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“Estas eleições serão exemplares”

Por admin

Texto de Alfredo Dacala e Fotos de António Luís

O advogado e docente universitário radicado na Beira, Vicente Manjate, afirma que as eleições do próximo dia 15 de Outubro "serão exemplares" em todos os sentidos. "Penso que, felizmente, desta vez, poderemos ter resultados que nenhum dos partidos poderá contestar. Porque até aqui, nenhum dos partidos tem estado a reivindicar viciação dos resultados de recenseamento, nenhum dos partidos, até aqui, tem estado a reivindicar adulteração dos cadernos eleitorais.

Todos os principais partidos fazem parte dos órgãos de administração eleitoral e tem havido uma adesão massiva de observadores nacionais e internacionais para a fiscalização do processo", argumentou. Siga a entrevista em discurso directo.

Fora dos discursos políticos, como vês estas eleições aqui na Beira e em todo o país?

Eu vejo em dois sentidos. O primeiro sentido é que se verifica que há algum ascendente em termos de maturidade política, de consciência política e patriótica no sentido de os discursos estarem mais imbuídos de mensagem de paz, mensagem de desenvolvimento, mensagem de mudança, e mensagens mais reconciliatórias. Isso, quanto a mim, é positivo.

Nenhum dos candidatos até aqui tem estado a falar mal do outro, de forma pejorativa, de forma muito agressiva. Cada um, ou cada partido, tem estado a difundir ou a divulgar aquilo que é o seu manifesto e aquilo são as suas visões e ideais no que diz respeito à construção da pátria. Isto também é positivo.

Noutro sentido, vejo que há algum aproveitamento da situação recentemente terminada das hostilidades, um aproveitamento, que pode não ser muito bom. Porque alguns candidatos continuam a recordar-nos, no seu discurso, as tristezas por que o país passou nos tempos mais recentes. Isso pode manchar um pouco este momento de festa, pois essas mensagens fazem-nos lembrar sempre as perdas humanas que nós tivemos recentemente. Isso certamente que não é bom. É importante que se mude um pouco esse tipo de discurso. As hostilidades já foram todas elas amnistiadas e já é tempo de nos esquecermos disso e pensarmos no futuro do país, que é o desenvolvimento, que é a produção, que é a criação de riqueza e a unidade nacional. Que é a reconciliação nacional, que é tudo isso que nós queremos,  e a confiança que tem de ser construída entre os moçambicanos.

Alguns dizem que com a entrada em cena da Renamo e de Afonso Dhlakama, o MDM pode perder alguma força aqui em Sofala, concretamente aqui na cidade da Beira? Qual é o seu comentário?

Vejo um processo eleitoral muito concorrido e muito difícil para os três principais partidos políticos nesta cidade e nesta província. Antevejo já uma disputa política muito grande entre a Renamo e o MDM, porquanto há indícios e rumores de estarem a disputar membros e simpatizantes. A Renamo reivindica que o MDM ter-se-ia aproveitado da crise que teve para ficar com os seus membros. Estando agora a Renamo a reestruturar-se, reivindica, se quisermos, a devolução desses membros e simpatizantes. Há aqui uma disputa em termos de protagonismo entre os dois partidos. Certamente que, sendo claro que a Frelimo já tem o seu eleitorado e tem estado a mantê-lo e a aumentá-lo nos últimos pleitos, haverá uma divisão, uma disputa de eleitorado entre o MDM e a Renamo, porque este eleitorado é o mesmo, a composição é a mesma, enquanto o da Frelimo tem estado a aumentar.

Então esta disputa do eleitorado entre o MDM e a Renamo vai favorecer a Frelimo. Se eventualmente a Renamo e o MDM fossem partidos consistentes, com alguma visão em termos daquilo que seria um projecto político, provavelmente teriam feito alguma coligação para aproveitar as sinergias que têm. Ou seja, somos adversários, mas nos podemos unir contra um adversário comum. Aí, poderiam, eventualmente, numa estratégica deste tipo, terem um melhor posicionamento político face à Frelimo. Assim como estão, claramente vão beneficiar em larga medida a Frelimo.

E também há um outro aspecto no que diz respeito à cidade da Beira. A má governação municipal que tem estado a verificar-se nos últimos tempos, que se traduz, na verdade, no abandono da cidade por parte do Município, está a trazer vantagens políticas muito grandes para a Frelimo. Já se pode antever que nas próximas eleições autárquicas a Frelimo possa recuperar a cidade da Beira e o Município. O Daviz abandonou a cidade da Beira, claramente.

XADREZ NO PARLAMENTO

Que xadrez político nacional teríamos no Parlamento, numa situação em que a Frelimo ficasse com uma maioria simples contra a actual maioria absoluta?

