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Índia: país das maravilhas e dos contrastes

Por admin

Quis o destino que me deslocasse à Índia, o segundo país mais populoso do mundo depois da China e o sétimo maior em extensão territorial (3.287.590 Km²). Um presente que me chegou embrulhado de trabalho. 

Abracei a lida apinhada de desafios e prazeres: o caminho para a Índia prometia mais do que a faina. Permitia-me irradiar um olhar com o propósito de encontrar a áurea de um povo único e tal-qualmente comum.

Desembarquei em Deli, no Aeroporto Indira Gandhi, numa tarde de domingo e, imediatamente, as aragens enquadraram-me geograficamente. O clima tropical não dava tréguas, já se fazia sentir o tempo quente e húmido, previa-se, portanto, a ocorrência de chuvas. ‘Tem coisa pior’, sussurrei aos meus botões. Afinal, estava eu e os meus colegas de trabalho preparados para enfrentar os quase 40 graus célsius de temperatura e a tal chuva se viesse de emenda.

 De forma alguma seria esse o clima que me deixaria temerosa. Que me falassem do outro, pensava comigo mesma. Afinal, acabara de desembarcar em um país asiático propenso aos ataques terroristas. Estava lançado o desafio. Havia que fazer confluir um misto de sentimentos. O prazer e a coragem. A minha felicidade ficou estilhaçada, não daria em outra condição, pois antes mesmo de arredar o pé do Aeroporto, alguns comentários pairavam no ar: “Há dias, houve um atentado por aqui”.

Pavores à parte, fomos recolhidos daquele local e levados em direcção ao hotel. Pelo caminho, um alento: Verde. Muito verde. A paisagem invadia inclusive os olhares dos desapercebidos. Verde era a palavra que mais se ouvia no autocarro que me transportava. Toda a gente ficou impressionada. Porém, quilómetros adiante, rumo ao nosso destino, outra realidade chama atenção. O cenário transformou-se e deu lugar à lamentação. Figuras raquíticas e indefinidas chamavam atenção pelas ruas. Era o retrato da indigência.

 Fiquei estarrecida. O olhar encantado pelas maravilhas da natureza modificou-se, dando lugar ao desengano. Céus!!!

Imediatamente, coloquei a minha mísera matemática em acção. Estabeleci uma comparação eticamente proibida. Os nossos andantes de lá, são melhores que os de cá. Melhores?! Seria essa a palavra? Existirão os melhores em qualquer condição de sofreguidão? De qualquer modo, aquelas criaturas de Deli impressionavam pela aparência raquítica e esquálida. Recolhi-me. O silêncio intrigante tornou-se meu companheiro de percurso. Alegrar-me-ia, talvez, com o porvir. Aquela terra tinha a obrigação de se apresentar como maravilhosa. Esperava por isso, e minutos depois veio-me essa feliz realidade. Nova Deli transformou-se. Separado por uma linha imaginária, definiu-se como um lugar de contrastes.

NAMASTÊEE…

E a Índia dos meus sonhos começou a emergir. Homens possantes vestidos de turbantes dão as boas-vindas e fazem o seu cumprimento. Mulheres trajadas de saris passeiam por toda a parte a sua beleza inconfundível. Namastêeeee. Lá se curvavam perante nós. Estava tudos nos trinques, até à página da minha vida na Índia em que me apercebo da existência de procedimentos acirrados de segurança. Nesta altura, vejo-me obrigada a repuxar da memória as conversas captadas à altura do desembarque. Pois é, “Há dias, houve um atentado por aqui”. Entreguei-me para a revista. Pelos procedimentos, procurava-se agulha em um palheiro.

Apesar do desconforto, acção nenhuma foi suficiente para inocular o medo em quem quer que fosse, pelo contrário blindava a sensação de que ali, terrorista nenhum teria palco para as suas reles e repugnantes acções.

PAÍS DAS TAXAS

Após aproximadamente doze horas de viagem, entre ligações e escalas, oestômago vazio e a boca esfaimada obrigam-me a dedicar a minha atenção à sua forragem, um exercício que me leva a percorrer, novamente, lugares reveladores.

Já de cabeça fresca e ávida de descobrir ainda mais, apertei o meu botão de gravação, o rolo corria em minha memória, captando cenas tão deprementes quanto curiosas. A dado momento nada mais prendia a minha atenção, nem os homens de lenço branco embrulhando as suas fuças, nem a irritante buzina, que definitivamente substitui o sinal de pisca nos automóveis. Somente as movimentações de crianças franzinas, de olhar inocente e perdido interessavam à minha retina.

