústria podia ficar com os problemas de competir se não estivesse preparada.
Houve mais algum pressuposto?
Sim. O discurso político daquela época. Entre outros, falava-se muito da auto-estima, valorização, mudanças, todos esses elementos deram a que nós decidíssemos iniciar um processo de valorização de produtos nacionais, por forma a preparar as empresas nacionais a fazer face a integração regional para serem competitivas, produzindo mais, exportando mais e serem relevantes no contexto nacional. Essa é a essência do “Made in Mozambique”.
Qual é o período de referência?
O livro em causa retrata o período 2005-2010…
Mas, na sua essência, o que os leitores vão encontrar nesta obra?
O livro conta as emoções que os mentores tiveram, as motivações, o que foi feito e porque foi feito. Fornece material de estudo para que quem quiser aproveite o que houver ai. Eu diria que o livro são laranjas. Cabe aos leitores fazer o sumo e aproveitar aquilo que é de interesse. Essa é que é a base.
Disse que a autoria era colectiva. O que se pode entender disso?
O autor do livro sou eu, mas o processo Made in Mozambique é colectivo. Apesar de ter sido eu a escrever tive que recorrer a fontes, como os colegas do governo da época e do ministério. Há muita gente que participou para dar informação para poder escrever. Repare que estamos a falar de factos que aconteceram há dez anos. Há muitos elementos, alguns não escritos, que foi preciso falar com as fontes. Aliás, o próprio livro tem um capítulo de depoimentos em que algumas personalidades aceitaram prestar declarações, ou seja, dizer como viram o processo.
No total, quantas pessoas estiveram envolvidas?
A redacção principal foi feita por mim, mas tive seis pessoas que leram a versão inicial, fizeram correcções e deram as suas opiniões. Em termos de prestar informação, foi muita gente. Por exemplo, quando é que se entregou o selo à Companhia Nacional de Canto e Dança (CNCD)? Isso não estava registado. Apenas me lembrava que vim de uma viagem da Zambézia e sai do aeroporto directamente para o evento. Tive que contar com a memória de várias pessoas. Há muita gente que colaborou de forma directa e indirecta, embora muitos não soubessem qual era o objectivo.
Está esclarecido. Fale-nos do momento mais marcante que determinou o estabelecimento do selo “Made in Mozambique”…
Foram três momentos. O mais marcante foi o primeiro encontro que realizamos com os avicultores da União Geral das Cooperativas (UGC), no bairro 25 de Junho, quando eles me colocaram a questão de que estavam a ser sufocados pelo frango brasileiro e queriam o seu banimento.
Tinha resposta para esta questão?
Não tinha naquele momento. Mas permita-me concluir. Mais tarde foi a discussão com os mukheristas que era preciso convencê-los a irem para Chókwè. O terceiro momento foi quando demos o selo as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM).
Dizia que não tinha resposta para os avicultores. Como ficou esse caso?
O problema dos avicultores não ficou resolvido em definitivo. Aliás, só ficará quando não houver importação de frango, quando a produção do frango nacional for suficiente. Parece-me que não é o caso, mas os níveis de importação do frango estão a diminuir porque há produção interna, os insumos para a produção estão a baixar.
Que balanço faz do seu papel neste caso?
Direi que contribuímos para a solução do problema, mas não em definitivo.
A primeira empresa que recebeu o selo foi a LAM. O que terá pesado para a escolha desta e não para uma empresa do ramo avícola?
As empresas avícolas não manifestaram nenhum interesse. No caso concreto da LAM é que nas vésperas do lançamento do selo, o seu Presidente do Conselho de Administração, José Viegas, viu nisto uma iniciativa que era importante do ponto de vista da própria companhia nacional. Eles achavam que devia se proteger e manifestaram o desejo de receber o selo. Tanto é que eles não receberam uma bandeira. Receberam apenas o certificado.
Porquê?
