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A brutal Guerra Santa do novo Bin Laden

Por admin

Quem é e o que pretende Abu Bakr al-Baghdadi, o líder do grupo terrorista que ameaça implodir o Iraque? Como consegue ele subalternizar a Al Qaeda e converter o seu movimento na organização jihadista mais rica do planeta?

 

Será que o mapa do Médio Oriente vai ser redesenhado à custa do que está a acontecer na Síria e no Iraque? A questão é colocada por um número cada vez maior de especialista e multiplicam-se os indícios de que os governos da região – mas também dos Estados Unidos e da Europa – levam muito a sério o Exército Islâmico para o Iraque e o Levante (EIIL). A organização salafita-jihadista conquistou, a 10 de Junho, a segunda maior cidade iraquiana, está agora às portas de Bagdade e diz-se pronta para criar um califado, um “Estado islâmico”, cujas fronteiras podem ir do Mediterrâneo Oriental até aos confins da Ásia Central. Será esse um objectivo tão absurdo como parece? À cautela, a Administração Obama decidiu reforçar a sua presença militar na zona e até já admite unir esforços com um dos seus grandes inimigos dos últimos 35 anos, o Irão, de modo a combater o movimento liderado pelo misterioso e fanático emir que jurou vingar Bin Laden.

QUEM CONHECE O IMPLACÁVEL

 “XEIQUE INVISÍVEL”? 

Os seus cognomes incluem Abu Duaa, Ibrahim al-Samarrai e, claro, Abu Bakr al-Baghdadi. No entanto, o verdadeiro nome do homem que manda no EIIL e nasceu há 43 anos na cidade iraquiana de Samarra é Ibrahim Awwad Ibrahim Ali al-Badri. Até há poucas semanas, pouca gente tinha ouvido falar dele, apesar de ser um velho conhecido dos serviços de informação de vários países ocidentais. Filho de uma família sunita muito modesta, terá conseguido estudar na Universidade Saddam Hussein de Bagdade graças à inestimável boa vontade de um professor que lhe pagava mensalmente as despesas, permitindo-lhe assim concluir um mestrado em estudos religiosos. Poucos pormenores têm sido revelados acerca da sua vida até ao final do século XX e o perfil que o Wall Street Journal lhe traçou esta semana, com a ajuda de um antigo colega de curso, também pouco esclarece. Uma das poucas certezas que há a seu respeito é que foi preso após a intervenção militar americana para derrubar o ditador iraquiano e neutralizar as famosas e inexistentes armas de destruição em massa. Encarcerado na base conhecida como Camp Bucca, no Sul do Iraque, Ibrahim teve a oportunidade de, entre 2004 e 2007, privar com alguns comandantes e dirigentes da Al Qaeda. O seu processo de doutoramento e radicação fez com que, ao ser libertado, integrasse, muito provavelmente, as fileiras dos diferentes movimentos rebeldes que combatiam a presença militar dos EUA. Ter-se-á tornado, então, um administrador do jordano Abu Musab al-Zarqwi, personagem que a administração de George W. Bush mandou abater, em 2006, com dois mísseis teleguiados, após ter formado a Al Qaeda para Iraque (AQI) e espalhado um rasto de terror que incluiu múltiplas decapitação e massacres de xiitas.

Em 2010, o antigo especialista em questões islâmicas é já chefe da AQI e, segundo o Le Monde, exibe como nome de guerra Abu Bakr, em homenagem ao primeiro califa e companheiro de Maomé, além de fazer questão de explicar que a sua família é de Samarra mas tem ligações ao clã dos Husseini, descendente do profeta. Um ano depois, por fazer jus à sangrenta herança de Zarqawi, os EUA colocam-no, oficialmente, na lista dos terroristas mais procurados do planeta e passam a oferecer 7 milhões de euros por qualquer informação que lhes permita capturar ou abater o implacável “xeique invisível”. Uma designação que Abu Bakr parece ter ganho entre os seus pares por não gostar de exibir o rosto e usar sempre uma máscara, nas reuniões de quórum alargado. A sua aversão a dar a cara é o que justifica existirem apenas duas fotos dele – antigas – sem que ninguém saiba com rigor qual o seu aspecto. Das suas proezas como jihadista já nao se pode dizer o mesmo.

EMIR DE UM TERRITÓRIO

DE 100MIL KM2

Com as tropas especiais e os drones americanos a não darem tréguas aos grupos jihadista sunitas, Abu Bakr distingue-se pela sua capacidade de sobrevivência e liderança. Algo que o próprio Bin Laden previra e a sua morte confirmou, após ser abatido no Paquistão, em Maio de 2011. A AQI dá lugar ao Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) e a Primavera Árabe na Síria – a par da retirada das tropas americanas do território iraquiano, em Dezembro desse ano -, são uma oportunidade a aproveitar. Isto para já não falar das polícias sectárias do primeiro-ministro xiita Nouri al-Maliki, em Bagdade, que o EIIL nunca poupou.

