Em movimentos que lembram os comportamentos do período da guerra fria, talvez o episódio da Crise dos Mísseis de 1962, recentemente os russos enviaram militares à Venezuela, e os norte-americanos consideram isso uma provocação grave. Enquanto a Casa Branca “ordena” que Moscovo retire as suas tropas daquele país da América Latina, o Kremlin ignora o comando e retorque aos rivais dizendo que eles não têm legitimidade para fazer tal exigência. Esta subida de tom entre os velhos rivais da guerra fria pode ser vista como sendo sintomática, por um lado, da vontade de os EUA serem “dominantes” únicos das questões das Américas e, por outro, da tentativa russa em “dar troco” aos EUA pelo facto destes serem os promotores do “encurralamento” da herdeira-mor do espólio da União Soviética.
Desde o desmembramento da União Soviética e a pretensa vitória na guerra fria, os EUA estavam acostumados a dar ordens tanto aos seus aliados como aos seus “inimigos”. Alguns teóricos de relações internacionais rotularam mesmo a ordem mundial pós-guerra fria como um mundo unipolar, em que aparentemente o único pólo dominante seria o dos EUA e seus aliados, o chamado Ocidente. Porém, o surgimento de novos pólos de poder, o das chamadas potências emergentes, e o ressurgimento dos russos, outrora “manda-chuvas” do império soviético, está cada vez mais a rebater a tese da unipolaridade e, acima de tudo, a desacreditar o status dos EUA como potência hegemónica. De entre vários casos que se podem avançar para sustentar esta tese, este artigo concentra-se na recente crise “criada” na Venezuela, em que os EUA “patrocinam” o auto-proclamado presidente interino Juan Guaidó e a Rússia “patrocina” o aparentemente contestado Nicolas Maduro.
Há alguns dias o Kremlin, determinado a manter o seu apoio ao presidente Nicolas Maduro, decidiu enviar forças especiais do seu exército para a Venezuela. A acção visa tranquilizar o governo de Maduro, pois com a presença russa no país há poucas probabilidades de os EUA optarem por uma acção militar contra o seu regime. A liderança norte-americana, porém, está com os nervos “à flor da pele”. E tal nervosismo pode ser explicado por três razões. Primeiro, a presença russa, conjugada com o apoio de outros Estados poderosos como a China e a Turquia, no país reduzem drasticamente as chances de as sanções económicas impostas contra o regime de Maduro funcionarem. Aliás, os apoios que a Rússia vai fornecendo ao país mantêm o regime mais determinado a não ceder às exigências da oposição, ao mesmo tempo que mantêm em alta a moral do exército que continua a ser leal ao governo de Maduro. Portanto, o objectivo norte-americano de ver uma mudança de regime no país pode continuar a ser uma “miragem”.
Texto de Edson Muirazeque *