Os seus gestos e/ou caretas eram similares. Pedir dinheiro para comer obedecia ao mesmo código. Entretanto, por incrível que pareça, resolver a preocupação daqueles petizes parecia a coisa mais fácil do mundo. O difícil estava por vir. Ele (o difícil) habitava qualquer estabelecimento comercial. Tinha nome. Chamava-se Taxa.

Comprar qualquer que seja o produto na Índia, exige paciência e rigor. É taxa para tudo o que se pretende adquirir. Quer comprar água? Paga uma taxa. Refrigerante? Taxa. Quer alimentar-se? Taxa. Nada pareceria anormal não fosse o facto de que, no cumprimento de uma refeição, para cada item consumido, existe uma taxa específica e especial. Paga-se, igualmente, uma taxa pelos serviços de restaurante ou de bar. Um verdadeiro choque para os incautos.   Paciência, dinheiro e fome eram aqui chamados e com a promessa de aparecerem em grande escala. De contrário, locais por nós designados como senta-baixo, lá estavam disponíveis e dispostos a servir, no entanto, sem a garantia de um estômago imaculado.  

 TERRA DAS VACAS E DOS CACHORROS

Em uma viagem feita até ao Estado de Gujarat, a minha pasmaceira ficou ainda mais refinada ao vislumbrar um cenário, para alguns, improvável.

A vaca, que possui um status social e religioso na República da Índia, tem o seu lugar garantido em qualquer esquina da cidade. Normal é, pois, vê-la disputar o mesmo espaço com peões e automóveis.

Conforme ficamos a saber, a grande maioria dos hindus reverencia as vacas, e o Bharatiya Janata, um dos dois principais partidos políticos do país, exigiu, inclusive, que as leis contra o abate de vacas sejam reforçadas. Alguns proprietários chegam a se recusar a alugar terra para quem confessa ter o hábito de consumir carne.

Os cachorros a seu show atiram-se pelas varandas dos estabelecimentos, tamanha ociosidade, e criam congestionamento pelos passeios, embaraçando, desse modo, o movimento de pessoas e bens.

UMA PAIXÃO PARA TODA VIDA

Sexta-feira, dia 7 de Agosto. De volta à Deli, saída de Gujarat, esmero-me em dar forma e curso à minha produção. Por volta das vinte e duas horas nada mais de interessante se previa ocorrer, senão seguir o curso de sempre, em direcção ao Ambience Mall, um centro comercial de referência, para cumprir a minha última refeição do dia. Estava exausta. Adentrei no autocarro e, na minha esquina de sempre, refastelei-me deixando-me levar pelo seu embalo. Aparentemente, o cenário que me saltava à vista era o mesmo. Crianças raquíticas e de olhares atónitos pedindo esmola. De repente, aparece colada à minha janela uma errante especial. Pequenininha, de olhos negros, cabelos pretos despenteados, roupa amarfanhada, pés descalços, mas de olhar romântico e apaixonante. Ensaiou os gestos comuns em quem pedinchana via pública de Deli. Fitei o olhar nela, interessei-me pelos seus gestos, eram iguais, mas ao mesmo tempo diferentes. Fiz o sinal de insolvência.  Ela fez um gesto de aceitação. Achei inconcebível tal resignação. Não era comum nos pedintes, a insitência vinha  sendo uma marca por considerar. Estratégia ou não, a verdade é que resultou em um avanço de sinal da minha parte. Puxei por uma nota de dez rupias e estendi a mão para entregá-la. Em seguida, ela pediu a minha mão, queria tocá-la. Entreguei-a e, por cinco segundo, curtimos em silêncio um sentimento que nascera do abismo. Ao largar aquele membro frágil e encrespado de impurezas, senti nascer uma história de amor sem compromisso. Recolhi o meu membro superior, fechei o vidro e o que nos restou foi replicar cenas de grandes filmes de amor, em que o moço e a mocinha se vêm separados por um maldito obstáculo. As nossas mãos, igualmente, franzinas posicionaram-se ao mesmo peso e medida. Mandei um beijo, colando-o no vidro do autocarro. Ela recebeu-o e colou nos seus lábios finos. O carro arrancou, para o meu desespero. Restou esboçar um sinal do coração com as mãos. ‘eu te amo’, montei o meu. ‘Eu também te amo,’, respondeu a menina desenhando, com as mãos, o seu coração.

Até sempre, Deli. 

Texto de Carol Banze

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