Abu Bakr decide envolver-se na campanha contra o regime alauíta (um ramo xiita) do Presidente Bashar al-Assad e os jihadistas do EIIL distingue-se pela bravura e selvajaria com que combatem os soldados do Governo de Damasco. A milícia fundamentalista começa a protagonizar um número crescente de acçõesviolentas que seduzem cada vez mais candidatos à Jihad: da Indonésia à Mauritânia, da Chechénia ao Paquistão, passado por vários países europeus, centenas de jovens alistam-se para combater no país de Sham – nome como os árabes chamam à Síria (Levante, em português). Esse sucesso acaba por incomodar a própria Al Qaeda e o seu líder, o médio e teólogo egípcio Ayman al-Zawahiri.

Na primavera do ano passado, tornaram-se públicas as desavenças entre os dois homens. Zawahiri dá ordens ao líder iraquiano para que regresse ao seu país natal e faça aí o que lhe compete, deixando a Frente Al-Nusra como a única representante da Al Qaeda na Síria. O pedido é ignorado. Às diferenças geracionais e de estilo somam-se as estratégicas e políticas: o mais velho ainda defende a Guerra Santa através de acções simbólicas e mediáticas contra o Ocidente, de modo a conquistar as massas árabes; o mais jovem aposta na conquista de território aos que se opõem aos seus projectos de califado – incluindo outros tafkir (os muçulmanos infiéis), sejam eles xiitas ou sunitas cúmplices dos EUA, como sucede com as monarquias do Golfo Pérsico.

Abu Bakr não hesita em desafiar Zawahiri, em combater a Frente Al-Nursa e em iniciar uma guerra territorial na parte oriental da Síria. A cidade de Raqqa torna-se a primeira capital do seu império. E cumpre tal desígnio de forma implacável: os que se lhe opõem são chacinados. Sem execeção. Em Dezembro, Zawahiri nomeou um seu enviado especial para negociar uma eventual reconciliação com Abu Bakr. Em vão – terá sido degolado por ordem directa do líder do EIIL. A sua determinação explica que, em pouco mais de um ano, tenha conquistado aproximadamente 10 porcento do território sírio e talvez 15 porcento do território iraquiano. Isto significa que controla uma área a rondar os 100 mil quilómetros quadrados, ligeiramente superior à de Portugal continental, onde concentram dezenas de poços petrolíferos e ainda oito aeródromos e aeroportos. Um espaço onde vigora a sharia e no qual o álcool, musica e a televisão estão proibidos. E onde se decretou que as mulheres não podem sair de casa sem estarem devidamente acompanhadas de um familiar masculino e que os «não muçulmanos» têm de pagar o dhimmi, um imposto tão especial quanto arbitrário. Um espaço onde as sentenças dos tribunais islâmicos passam por decepar dedos e mãos a quem seja apanhado a roubar e os culpados de apostasia se habilitam a decapitação e crucificação pública.

UM GESTOR

EFICAZ E MILIONÁRIO

Está mais do que demonstrado que ele sabe o que quer e quais os meios mais adequados para ser bem sucedido. Basta pensar na forma como tem financiado as suas acções. Se, no início, recebeu dinheiro, por exemplo, de mecenas para a sua causa (de Arábia Saudita, do Qatar e dos Emirados Árabes Unidos), sempre quis encontrar alternativas para não depender de ninguém.

Tráfico de antiguidades e o negócio de sequestros (de sírios abonados, de jornalistas e de elementos das ONG) garantiram-lhe ainda a liquidez suficiente para os diferentes teatros operacionais na Síria e no Iraque. As conquistas territoriais dos últimos seis meses fizeram o resto. A 10 de Junho, o movimento cometeu a proeza de conquistar Mossul, sem qualquer resistência, e encarregou-se de esvaziar os cofres de todos os bancos aí existentes. O saque rendeu qualquer coisa como 380 milhões de euros. Uma quantia que levou a plataforma noticiosa International Business Times a classificar o EIIL como a “organização terrorista mais rica do mundo”. O prestigiado Washington Post e o mais antigo think tank dos EUA, o Council of Foreign Relations (CFR), também se debruçaram sobre o assunto para concluir que tal não deve fugir à verdade. Um analista, Brown Moses, usou o Twitter para explicar o que está em causa: “com esse dinheiro podem pagar uns 600 euros mensais a uns 60 mil combatentes, durante mais de um ano”.

Ora o mais caricato é que o EIIL não tem 60 mil combatentes nem nada que se pareça. O movimento terá tomado Mossul, que conta com mais de milhão e meio de habitantes, com menos de mil elementos. E são poucos os analistas que contabilizam em mais de 12 mil o seu número total. Segundo um dos homens mais bem informados sobre tudo o que acontece no Médio Oriente, o príncipe Turki Al Faisal, ex-director dos serviços secretos da Árabia Saudita, o EILL não deve ter mais de três mil efectivos. Mas nesse caso como é que um tal contingente consegue impor-se a um exército treinado pelos EUA e no qual Washington gastou mais de 10 mil milhões de euros na última década? Graças ao medo, à violência e, claro, também ao apoio de parte da população sunita e de antigos elementos das forçs armadas e de segurança do regime de Saddam Hussein – os principais alvos das políticas discriminatórias promovidas pelo governo xiita de Maliki.

                                                                                     In Visão

               

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