Em primeiro lugar não tenho muitas bases para acreditar nos resultados desse género. Não acredito muito nesses resultados, porque pelo trabalho que tem estado a ser feito e tem sido visível nos últimos tempos, não é expectável que a Frelimo tenha menos de 70 por cento de votos, analisando aquilo que tem sido feito por cada um dos partidos. Imaginando que seja, por hipótese, verdade e previsível que tenha apenas uma maioria simples, acredito que isso reforçaria a democracia, reforçaria o diálogo político, certamente. Porque haveria espaço para haver concessões recíprocas entre os partidos representados na Assembleia da República. Porém, seria perigoso, por exemplo, se, nessa hipótese, os dois principais partidos da oposição decidissem boicotar a estratégia de governação. Seria perigoso porque podia emperrar todo um processo democrático e o desenvolvimento do país já construídos, apenas para sabotar a estratégia da Frelimo. E não sei se isso seria bom. Porque podem emperrar a governação, pura e simplesmente para poderem sabotar o partido Frelimo. Isso não seria bom para o país, sobretudo se nós assumirmos que nem todos os partidos políticos tem um projecto nacional de desenvolvimento, um projecto para o país, então essa divisão de resultados pode ser perigosa.

E num cenário em que a oposição ganhasse as legislativas? Será que a Frelimo reconheceria esses resultados?

Eu não acredito, para ser sincero e honesto, que o partido agora no poder não reconheça esses resultados. Se, por hipótese, porque não me ocorre que isso possa acontecer, mas em termos hipotéticos, se, por exemplo, a Frelimo não vencer as eleições, não acredito que não reconheça os resultados. Porque a Frelimo tem sido exemplo dos processos democráticos. Aliás, todos os outros partidos em Moçambique, têm seguido o modelo de democracia interna da Frelimo. Quem sabe se, nessa hipótese de a Frelimo não vencer as eleições, não ter a maioria no Parlamento, poderia ser um cenário que fortificasse o processo democrático? E o reconhecimento dos resultados por parte da Frelimo, seria um exemplo claro de que é um partido democrático e que está mais interessado no desenvolvimento do país do que na sua própria manutenção no poder.

ENTRADA DE AFONSO DHLAKAMA

Antes da entrada de Afonso Dhlakama na campanha, alguns analistas aventavam a hipótese de uma segunda volta nas presidenciais entre Filipe Nyusi e Daviz Simango. Qual é o seu comentário?

Em termos irónicos, o que eu posso dizer é que pode haver uma segunda volta para sabermos quem ficou em segundo e em terceiro. Para saber, entre Afonso Dhlakama e Daviz Simango, quem terá ficado em segundo. Se a lei permitisse isso, haveria apenas uma situação de segunda volta entre eles.

Acha que Afonso Dhlakama está em condições de vencer ou de se manter como líder de oposição, depois deste atraso de arranque na campanha eleitoral?

O líder da Renamo tem admiradores históricos. Tem o seu eleitorado histórico e não é um eleitorado emocionado, como acontece com o de Daviz Simango. O eleitorado de Daviz Simango é emocionado. Algumas pessoas, que não tiveram alternativa, depois de Afonso Dhlakama ter seguido uma via que para essas pessoas não era a mais correcta, foram juntar-se ao Daviz. Mas o líder da Renamo voltou a mostrar que está interessado no processo democrático, então essas pessoas começam a pensar que o melhor é voltarem para a Renamo.

Mas se diz que Daviz Simango aglutina muita juventude à sua volta e não parece ser o caso da Renamo…

 Esta questão da juventude e Daviz Simango não é tão linear. Porque os jovens pensam no seu futuro e no futuro dos seus filhos. Ainda não foi apresentado por Daviz Simango um projecto político para este país, nem um projecto de desenvolvimento para este país. Não transmite confiança de uma governação que possa ser alternativa. Também não me parece que Daviz Simango seja mais jovem que Filipe Nyusi. E nos próprios manifestos e nos discursos dos dois verifica-se claramente a consistência do projecto de um e a inconsistência do projecto de governação de outro.

O que tem estado a acontecer com o MDM é recrutar de forma esporádica, não criteriosa, alguns jovens e utilizá-los como cavalo de batalha para este processo eleitoral. Isso não é um projecto para o país. Não é isso que o país pretende. Não há continuidade. Os que há cinco anos foram usados nesses processos foram descartados e hoje foram buscar novas estrelas. Não acredito que os jovens tenham confiança neste tipo de situações. Não há um projecto de renovação, de continuidade, diferentemente do que temos estado a ver no processo de transição entre o Presidente Armando Guebuza e o candidato Filipe Nyusi. Aqui há uma consistência.

