Texto de Avelino Mucavele, em Blintyre, Malawi
Os chefes de Estado e de Governo da SADC reunidos esta semana em Harare, Zimbabwe, numa cimeira extraordinária para debater a Estratégia de Industrialização, receberam uma informação preliminar de Jacob Zuma sobre as medidas tomadas pelo governo sul-africano para lidar com a situação de xenofobia e evitar que casos de género se repitam.
Entretanto, 48 horas antes do início da Cimeira de Harare, o mesmo Zuma tinha avisado os países africanos para cuidarem melhor dos seus cidadãos, de modo que estes não fujam para a África do Sul.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, falando a jornalistas moçambicanos que o acompanharam a Harare, disse que a cimeira elogiou as medidas tomadas pela administração de Jacob Zuma para acabar com a violência xenófoba, numa altura em que mais de mil moçambicanos foram repatriados do país vizinho devido à onda de xenofobia.
“O presidente Jacob Zuma pessoalmente registou o ponto e insistiu em explicar o que terá acontecido (…) O mais importante é que começou por condenar os ataques violentos com uma certa profundidade e depois fechou a dizer que estão a envidar todos os esforços para que casos idênticos não se repitam e prometeu que dentro em breve a África do Sul vai produzir um relatório para a SADC, para a União Africana e para as Nações Unidas” sobre esta matéria, disse Nyusi.
No entanto, quarenta e oito horas antes da realização da Cimeira de Harare, o presidente Jacob Zuma tinha avisado os países africanos para cuidarem dos seus cidadãos, de modo que estes não fujam para África do Sul.
Zuma atacou os governos da África que criticam o governo sul-africano, não obstante o facto de este ter tomado já uma posição dura contra a xenofobia, tendo ainda cidadãos seus na África do Sul.
Dirigindo-se ao público no Dia da Liberdade assinalado recentemente, Zuma não poupou os governos que criticam o executivo de Pretória devido à onda de xenofobia que já custou pelo menos sete vidas.
“Por mais que tenhamos alegados problemas de xenofobia, os nossos países irmãos também contribuíram para isso”- disse o estadista sul-africano.
“Porque é que os vossos cidadãos não ficam nos vossos países?”- interrogou Jacob Zuma. Ele pediu então aos governos africanos para cuidarem dos seus cidadãos para que não afluam para África do Sul.
Na sua contra-ofensiva, Zuma afirmou que o seu governo vai reforçar as medidas para combater a imigração ilegal. “Alguns desses imigrantes apresentaram alegações muito graves nos seus países para justificar a sua estadia na África do Sul””.
“Temos que resolver as questões subjacentes à violência e tensões, que é o legado da pobreza, desemprego e desigualdade no nosso país e no nosso continente e competição por recursos escassos limitados”- vincou o chefe de Estado sul-africano.
Ele manifestou a sua convicção de que os esforços da União Africana para promover a paz, estabilidade e democracia em todos os cantos do continente, poderão a longo prazo reduzir a necessidade de as pessoas migrarem para a África do Sul.
“A promoção do comércio intra-África, a integração regional, infra-estruturas e outras intervenções económicas em perspectiva são importantes para melhorar a situação económica nos países irmãos. O resultado final será que irmãos e irmãs acabarão por não precisarem de saírem dos seus países à busca de uma vida melhor”- concluiu o Presidente da África do Sul no discurso proferido nas celebrações do Dia da Liberdade.
Alguns sul-africanos justificam os ataques xenófobos e a falta de emprego na África do Sul ao facto dos imigrantes indocumentados incluindo moçambicanos aceitarem emprego por um salário miserável.
No entanto, as declarações de Zuma são consideradas pelos defensores dos direitos humanos, pelos activistas sociais e pelos comentaristas políticos como retrógradas e contrárias ao espirito de integração regional.
Zuma disse que outras nações africanas são responsáveis pelo fluxo de estrangeiros no seu país e por isso as críticas à sua administração são descabidas e infundadas.
