.Moçambique registou este ano a pior seca do século
A região da SADC teve início de chuvas mais tardio nos últimos trinta e cinco anos. Com efeito, registou anomalia de precipitação de Outubro 2015 até Fevereiro de 2016. Nesse período, a queda de chuvas manteve-se abaixo de 75% da média em extensas áreas de Moçambique, Zimbabwe, Botswana, Namibia, Swazilandia, Lesotho, e Africa do Sul e partes significativas da Zambia, Malawi, Angola e Madagascar, facto que implicou inicio também tardio da época chuvosa (cerca de 5-6 semanas).
Até meados de Dezembro de 2015, a época não havia iniciado na parte central e metade oriental da África do Sul e Sudoeste de Botswana. Responsável de tudo isto é o fenómeno El Niño.
Contrariamente, não houve grande atraso entre Moçambique a Zimbabwe, e Zâmbia e Angola. Apenas Madagáscar teve um inicio curto e bom .
Conclui-se que houve insucesso de produção de culturas no Lesotho, Swazilandia, Sul de Moçambique e Zimbabwe e Este do Botswana.
Estudos recentes revelam que desastres naturais como seca tendem a ocorrer com frequência em determinadas regiões do globo durante eventos de El Niño.
A SADC, e Moçambique em particular, é uma destas regiões que sofre secas cíclicas sempre que ocorre El Niño de determinada magnitude.
A frequência de ocorrência de secas (El Niños) aumentou na ultima década do Seculo XX (1991-2000) e na primeira do Século XXI (2001-2010).
No cômputo geral, El Niños de magnitude muito forte (excepto 1997-98), que já ocorreram, induziram sempre situações de seca severa, quer em Moçambique ou na região da SADC.
Embora não haja algum registo sistemático de secas ocorridas em Moçambique e seus impactos, entre 1912 e 1949, elas sempre aconteceram como parte da variabilidade climática natural associada a ocorrência de El Niño.
A nível nacional, o seca meteorológica associada ao El Niño, centro.
EFEITOS EM MOÇAMBIQUE
A localização geográfica de Moçambique, associada às características peculiares do Sudoeste do Oceano Indico , o Canal de Moçambique e zonas semi-áridas no Sul do País, em particular, fazem dele bastante vulnerável a eventos extremos de natureza hidrometeorologica (Ciclones tropicais, Cheias ou secas).
Outrossim, a característica das bacias hidrográficas nacionais associadas ao relevo, em particular nas zonas Sul e centro do país e a falta de infra-estruturas com capacidade de encaixe (barragens)são também um condicionante favorável para cenários cíclicos de cheias ou inundações.
Os eventos extremos dos quais o país se debate,seca (cheias) são por um lado resultados da variabilidade climática natural e/ou climática antropogenica.
A seca que afecta as zonas Sul e Centro do país na época chuvosa 2015-16, apesar do inexistente registo nos Anais da Meteorologia a nível institucional, é um fenómeno cíclico associado a ocorrência do El Nino e cujo registo remota desde os anos 1850
Comparativamente as épocas anteriores em que ocorreu El Niño de magnitude muito forte, 2015-16 foi a época que registou chuvas muito abaixo da média.
A excepção de Panda (zona Sul) e Xai-Xai (zona Sul) no períodoJaneiro, Fevereiro a Março. no pais todo ocorreu menos dias com precipitação comparativamente as épocas chuvosas 1997-98, 1982-83 e 1972-73 em que também ocorreu El Niño de grande magnitude.
De acordo com o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) a ausencia de chuvas na primeira parte da época chuvosa implicou sementeiras tardias e/ou nao sementeira.
Por outro lado criou limitada disponibilidade de alimentos típicos da época (folha de abobora e de feijão nhemba,amaranthus, cacana, maçaroca, etc).
Para Rui Brito, pesquisador da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) a seca no país é justificada por oito anos muito quentes por força do fenómeno El Nino que desencadeou crise de seca em toda a SADC,“causando balanço negativo de agua”.
“Desde Janeiro de 2015 países da região, incluindo Moçambique, estão em défice de água”, disse o pesquisador, acrescentando que nos “últimos trinta anos as temperaturas estão a subir e as tendências não são boas”.
Sublinhou que se não fizermos nada podemos subir até nove graus de temperatura média global, o que traz consigo efeitos nefastos. “Temos que baixar emissões de gases de estufa e avançarmos para o chamado desenvolvimento verde”, apontou.
Referiu ainda que os países “devem orientar-se pelo desenvolvimento a prova do clima” e “incorporar estudos de impacto climático, a par de impacto ambientalnos seus programas de investimento”.
Jonas Zucule, meteorolista sénior no Instituto nacional de Meteorologia,explicou que o El Niño deve-se sobretudo ao aquecimento das aguas no pacífico, o maior oceano do mundo, que desorienta a regular distribuição de chuva no mundo.
Sublinhou que em Moçambique o El Niño verifica se desde 1850, contudo, salientou que a seca deste ano foi a pior do século.
O aquecimento anormal das aguas dos oceanos, sobretudo do Pacífico, alterou, significativamente, o padrão de circulação dos ventos, “o que implicou deslocação de nuvens e da chuva para regiões onde antes não chovia, em claro prejuízo das zonas de chuva, que ficaram secas”.
“Tivemos El Niño severo em 1982/83, 1997/98 e em 2015/2016, mas o deste ano foi de longe o pior em termos de amplitude térmica”, ressalvou.
