Texto de Artur Saúde
Celebra-se hoje, dia 25 de Outubro, o 30º aniversário da Organização Continuadores de Moçambique. Para muitas crianças moçambicanas, mais do que dia de reflexão, é, simplesmente, para clamar em vencer adversidades do dia-a-dia trazidas pela trajectória que seguem.
Ayuna Elisa Carlos Soine, nove anos, órfã de pais, é uma delas. Sonha ser professora e vive com os avós no bairro 24, em Xai-Xai, província de Gaza.
A mãe morreu durante o parto. Os avós maternos decidiram levá-la para casa dos avós paternos. Viveu com eles e o pai por algum tempo. Não saboreou o leite materno senão a papa triturada de grãos de milho, substituindo o leite. Foi assim que Ayuna cresceu. Passado pouco tempo, o pai também morreu e hoje vive com seus vovôs Fabião Soine e Atália Novela.
Eles sobrevivem do cultivo da terra algures em Chongoene, garantindo alimentação para si e Ayuna. Ela é aluna número 7 da turma “A”, da quinta classe, na Escola Primária do Primeiro Grau (EPC) “25 de Setembro”, no bairro
24. Ayuna ficou traumatizada quando o pai morreu, tendo permanecido duas semanas sem ir à escola.
Foi necessário que a professora Pina Isabel fosse à sua casa moralizá-la para recuperar as aulas e as avaliações perdidas. Pina é professora de Ayuna desde a primeira classe e hoje já frequenta a quinta classe. Ela conta que a descoberta da condição social da criança foi por causa de estranhas e frequentes dores de cabeça que a pequena sentia quando frequentava a primeira classe. Chamou a encarregada de educação e apareceu a avó que contou todo o histórico da menina e “percebi que era órfã”. A partir dessa altura, Ayuna passou a receber carinho acrescido da professora e dos restantes colegas.
Quando a professora se apercebeu das dificuldades de leitura de Ayuna, pediu à colega Zinha para lhe dar explicações nas tardes já que estudam de manhã. Porque agora lê bem, Ayuna também ajuda a Genifa, colega da turma. “Superadas as dificuldadesde leitura, convidei-apara todos os dias vir à minhacasa aprender matemática eestá a caminhar bem”, diz Pina Isabel.
Perguntámos sobre a postura psicológica da criança na convivência com as outras e a professora respondeu: “ ela fica muitoacanhada quando é 19 de Março,dia dos pais, porque vê ascolegas preparando lembrançaspara os pais. Sempre digoque não precisa de se acanharporque pode preparar algo parao avô”, explica a professora.
O amparo das colegas é de tal ordem que a trançam os cabelos e convidam-na a estarem juntos em suas casas nos finais de semana. Parte da sua roupa é doada por crentes da Igreja onde os avós frequentam ou por alguns colegas da turma. Também a escola se encarrega na oferta de algum material escolar doado à crianças órfãs no início de cada ano ou semestre escolar.
Fomos para casa da Ayuna conversar com a avó que se diz sentir orgulhosa por ter uma neta como ela. Atália Novela acredita que com um bom acompanhamento, muito pode-se esperar dela. Mesmo assim, enumerou uma série de dificuldades por que passa. “ Temos muitadificuldade em fazer umacompanhamento desejável eà altura porque não trabalhamos(ela e o marido). Mesmoassim, faço tudo por ela ”. Diz agradecer a Deus o facto de ser uma menina educada e comprometida com a escola.
Quando fomos à escola tivemos a caerteza de que Ayuna vai transitar da 5ª para a 6ª classe porque as suas notas são razoáveis. Nos dois primeiros trimestres obteve médias 13 e 12 valores, respectivamente, conforme observamos na pauta do livro do ponto da turma. “ Elavai passar, é muito aplicada”, assegurou-nos Pina Isabel.
Quero ser professora
– diz Ayuna Soine
Quando perguntamos Ayuna o que queria ser quando crescesse, ela respondeu: “quero serprofessora para saber acarinhar outras crianças”.Ela explica-nos que vive sofrida por falta de carinho e de amor dos pais. Diz sentir alguma felicidade, mas não suficiente para uma criança. “Não tive pai nem mãe para viverem comigomomentos de alegria, de paz e de amor.Fui infeliz neste lado da vida”, desabafa Ayuna.Ela acorda todos os dias às 5 horas da manhã, lava os pratos, varre o quintal e vai para a escola porque entra às 6 horas e 45 minutos. Ayuna sabe que ser órfã não é pecado e que pode ter uma vida normal, brincar enquanto criança, errar para aprender, sofrer para crescer, aprender para sempre e nunca deixar de lado a humildade.
Texto de Artur Saúde