Não é justo criticarem a África do Sul como se nós fossemos cogumelos de cidadãos estrangeiros para em seguida maltratá-los. “Todo o mundo critica a África do Sul como se nós tivéssemos produzido o problema. Porém, as pessoas que são xenófobas são uma minoria. Pode-se perguntar, o que querem estes imigrantes na África do Sul? – disse Jacob Zuma, aparentemente agastado com as críticas.
Happy Kayuni especialista em relações internacionais disse que era lamentável que Zuma estivesse a fazer tal afirmação agora, em vez de se concentrar em melhorar a imagem do seu país que ficou beliscada pelos incidentes xenófobos.
A África do Sul é signatário do Protocolo da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) sobre a facilitação de livre circulação de pessoas e bens na região.
O protocolo foi aprovado em 2005 e insere-se no âmbito dos objectivos do Tratado da SADC que obriga os Estados-membros a desenvolver políticas destinadas à eliminação progressiva das barreiras à livre circulação de capitais e de trabalho e de bens e serviços para os povos da SADC.
Plano de acção do Governo sul-africano
O Presidente Jacob Zuma vai dentro em breve apresentar à SADC, à União Africana e às Nações Unidas um relatório detalhado sobre os recentes ataques xenófobos contra cidadãos estrangeiros que ocorreram em Durban e Johannesburgo.
Uma cópia do relatório Operacional Conjunto do Serviço Nacional de Inteligência revela um programa de vinte e sete pontos para enfrentar a xenofobia e os problemas relacionados com a imigração na África do Sul.
O plano é uma mistura de medidas duras contra estrangeiros que estão na África do Sul de forma ilegal e medidas contra os autores da violência.
Ele inclui o registo de todos os estrangeiros afectados pela recente onda de xenofobia e alojados em abrigos temporários e o repatriamento daqueles que estão no país ilegalmente.
O Departamento dos Assuntos Internos também vai começar a rastrear e a monitorar os estrangeiros. Todos os que entram e saem do país terão de apresentar dados biométricos, como impressões digitais.
Além disso, todos os departamentos do governo vão apoiar o programa de reintegração social de todos os imigrantes legais nas comunidades donde fugiram.
O plano também prevê o posicionamento de tropas nos pontos quentes e de operativos dos serviços de inteligência para desenvolver um programa de alerta de casos de xenofobia.
A Polícia, os procuradores e os serviços de inteligência vão trabalhar em conjunto num sistema de gestão de crises, incluindo a contratação de intérpretes para agilizar o processo.
O porta-voz da Polícia nacional, tenente-general Salomon Makgale, disse que que 330 pessoas já haviam sido detidas em Gauteng, Kwazulu Natal e North West em conexão com os ataques xenófobos.
Tribunais especializados criados em Chatsworth, Durban e Umlazi já ouviram mais de cinquenta casos, segundo disse o procurador Molpone Noko.
Paz volta a Kwazulu-Natal
A paz voltou para a província de Kwazulu Natal depois de duas semanas de violência contra cidadãos estrangeiros que culminou com a morte de sete pessoas, revelou a Comissária da Polícia na província de Kwazulu-Natal, tenente-general Mmamonnye Ngobeni.
Ela disse que a calma retornou em quase todas as partes da província, com as grandes cidades como Durban e Pietermaritzburg passando por uma relativa estabilidade.
Ngobeni disse no entanto que patrulhas policiais ainda estão no terreno. Desde o fim-de-semana prolongado das comemorações do Dia da Liberdade, a Polícia de Kwazulu-Natal não teve quaisquer relatos de violência ou distúrbios relacionados com os recentes ataques contra estrangeiros.
Ngobeni disse que a Polícia iria continuar a acompanhar ataques xenófobos esporádicos, incluindo em Pietermaritzburg, para garantir que a paz prevaleça na província.