BARRAGENS SEM ÁGUA
O El Niño está a comprometer o desempenho das algumas albufeiras nacionais.
A barragem dos Pequenos Libombos começou a sofrer restrições na produção de energia a partir de Fevereiro.
Massingir começou a efectuar descarga em regime de emergência devido a questões técnicas nos órgãos de descarga.
Corumana, mantendo descargas de sete metros cúbicos por segundo começou a atingir a cota em finais de Abril. Devido a diminuição do caudal afluente de seis metros cúbicos para 1 metro cúbico por segundo, a barragem passou a descarregar tres metros cúbicos para atender em cerca de 15 por cento num cenário em que passou a não haver agua para agricultura.
Potencial para barragens,
pouco aproveitamento efectivo
As barragens hidroeléctricas, para além de gerar energia eléctrica, assumem papel relevante na retenção de água e posterior aproveitamento em períodos de seca.
Por outras palavras: são “celeiros” de água, espécie de reguladores de equilíbrio em momentos de transição de cheias para secas e vice-versa.
Presentemente Moçambique conta com apenas quatro grandes barragens hidroeléctricas, designadamente as de Cahora Bassa, Chicamba, Mavuzi e Corumana, número considerado insuficiente dado o potencial gigantesco que possui no tocante aos aproveitamentos hidráulicos do Rio Zambeze.
HIDRÁULICOS DO RIO
ZAMBEZE NA SADC
Um dos aproveitamentos hidráulicos é a barragem e albufeira de Kariba, que tem uma capacidade de armazenamento máxima de 180 quilómetros cúbicos de água, constituindo a terceiro maior reservatório artificial do mundo e o segundo de África. Situa-se no troço do Médio Zambeze que separa o Zimbabwe da Zâmbia e é gerida pela ZRA, Zambezi River Authority.
Outro grande aproveitamento hidráulico é precisamente a barragem e albufeira de Cahora Bassa, também no troço terminal do médio Zambeze, que criou um reservatório com capacidade máxima para 63 quilómetros cúbicos de água, o décimo segundo do mundo e quinto de África.
Por ordem de importância, seguem as barragens de Itezhetezi e Kafue Gorge, no rio Kafue, Lunsemfwa no rio do mesmo nome, e Mulungushi, na Zâmbia, e Manyame, Masvikadei, Sebakwe e Chivero, no Zimbabwe, todas com capacidades de armazenamento superiores a 200 milhões de metros cúbicos.
Para além destas, existem ainda mais 24 barragens de menor capacidade na bacia do Zambeze, das quais 23 são no Zimbabwe e 1 no Malawi.
Locais para outros aproveitamentos hidráulicos foram já identificados, correspondendo alguns deles a obras que se encontram em fase de estudos preliminares ou de viabilidade ou em fase de projecto.
Para o curso principal do rio Zambeze estão previstas ainda as seguintes infra-estruturas: Batoka, Devils Gorge e Mupata Gorge, no troço internacional Zambia-Zimbabwe e Mpanda Uncua, Boroma e Lupata em território moçambicano.
Estes aproveitamentos, a juntar aos existentes representam, nas configurações previstas, uma potência total de 12 087 MW, incluindo também a Central Norte de Cahora Bassa e a potência instalada no Victoria Falls.
Além das grandes barragens referidas, existe um numeroso conjunto de pequenas barragens. A generalidade destas represas, que raramente ultrapassam a capacidade de 100 000 metros cúbicos, destina-se a um outro grande alvo: fins hidroagrícolas e de abastecimento público, situando-se a esmagadora maioria nos territórios zimbabweano e zambiano. Do lado moçambicano, soluções deste tipo e magnitude ainda escasseiam, não obstante as reservas hídricas abundantes.
Estima-se que, no Zimbabwe existam cerca de 11 000 pequenas barragens, das quais 5 820 se situam na bacia do Rio Zambeze, que corresponde à uma capacidade de represamento estimada de cerca de 4.6 milhões de metros cúbicos.
Na Zâmbia, embora não haja ainda um conhecimento exacto do número de pequenas barragens, estima-se que a sua capacidade de represamento totalize cerca de 12 mil milhões de metros cúbicos, significativamente mais elevada do que no Zimbabwe e situada quase exclusivamente também na bacia do Zambeze.
Particularmente em Moçambique, para além de Cahora Bassa e da Central Sul já construídas, prevê-se a construção da barragem de Mpanda Nkuwa, estando em curso os estudos de viabilidade e a elaboração dos anteprojectos.
“El Niño” tende a dissipar-se
O Instituto Nacional de Meteorologia esclarece que até meados do mês de Março prevalecia em Moçambique El Niño forte, todavia em sua fase regressiva com projecções de muitos modelos dinâmicos e estatísticos preverem o ressurgimento de La Niña entre Setembro a Outubro de 2016.
Este facto pode ser comprovado com chuvas em pleno Inverno. “Efectivamente o El Nino está a dissipar-se, estamos a testemunhar o seu enfraquecimento “, disse ao domingo o meteorolojista Jonas Zunguze.
Alertou contudo, para o aparecimento, na próxima época chuvosa do fenómeno La Nina, caracterizado pelas cheias. “O país deve preparar-se também para o pior”, disse, acrescentando que dependendo do estado freático dos solos, e também dos níveis de encaixe das barragens da SADC, o pior pode mesmo acontecer.
Texto de Bento Venâncio
bento.venancio@snoticicas.co.mz