Porque na concepção inicial do projecto só se pensou no certificado. Só mais tarde é que entregávamos a bandeira e o certificado. Para a LAM não houve isso. Eles pintaram avião com o selo e nós descerrámos o selo. Mais tarde quando fomos para a Companhia Nacional de Canto e Dança entregamos a bandeira. Quando fomos para a Companhia Industrial da Matola demos um certificado e a bandeira. Estas foram as primeiras a receber não apenas pelo interesse que manifestaram, como também por terem sido os grandes apoiantes em termos financeiros
Que vantagens lhes tinham sido prometidas? O selo resolvia algum problema?
A grande vantagem é que a empresa vende mais. Quem tem o selo é visto pelos consumidores como uma empresa que presta bons serviços, que é preferida pelo governo. Essa empresa vende mais e, se vende mais, ganha mais dinheiro para investir mais. Por outro lado, esta empresa vai admitir mais gente para trabalhar. É por isso mesmo que havia uma febre de se receber o selo porque todos viram essas vantagens económicas.
Então o critério era manifestar interesse e apoiar a iniciativa financeiramente?
A empresa tinha, sobretudo que estar bem com o fisco, seguir a legislação laboral, as regras de higiene e segurança no trabalho e, no caso das indústrias, era preciso que estas tivessem o mínimo de incorporação nacional.
Quanto tempo levou para escrever esta obra de 440 páginas?
Precisei de quatro anos e meio, depois que terminei as minhas funções no governo, a partir de 2011 comecei a escrever, devagar, juntei tudo e até que terminei.
É muito material contido aqui. Quais os momentos mais marcantes que teve durante a preparação do livro?
A meio do caminho, quando recebi dos colegas da Indústria e Comércio um pacote de fotografias dos eventos que aconteceram no ministério isso refrescou melhor a minha mente, foi mais fácil retratar. Depois na parte final, quando entreguei o esboço a algumas pessoas para lerem e darem a opinião. Me senti encorajado porque recebi opiniões favoráveis.
Em algum momento pensou em rasgar o rascunho e desistir?
Nunca quis desistir do projecto porque o prazo que me dei era de quatro anos. Queria lançar o livro em 2015, para ter tempo suficiente para escrever.
Ficou satisfeito com o processo que conduziu ao estabelecimento do selo? Acho que não tem máculas?
Houve alguns erros e eu os retracto no livro. Um deles é que o processo não tinha um orçamento alocado. Fizemos tudo com recurso àquele orçamento do ministério. Se houvesse da nossa parte uma abordagem para haver fundos, a coisa podia ter sido melhor. Também funcionou-se muito em moldes de voluntarismo porque acreditávamos que com simples campanhas a coisa poderia andar mais. Também faltou regularidade de divulgação da iniciativa nos órgãos públicos de comunicação social.
Muitas lições…
É! Verificamos mais tarde que a conceção dos selos deveria focalizar áreas da indústria. Vimos mais tarde que a área de serviços não devia ter sido contemplada. Essa avaliação é minha, mas também de alguns colaboradores nossos. Por exemplo, que os cocktais que foram oferecidos assustaram as Pequenas e Médias Empresas que pensaram que precisavam investir muito dinheiro.
O que vem a seguir? Vai escrever mais algum livro?
Não tenho nenhum outro projecto em manga.
Mas teve outras experiências que podem ser contadas… Os balcões únicos, por exemplo.
Essa foi uma das tarefas que recebi e que foi marcante. Quando fui para o governo havia quatro balcões, nas províncias da Zambézia, Inhambane, Pemba e Tete. Recebemos a tarefa de desenvolver um modelo novo. Em trinta dias foram montados os balcões daquela maneira que depois foram desenvolvidos até o ponto de haver um estatuto, ter directores e mais tarde tornarem possível a emissão de Licenças Simplificadas. Outro dossier interessante foi a integração regional quando fizemos as palestras a explicar como seria. Mas, respondendo à sua pergunta, por enquanto não pretendo escrever mais nada.
Jorge Rungo