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Moçambique “chumbado” com dezasseis valores

Por admin

O Governo dos Estados Unidos da América (EUA) decidiu afastar Moçambique da lista de países candidatos aos fundos do programa denominado Millenium Challenge Corporation (MCC), pese embora o país tenha tido sucesso na implementação de 16 das 20 condições impostas pelos EUA para o acesso àquele tipo de financiamento.

 Presume-se que a tensão político-militar prevalecente no país, a aquisição de navios, presumivelmente para a pesca de atum, terão concorrido para aquela decisão dos norte-americanos.

Para beneficiar dos cerca de 300 milhões de dólares que os EUA pretendiam conceder ao nosso país, na forma de um segundo compacto, bastava que fossem satisfeitas três condições básicas, nomeadamente o controlo da corrupção, ter um bom índice de direitos democráticos e que tivesse pelo menos 11 valores na avaliação final feita há poucos dias.

Tanto mais que os resultados alcançados aquando da implementação do primeiro compacto, estimado em 506 milhões de dólares, foram tidos como um “sucesso” pelo principal chefe executivo do MCC, Daniel Yohannes, numa missiva endereçada ao director executivo do Millenium Challenge Account (MCA)-Moçambique, Paulo Fumane, que é a sua contraparte moçambicana.

Na referida carta, Daniel Yohannes tece rasgados elogios a Paulo Fumane, com palavras como “Parabéns pelo sucesso alcançado na implementação do Compacto do Millenium Challenge de Moçambique. Quero estender o meu sincero elogio à sua liderança como director executivo do Millenium Challenge Account. O seu firme cometimento para com o compacto e notável esforço dos colaboradores foi essencial para o sucesso da parceria entre as duas nações.”

Até à data da recepção desta correspondência, tudo indicava que o Conselho de Directores do MCC iria aprovar por unanimidade um segundo pacote financeiro para o país, na medida em que aquela epístola vinha acompanhada dos resultados da avaliação feita ao longo dos últimos cinco anos, na qual Moçambique saiu com 16 valores dos 20 possíveis.

A referida avaliação comporta elementos relacionados com o comportamento do país no que tange à Liberdade Económica, Investimento na População e Governar com Justiça. No quesito Liberdades Económicas os norte-americanos quiseram saber como o nosso país está em termos de Política Fiscal, Inflação, Qualidade Regulatória, Políticas Comerciais, Género na Economia, Direito de Acesso à Terra, Acesso ao Crédito e Facilidades de Início de Negócios.

O que parece incrível neste conjunto de questões é que as fontes usadas pelo governo americano, nomeadamente o Banco Mundial, International Finance Corporation (IFC), Fundo Internacional para a Agricultura (IFAD), Heritage Foudation, entre outras, só deram nota negativa à Política Fiscal que, na sua óptica, está situada em escassos 28 por cento.

Nos restantes itens, todas aquelas instituições avaliaram positivamente e até ofereceram a nota 100 por cento para o Género na Economia, 92 por cento para a Inflação, 85 por cento para a Política Comercial adoptada pelo país e por aí em diante. Até o acesso ao crédito que parece “bicho-de-sete-cabeças” para o sector privado e sociedade moçambicana em geral, teve 64 por cento na avaliação feita pelo IFC.

Onde “a porca torceu o rabo” foi no domínio do Investimento na População, cuja pontuação foi repartida em 50-50 para o positivo e para o negativo. Para avaliar esta componente, o MCC recorreu a dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde, UNESCO, UNICEF e pelo Centro de Rede de Informação Internacional sobre Ciências da Terra (CIESIN).

Para estas organizações, Moçambique faz boa despesa na área da Saúde pelo que recebeu a pontuação de 60 por cento, faz boa despesa na área da Educação e, por isso, a nota atribuída foi de 100 por cento e, por proteger bem os recursos naturais, foram lhe dados 75 por cento de consideração positiva.

Entretanto, e ainda no domínio do Investimento na População, aquelas entidades baixaram a fasquia no capítulo relacionado com as Taxas de Imunização (o mesmo que vacinação) e só deram 40 por cento. No acesso da rapariga à educação primária completa o resultado foi ainda pior. Deram-nos imperceptíveis 10 por cento e no que se refere à saúde infantil aqueles organismos entendem que o país está com o pé no travão e anda em 13 por cento.

Em relação à Governação com Justiça, o Conselho de Directores do Millenium Challenge Corporation foi buscar a opinião de uma entidade conhecida por Freedom House (Casa da Liberdade), do Banco Mundial, entre outras que atribuíram notas bem mais rechonchudas, quando comparadas com as que os seus parceiros deram nos capítulos já referenciados.

Por exemplo, a “Freedom House e amigos” deu 73 por cento para os Direitos Políticos, 75 por cento para a Eficácia Governativa, 76 por cento para o Controlo da Corrupção, 78 para as Regras e Lei, 80 por cento para as Liberdades Civis e 89 por cento para a Liberdade de Imprensa e de Informação.

