O transporte de carvão vegetal e de lenha está a ser submetido a uma maior fiscalização, com ênfase nos acessos às cidades de Maputo, Beira e Nampula, devido ao aumento exponencial do número de transportadores e comerciantes ilegais deste combustível. Entre outros, pretende-se controlar este negócio que coloca o país como o quarto maior produtor do mundo.
Dados colhidos junto de Cláudio Afonso, chefe de departamento na Direcção Nacional de Floresta Nativa e Indústria (DNFNI), indicam que esta entidade apercebeu-se, em finais do ano passado, da existência de um número expressivo de operadores ilegais e de declarações e guias de trânsito falsificadas.
“Observámos um aumento anormal do número de transportadores e de comerciantes de carvão e lenha, e que a maior parte destes apresenta declarações falsas nas quais indicam, por exemplo, que estão em poder de 100 sacos ou esteres quando, na verdade, possuem 500”, disse Cláudio Afonso.
Perante esta realidade, o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER), a que se subordina aquela direcção nacional, orientou a recém-criada Agência Nacional de Qualidade Ambiental (AQUA), especializada na fiscalização, para avançar com medidas concretas para devolver a normalidade ao negócio através de medidas concretas.
Para além do elevado número de operadores e da circulação de guias falsificadas, Cláudio Afonso disse que foi detectada a movimentação de grandes volumes de carvão e lenha sem licença. “Por causa disso, foi emitida uma ordem expressa para que se aprimorem as medidas de fiscalização em todos os postos fixos e móveis, assim como nos serviços florestais onde se emitem as licenças e guias”.
Como resultado do estabelecimento desta decisão, associado à ocorrência de chuva em regime moderado e forte um pouco por todo o país, o preço do carvão vegetal registou aumentos significativos nos principais centros urbanos, com destaque para Maputo, onde um saco já é vendido a mais de 1700 meticais.
Mas, mais do que ter um controlo deste negócio, o MITADER pretende afastar o país do topo da lista de maiores produtores de carvão vegetal do mundo, onde ocupa a quarta posição, com cerca de 20 milhões de metros cúbicos de madeira usada para a produção deste recurso por ano, o que lhe faz ombrear com a Índia, China, Brasil, Nigéria, Etiópia e Egipto.“Estamos preocupados com esta posição que ocupamos, mesmo sendo um país onde é proibido exportar, porque se abríssemos essa possibilidade, a situação seria muito mais grave”, disse, para depois acrescentar que “é preciso estimular o uso de fontes energéticas alternativas ao carvão e à lenha para se reduzir a pressão sobre as florestas”.
Tais fontes alternativas podem ser fogões que funcionam a petróleo, gás de cozinha ou natural, etanol que apresentam rendimentos maiores a um custo inferior ao do carvão vegetal. Por outro lado, sabe-se que existem experiências de produção sustentável de carvão vegetal em fornos modernos capazes de produzir 90 por cento de carvão contra 35 dos fornos tradicionais.
Uma dessas experiências foi lançada pelo Governo através do Fundo Nacional de Energia em parceira com a Agência de Desenvolvimento Económico Local (ADEL), no distrito de Dondo, em Sofala, da qual ficou provado que era possível reduzir a actual pressão sobre a floresta.
Trata-se de uma acção na qual produtores de carvão de vários pontos do país foram submetidos a treinamento sobre o uso dos referidos fornos modernos denominados “Casamança”, altamente vantajosos, particularmente em termos de poupança de carvão.
Conforme ficou ali patente, na produção tradicional do carvão perde-se muito tempo e o rendimento económico é relativamente baixo. Além disso, há mais riscos ambientais resultantes da exploração desordenada da madeira e estacas que poderiam servir para outros fins, incluindo a construção de casas.
NÚMERO REDUZIDO DE FISCAIS
Segundo apurámos, durante o ano em todo o país, foi licenciado cerca de um milhão de sacos de carvão e 91 mil esteres de lenha, sendo as províncias de Gaza, Inhambane, Sofala e província de Maputo as que tiveram maiores licenciamentos.
Cláudio Afonso disse que naquele período a província de Maputo escoou 39.989 sacos de carvão para a cidade de Maputo, enquanto a província de Gaza chegou a 229.860 e Inhambane enviou para a capital 16.360 sacos. “A maior parte deste carvão veio para Maputo, que é o maior consumidor e onde as necessidades podem atingir 600 mil sacos por mês”, adiantou Cláudio.
Cláudio Afonso enalteceu o facto de, também no ano passado, ter recebido algumas denúncias de exploração e escoamento ilegal de carvão vegetal na província de Gaza. Por isso, apertou-se o cerco naquela província e em Inhambane, com vista a garantir que só os operadores legais entrem neste processo e, deste modo, incrementar as receitas do sector de florestas.
