O antigo Presidente da República, Joaquim Chissano, lamentou, durante a sua estada recente no Malawi, o facto de a Renamo, principal partido da oposição em Moçambique, e antigo movimento rebelde insistir na retórica da fraude, como forma de forçar o Governo a ceder naquilo que em eleições democráticas a “perdiz” não consegue fazer: vencê-las e formar governo. “Quando eles vem agora no fim das eleições, dizer que houve fraude massiva, que dá uma diferença tão grande entre o vencedor e o vencido, eles próprios não acreditam no que dizem”, disse o antigo estadista moçambicano.
Chissano descreveu a Renamo como um partido que tem conhecido fracassos e que luta pela sobrevivência, recorrendo a acções teatrais para ganhar alguma audiência.Eis a entrevista na íntegra com Joaquim Chissano, em discurso directo, no estilo pergunta-resposta:
Excelência, por experiência própria, conhece os contornos das eleições moçambicanas. Em 1994 e em 1999 participou no processo. Mas a questão é a seguinte: a Renamo nunca aceitou os resultados eleitorais e desta vez, 2014, também diz que não as aceita. Que leitura é que faz deste comportamento da Renamo?
Bom, eu penso que é uma atitude para a sobrevivência de um partido que tem conhecido fracassose que corria o risco de ser suplantado. Eu também vejo que houve umas acções teatrais para poder reganhar alguma audiência, algum prestígio que pudesse justificar os resultados que eles tiveram agora, que foram bons comparados com os dois últimos pleitos, onde chegaram a perder mais de trinta lugares no Parlamento.
Agora parece terem recuperado pelo menos esses trinta lugares por causa deste golpe de teatroque eles fizeram para aparecerem como vítimas, como se fossem condescendentes, flexíveis, etc. É como provocar um barulho, uma agitação para depois vir a acalmar essa agitação, deixando transparecer que não foi o causador dessa agitação e levando as pessoas que não conseguem compreender o que não vêem, a pensarem que esses são homens de paz.
Porque nós vimos como a Renamo estava a preparar os seus quartéis anunciados pelo líder da Renamo e isso levou o Governo a tomar precauções para não reagir tarde, quando as coisas estivessem muito mal, sobretudo com aqueles primeiros ataques ao posto policial de Muxùngué e a outros alvos que não podem ser completamente defendidos.
Era preciso defender o povo dos ataques da Renamo…
Devo dizer que foi com algum sucesso que o Governo fez isso, porque a Renamo sempre teve homens armados, treinados, desmobilizados e que foram depois reequipados, e nesse contexto não dependia de pessoas a serem treinadas de raiz ou por treinar.
Atacam um autocarro, atacam um camião carregado de mobília pertencente a uma senhora, portanto, é muito fácil, mas tudo isto cria pânico e desordem, como fizeram sempre.
E assim iam perdendo credibilidade e perderam maior credibilidade durante o processo eleitoral, porque eles declararam que desta vez seria impossível o Governo roubar-lhes os votos ou fazer fraude porque estavam bem organizados, tudo o que eles tinham exigido foi cumprido e isso fez com eles aparecessem como um partido forte que podia impor a sua vontade ao Governo.
Conseguiram fazer parte da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e até conseguiram fazer parte do próprio STAE, o que é raro encontrar noutros países, um STAE partidarizado, porque a administração das eleições pertence a um órgão do Estado. Mas aqui foi tudo dado à Renamo para que houvesse maior transparência. E mais do que isso seria quase impossível.
Eles estiveram em número suficiente nos órgãos eleitorais e eles próprios ficaram satisfeitos com isso que acabaram declarando que iam ganhar as eleições, porque essas condições todas que eles exigiram estavam criadas.
Discurso da Renamo é uma farsa
Mas mesmo assim a Renamo alega que houve fraude massiva nas eleições…
Quando eles vem agora no fim das eleições dizer que houve fraude massiva que dá uma diferença tão grande entre o vencedor e o vencido, eles próprios não acreditam no que dizem. De facto porque não é possível que sejam tão cegos para serem enganados dessa forma(risos). Portanto, eles sabem que perderam, acreditam que perderam, mas procuram sair fora para limpar a cara, para aparecerem vítimas de novo, que é para as pessoas irem implorar para que eles não façam mal a ninguém e etc, etc. Porque eles estão sempre habituados a ver gente que vai lá sempre agarrar-lhes pelo braço ou pelo ombro, e dizer-lhes: “faça favor, não façam isso”. Então tornam-se assim importantes. Então, esse é o objectivo de toda esta farsa que estão a fazer, numa tentativa de voltarem a ter credibilidade, porque afinal de contas eles são um partido político e devem falar e tudo o que disserem deve continuar a ter alguma credibilidade.
E infelizmente há muita gente que não faz essas análises e aumenta essa propensão da Renamo de recorrer à intimidação para ganhar o que quer, mesmo utilizando armas e isso tem que acabar.
Eles vão exigir mais coisas…
E ainda, excelência, há o processo do fim das hostilidades que ainda não acabou…
Sim, agora há o desarmamento que é preciso fazer. Não sei o que mais vão exigir antes do desarmamento, mas vão exigir sempre qualquer coisa, mais do que aquilo que foi negociado.
Exigiram a presença de estrangeiros, estão aí os estrangeiros. Por isso, no fundo são tácticas que vão usando para não sucumbirem.
E agora, o que o Governo deve fazer?
Bom, eu devo dizer que o Governo deve manter a sua atitude, de continuar com o diálogo, mesmo sabendo dessas coisas todas. O que nós queremos é evitar quaisquer baixas entre a população ou nas propriedades da população e do próprio Estado, porque a propriedade do Estado é propriedade da população e a Renamo quando destrói essas coisas não se lembra de que são os impostos das pessoas que construíram que é para o bem dos seus próprios filhos.
Muita gente da Renamo orgulha-se de ter feito cursos, mas estudou nas universidades do Estado ou mesmo nas universidades privadas que são possibilitadas pela governação que existe no país. Mas eles esquecem-se de tudo isso.
Esquecem-se que comem porque há camponeses que produzem e são estes camponeses que são mortos. Há camionistas que transportam produtos de um lado para outro, levam material de construção, carregam material para a construção de estradas que muitas vezes ficam paralisadas porque há esses ataques. Portanto, é esta a minha leitura sobre a atitude da Renamo. Querem sobreviver. Creio que o Governo deve tentar encontrar soluções para que eles realmente sobrevivam, sobretudo politicamente, mas também economicamente. É isso que eles precisam.
Mas não sei se estou a ler bem. Pode ser que eles tenham outros objectivos e insistam em tomar o poder à força ou para que se lhes dê o poder de bandeja, porque enfim ameaçam muito mais que aquilo. Mas o líder da Renamo disse que era absurdo haver um Governo de Unidade Nacional, mas vê um Governo de Gestão, que eu não sei o que ele quer dizer com um Governo de Gestão. Ele deverá explicar bem o que quer dizer com isso. Mas tudo indica que ele quer um lugar de qualquer forma. Quer dizer… sabe que perdeu, mas é como quem diz: faça qualquer coisa por mim, porque esta é a quinta vez que não consigo entrar no poder. ( risos).
Avelino Mucavele, em Blintyre