Na Frelimo, os números nas listas internas para a eleição de deputados têm percentagens de juventude, o que não está claramente definido noutros partidos. Isso de juventude é preciso ser visto com muita atenção. A juventude tem mais possibilidade e confiança em poder sentir-se representada no Partido Frelimo que tem critérios definidos sobre representatividade do que noutro partido em que é a vontade do próprio líder que impera e que diz, este jovem entra e outro não entra, mas sem um critério definido. E isso pode ser mau, se algum dia esse candidato vencer as eleições, porque assim será a sua governação do país. As suas escolhas de governantes seriam menos criteriosas.

Discursos dissonantes

O que acha do conteúdo dos discursos políticos que têm estado a ser proferidos nesta campanha eleitoral?

O discurso é resultado de valores, princípios e ideais. O discurso tem por base os valores, os princípios e os ideais, que devem consubstanciar o projecto político desse candidato. Veja que no âmbito da campanha, quando assistimos aos tempos de antena dos partidos, os partidos da oposição tem um discurso diferente em cada uma das províncias, em cada um dos distritos. Não há uma lógica discursiva, uma uniformidade. Se verificarmos as mensagens que têm estado a circular, mesmo nas redes sociais, há muita disparidade. Alguém promete construir estradas e outro uma linha férrea de Maputo a Pemba. Outro aumentar salários. Não se está a falar deste país. Não é realístico.

Mas olhando para o discurso do candidato Filipe Jacinto Nyusi, vejo-o como positivo e saliento o facto de ele não estar a falar, a pronunciar-se sobre os defeitos nem do seu antecessor, Armando Guebuza, apontando por exemplo, o que ele fez de errado ou deixou de fazer ou ainda o que devia ter feito bem, e nem dos outros candidatos. Ele está com um discurso mais virado para o futuro. Mais virado para aquilo que todos nós podemos fazer para desenvolver o país. Acho que isso torna este processo eleitoral muito peculiar, porque já não estamos preocupados com os erros do passado ou com os erros dos outros ou do que os outros não podem fazer. Ele está a convidar os moçambicanos para se juntarem para uma e única causa, que é o desenvolvimento e a unidade nacional.

O discurso de Daviz Simango penso que continua um tanto ou quanto controverso e a um nível um pouco abaixo do discurso de Filipe Nyusi. Porque quando chama os outros de "malucos", "os malucos já passaram por aqui", qual é o seu ganho? O que é que isso traz de bom para o país em termos de desenvolvimento? Não traz nada. Prometer que vai construir pontes, vai trazer mais medicamentos, sem dizer como, isso é um discurso populista. Dizer que os outros é que promoveram a guerra, isso não traz desenvolvimento. Não está a ser um discurso que nos leva à reconciliação. Não está a ser um discurso que traga confiança, que nos permita escolher.

Então, temos uma situação assim: temos um que só agora começou a falar (Afonso Dhlakama). Temos outro (Filipe Nyusi) que fala mais e convida-nos a todos para estarmos engajados na mesma causa que é o desenvolvimento. É como se nos dissesse que, independentemente de quem vencer as eleições, estejamos unidos para a mesma causa. E finalmente, temos um terceiro (Daviz Simango) que diz que o primeiro e o segundo são malucos porque promoveram a guerra, então votem em mim.

"Nenhum partido vai contestar os resultados"

Será que os resultados que saírem destas eleições serão aceites por todos? Não se vai voltar a ouvir o discurso da fraude?

Penso que, felizmente, desta vez poderemos ter resultados que nenhum dos partidos poderá contestar. Porque até aqui, nenhum dos partidos têm estado a reivindicar viciação dos resultados de recenseamento, nenhum dos partidos, até aqui, têm estado a reivindicar adulteração dos cadernos eleitorais. Todos os principais partidos fazem parte dos órgãos de administração eleitoral e têm estado a haver uma adesão massiva de observadores nacionais e internacionais para a fiscalização do processo. Outro dado é o facto de ter sido aprovada e promulgada a lei que dita a cessação das hostilidades e a reconciliação nacional, o que significa que nenhum dos principais intervenientes políticos tem interesse em retardar o processo de democratização. Acho que teremos eleições exemplares.

Tendo em conta os anteriores pleitos, as últimas semanas são normalmente de alguma violência. E já houve casos no Niassa, aqui em Sofala e esta semana em Gaza. Que comentário faz sobre este processo?

Penso que não vai haver grande violência. Aumentou a consciência cívica e política dos cidadãos. Verificou-se alguma mudança em termos de estratégia de angariação de votos por parte dos partidos. Os partidos estão mais empenhados na estratégia da campanha porta-a-porta o que reduz a aglomeração de pessoas e a possibilidade de violência. É verdade que maior atenção poderá ser dada aos últimos dias da campanha, mas se até aqui, estamos na terceira semana, e a campanha tem sido pacífica, espero que poderá continuar assim, uma vez que os actores estão sensibilizados para evitarem a violência.

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