“Muitos estrangeiros ainda estão traumatizados pelos momentos dramáticos que viveram, mas neste momento estão a regressar gradualmente para as comunidades onde viviam antes da violência e a abrir os seus estabelecimentos para o comércio”- disse ela.
“Alguns continuam a viver nos diversos campos de refugiados, enquanto outros optaram por regressar aos seus países de origem. A Polícia está a monitorar os campos de refugiados para garantir a segurança dos estrangeiros e ver se eles não estão sob ameaça de qualquer ataque”- acrescentou a Comissária da Polícia.
A situação melhorou nos últimos dias desde que o governo sul-africano e alguns países denunciaram os ataques xenófobos.
Ameaça à Comissão dos Direitos Humanos
A segurança foi reforçada nos escritórios da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (SAHRC), em Durban, após uma série de ameaças violentas, escreve o City Press.
Telefonemas ameaçaram incendiar o escritório se continuasse a sua investigação sobre o rei zulu, Goodwil Zwelithini, após seu suposto discurso anti-estrangeiros em Pongola, considerado o rastilho para o desencadeamento de ataques xenofóbos em Kwazulu-Natal.
O porta-voz da SAHRC, Isaac Mangena, confirmou que o seu escritório havia recebido numerosas cartas ameaçadoras e chamadas que vieram através dos escritórios provinciais em relação à investigação sobre as declarações do rei zulu em Pongola.
Mangena disse que a SAHRC estava muito preocupada com as ameaças, porque muitos dos membros da organização trabalham nas comunidades donde alguns dos telefonemas e cartas são provenientes.
“A Comissão continua com as suas investigações sobre as declarações do rei e vai lançar um relatório com as suas conclusões no final do inquérito”- disse ele.
Ele disse que a Comissão acredita que o rei não está envolvido nas ameaças sublinhando que o escritório do soberano está a cooperar nas investigações levadas a cabo pela SAHRC.
“Se existe uma ameaça ou não, nós não acreditamos que o rei tenha alguma coisa ver com isso”, afirmou Mangena.
Mugabe assume “ meia-culpa”
O presidente do Zimbabwe, Robert Mugabe, assumiu “meia culpa” em relação aos incidentes xenófobos, apelando aos estados-membros da SADC para pôrem em prática mecanismos para assegurar que os seus cidadãos que afluem em massa para África do Sul retornem aos seus países para aproveitar as oportunidades em casa.
Robert Mugabe fez estas declarações durante a conferência de imprensa que marcou o encerramento da cimeia extraordinária da SADC realizada quarta-feira em Harare.
O presidente Jacob já havia informado os líderes regionais sobre os ataques bárbaros no seu país, que segundo dados oficiais deixaram pelo menos sete mortos, embora algumas organizações acreditem que o número possa ser maior.
“É nosso dever, nós os países vizinhos ajudar a resolver o problema de fluxo em massa para África do Sul”- disse Mugabe.
Acrescentou que cabe aos estados vizinhos acabar com o instinto dos seus povos de correr apenas para África do Sul, uma maiores economias da região. “Mesmo aqueles que têm qualificações académicas altamente reconhecidas não querem voltar para os seus países. Acham que a vida é boa lá. Outros são atraídos pelas grandes lojas, mas o que vale ficar na África do Sul quando não têm renda e estão em perigo como o que aconteceu recentemente?”, questionou Mugabe.
Não foram acordadas nenhumas medidas específicas sobre o assunto durante a cimeira extraordinária da SADC, mas Mugabe foi de opinião de que os países vizinhos devem fazer o que for possível para impedir os seus cidadãos de irem em massa a África do Sul, visto como um paraíso na SADC.
Devido aos incidentes xenófobos, cerca de oitocentos zimbabweanos foram repatriados da África do Sul. Moçambique, Zimbabwe e Malawi decidiram também repatriar os seus cidadãos devido aos ataques xenófobos.
Texto de Avelino Mucavele, em Blintyre, Malawi