“Acreditamos que o excesso de chuvas e o aperto que estamos a fazer podem estar a influenciar a subida do preço do carvão, mas também é importante ressaltar que a produção de carvão vegetal, por si só, nunca vai responder às necessidades domésticas. É preciso ter outras fontes alternativas que é para nós podermos garantir a sustentabilidade do recurso florestal”, destacou a nossa fonte.
Cláudio Afonso repisou que enquanto se estimula o uso de combustíveis alternativos ao carvão vegetal e à lenha, será mantido o controlo cerrado aos transportadores e comerciantes, actividade para a qual os fiscais são chamados a redobrar o seu esforço nas estradas e nos locais de exploração para garantir que apenas os operadores licenciados tenham acesso àqueles recursos.
“É verdade que o sector é chamado a suprir as necessidades que o país tem em termos energéticos, mas também temos o desafio de melhorar a exploração dos nossos recursos até porque as florestas desempenham um papel fundamental no planeta”, disse.Segundo conta, um dos entraves da fiscalização é o facto de existirem apenas 600 fiscais, número que é visivelmente exíguo para responder às demandas do sector, pois, para além de lenha e carvão, estes mesmos fiscais velam por outros recursos como a madeira e materiais de construção.
Aliás, à falta de fiscais acrescem-se debilidades que incluem a falta de um sistema nacional de fiscalização e fraca organização dos serviços de fiscalização para a promoção e realização, com eficácia, de todas as actividades de fiscalização, nomeadamente, a prevenção, detecção e combate de actividades ilegais no sector.
Um estudo feito por Adolfo Bila, renomado professor de engenharia florestal da Universidade Eduardo Mondlane, em 2005, já evidenciava a falta de recursos humanos e materiais, em qualidade e quantidade adequadas para o desenvolvimento da fiscalização, fenómeno que se arrasta até aos dias de hoje.
Naquele estudo, que, como referimos, continua válido até ao presente, pode-se constatar, entre outros, que o sector de fiscalização enferma de baixos salários e falta de estímulos e também de punições adequadas para que os fiscais se envolvam em casos de corrupção. “Há também medo, falta de poder, pouca confiança ou excesso de zelo dos fiscais no relacionamento com operadores”.
DESMATAM-SE 220 MIL HECTARES POR ANOA preocupação do MITADER em relação à produção de carvão e lenha também tem a ver com a existência de vários estudos que demonstram que estas práticas, associadas à agricultura itinerante, concorrem para o desmatamento de grandes porções de terra no país.
A título de exemplo, a Estratégia Nacional para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, Conservação de Florestas e Aumento de Reservas de Carbono Através de Florestas (REDD+) aponta que a agricultura itinerante é responsável por 65 por cento do desmatamento, seguida da expansão urbana e infra-estruturas, com 12 por cento, exploração dos produtos florestais, com oito por cento, e a produção de lenha e carvão sete por cento.
Segundo um estudo divulgado recentemente, da autoria de Rosalina Chavana, do Instituto de Investigação Agrária de Moçambique (IIAM), para o caso de Moçambique, o cenário é preocupante, porque apenas dois por cento da produção de carvão vegetal são regulados pelo Estado e a remanescente produção está fora do controlo.
Sem, no entanto, avançar dados em termos de volume, o estudo em causa concluiu que conduz à extracção de cerca de 700 milhões de dólares anuais de madeira por ano para a produção daquela fonte de energia de biomassa.
Como recomendação, a pesquisa defende que o Governo moçambicano deve estabelecer um volume de plantio de árvores para fins energéticos, por forma a garantir o equilíbrio ecológico e exploração sustentável da cadeia de valor de carvão vegetal.
Esta informação coincide com a que nos foi passada por Cláudio Afonso, o qual afirmou que “em muitos países já se proíbe a produção de carvão a partir de espécies nativas. Temos de ter plantações para efeitos alternativos à energia de biomassa”.
Perante a crescente escassez de carvão vegetal muitas famílias estão a retomar o hábito de utilizar a lenha, o que faz com que seja comum o tráfego de camiões-cavalo carregados de grandes quantidades deste recurso, cujo controlo parece escapar às autoridades.
Cláudio Afonso afirma que aquela lenha é levada à cidade de Maputo a partir da província de Inhambane. Segundo disse, trata-se de uma espécie madeireira alistada no Regulamento de Lei de Florestas e Fauna Bravia, porém carece da autorização dos serviços provinciais para ser explorada.
Texto de Angelina Mahumane