No total, Moçambique reuniu os 16 valores (cinco a mais do que era necessário para passar para o II Compacto) mas, sobretudo, conseguiu ter nota positiva no Controlo da Corrupção e nos Direitos Democráticos, que são itens com peso de ouro neste tipo de avaliação. Mesmo assim, o Conselho de Directores do MCC chumbou o nosso país.

Chumbar com boas notas

No quadro desta reprovação, algumas perguntas insistem em não querer calar, na medida em que Daniel Yohannes, principal chefe executivo do MCC, escreveu recentemente que “no total, o Compacto materializado pelo governo moçambicano vai beneficiar mais de três milhões de moçambicanos, o que é uma tremenda realização” (a tremendous achievement), usando palavras suas.

Ora, se Moçambique fez sucesso e conseguiu o tal de “tremendous achievement”, como se explica o “chumbo”?! Eis a questão para a qual a nossa Reportagem procurou respostas junto do próprio MCC. No sítio da Internet desta entidade consta a decisão tomada na tarde (para eles e noite para nós) do dia 10 de Dezembro corrente mas, para agravar a situação, Moçambique nem sequer é mencionado.

Aquela página, localizável em www.mcc.gov é muda em relação ao nosso país, pelo menos naquilo que corresponde à informação para consumo da imprensa. Não diz onde o governo moçambicano errou e nem sequer menciona o que acertou. Por incrível que pareça, ali são apontados os casos de sucesso e de fracasso dos restantes “concorrentes”. Moçambique, nicles!

Na tal Nota de Imprensa, o Conselho de Directores do MCC indica que seleccionou o Lesotho e outros cinco países, nomeadamente Gana, Libéria, Marrocos, Níger e Tanzania para beneficiarem de um II Compacto e chumba o Benim e a Serra Leoa por não terem feito avanços no combate à corrupção que é, segundo o MCC, “um obstáculo difícil de transpor no Cartão de Pontuação”. Como se vê, de Moçambique, nem um “piu”.

Também salta à vista o facto de aquele conselho estar (muito) preocupado com a Libéria e o Marrocos, que não conseguiram mais do que nove pontos na última avaliação onde Moçambique teve 16, e indica que espera que estes consigam fazer progressos neste domínio antes do conselho aprovar um pacto com um ou outro país.

Mas, vejamos que critérios de selecção são usados por aquele conselho de directores. Dizem eles que, por lei, devem considerar três factores para eleger um país, nomeadamente “atender ou exceder os critérios de elegibilidade, ser uma oportunidade de reduzir a pobreza e gerar crescimento económico do país, e haver disponibilidade de fundos”.

Critérios e questões políticas

Por via destes critérios, é óbvio que Moçambique tinha “cabedal” suficiente para merecer um II Compacto. Tanto mais que conseguiu ter uma execução financeira do I Compacto fixada em 92 por cento pois, dos 506 milhões de dólares que o governo americano concedeu, gastou entre 470 e 480 milhões de dólares.

Por outro lado, o MCC impunha que as obras inacabadas até ao dia 22 de Setembro deste ano deviam ser terminadas com recurso aos fundos do governo. Com efeito, havia estradas por concluir, nomeadamente os troços rio Ligonha-Cidade de Nampula e Namialo-rio Lúrio, e o sistema de abastecimento de água da cidade de Nampula.

Sem pestanejar, o governo aprovou um Orçamento Rectificativo e injectou cerca de 305 milhões de meticais e os troços estão acabadinhos, com uma excelente qualidade do piso, assim como foram concluídos com êxito os testes e a calibragem o sistema de fornecimento de água de Nampula.  

Porém, o governo norte-americano, através do MCC, refere num parágrafo localizado algures no meio da segunda página que “ao escolher ou seleccionar novamente os países parceiros, o conselho também considera informações complementares para avaliar as questões ou acontecimentos recentes que podem não ter sido capturados pelos cartões de pontuação” e é aqui onde parece residir o nosso Calcanhar de Aquiles.

É que, o país tem estado a enfrentar uma agonizante tensão político-militar, com tiros aqui e acolá, com mortes à mistura, os resultados das eleições autárquicas tiveram algum burburinho levantado pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e há um certo nervosismo no seio dos parceiros de cooperação sobre o futuro político do país, tendo em conta a expectativa que se está a agudizar sobre quem será o sucessor do Chefe do Estado.

Fontes bem colocadas ao nível diplomático referem, em “voz baixa”, que o MCC ter-se-á sustentado em informações repassadas a partir de Maputo para Washington (capital norte-americana), quase ao estilo “Wikileaks”, segundo as quais o governo moçambicano não possui uma estratégia de priorização de uso de fundos públicos, o que é sustentado pela polémica em torno da aquisição de barcos para a protecção marítima, cabotagem e pesca do atum. 

 

Jorge Rungo

jrungo@gmail.com

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