A agricultura é um tema inesgotável e polémico, provocando sempre que é tratado acesos debates. É que os moçambicanos não são indiferentes na busca de explicações sobre o porquê é que não produzimos o suficiente para nos alimentarmos e sobre o porquê é que ciclicamente aqui e acolá temos bolsas de fome.
Esta semana por exemplo, as televisões deram destaque ao facto de haver uma bolsa de fome em Mossuril, em Nampula, pois a mandioca que é a base alimentar daquela população actualmente rareia por ali. A chuva fez das suas no início do ano, por isso não houve produção suficiente para agora alimentar as pessoas.
Vamos falar hoje sobre estas e outras doenças de que o sector enferma, com maior destaque sobre a produção e os produtores, e também sobre os intermediários que sugam o sangue dos produtores e dos consumidores.
Comecemos pelos intermediários. Semana passada publicamos neste jornal o que se passa no mercado Zimpeto, em Maputo. Dissemos que ali funciona um esquema ilegal de fixação de preços, conhecido por "voto", que impede praticamente os produtores nacionais de fixar os preços que querem para os seus próprios produtos. “Quem determina quanto deve custar a cebola, o tomate, couve, repolho, batata reno, entre outros, é uma gang de intermediários que ganham uma pipa de massa com esta atitude e deixam o produtor moçambicano com uma ninharia. Na verdade, o que se faz por ali, é aldrabar o produtor e o consumidor. É um “voto” viciado que não presta para nada!”, escrevemos.
Em relação a este assunto, de facto, não se percebe muito bem porque estas gangs ainda são toleradas e continuam a meter a colher num assunto que devia ser apenas entre o produtor e o consumidor final. É que não há direito de ser o intermediário, que nem transpira nem respirta para cultivar (produtor) e nem sua a trabalhar para arranjar dinheiro para adquirir os produtos (consumidor), a ficar com a parte do leão. Mas paradoxalmente é este que mantém reféns os dois principais intervenientes nesta transação. Ficando no meio, ele rouba descaradamente a ambos, sem que estes possam fazer alguma. Aqueles intermediários vivem descaradamente da parasitice e do suor alheio.
A doença da produção. Há semanas publicámos também aqui neste jornal uma extensa entrevista com o director nacional da extensão rural e lhe colocamos uma série de questões relacionadas com a produção e produtividade agrícolas.
À pergunta, se ele achava que estamos a trabalhar adequadamente a terra ou o que deve ser feito para trabalhá-la adequadamente, respondeu que isso ainda não está a acontecer devido a vários factores: “grande parte da nossa agricultura é feita manualmente. Precisamos de mecanizar a nossa agricultura em toda a sua cadeia de valor. Precisamos de ter os serviços técnicos de apoio, nomeadamente, laboratórios, centros de pesquisa cada vez mais próximos do produtor. Precisamos de mais extensionistas para alargar a nossa cobertura em assistência técnica. É necessário cada vez mais infra-estruturas de apoio à produção. Deve haver mais tecnologias e cada vez mais acessíveis ao produtor. Deve haver disponibilidade atempada de insumos e factores de produção: sementes, pesticidas, crédito, mercados justos, comercialização, etc.”
Então, quando quisemos saber sobre outras razões que levavam o país a não produzir suficiente comida para nos alimentarmos e também exportar, mesmo com extensas áreas agrícolas e com bastantes solos férteis respondeu: “Existem vários factores internos e externos ao problema que me coloca. Dentre os factores internos estão os seguintes: ainda precisamos de desenvolver tecnologias adequadas e apropriadas e sobretudo acessíveis para o produtor produzir de maneira competitiva; temos que criar um sistema de mercados de insumos e de factores de produção funcional. Nos factores externos, temos que endereçar vários outros factores na cadeia de valor: pós-colheita, processamento, preço justo. Financiamento: a maioria dos produtores são pobres e não se pode fazer agricultura rentável sem investimento, sem financiamento. Comercialização: ainda é um desafio; a falta de um sistema de comercialização pode ser um factor negativo e desmotivador para os produtores. Infra-estruturas: faltam estradas, armazéns, silos, energia, transportes, etc”.
Quando lhe pedimos que aprofundasse mais este assunto sobre os problemas que persistem na cadeia de valor: produção, transformação, transporte, comercialização, a resposta foi suscita: “na produção, as tecnologias são pouco adequadas ou inacessíveis, por isso há baixa produtividade. Na transformação, a indústria actual de transformação está virada para as culturas tradicionais de rendimento, caju algodão e copra, e não para as alimentares e emergentes. Exemplo gergelim. Há pouca pesquisa científica sobre a matéria agrícola. No transporte, o sistema de transporte não favorece o pequeno e médio produtor. Os preços penalizam o produtor. Na comercialização, o sistema está nas mãos de intermediários. Falta um sistema de tipo Instituto de Cereais de Moçambique (ICM)”.
Como se pode depreender as razoes são diversas e complexas, mas parece-nos que o grande responsável é mesmo o próprio Ministério da Agricultura, ministério que deveria funcionar na vanguarda do Estado, por outras palavras, na linha da frente do desenvolvimento.
Verificamos que cada vez que entra um ministro, acontece uma revolução nos quadros daquele ministério. Fundem-se direcções e serviços, mudam-se quadros daqui para ali, entra-se em roda-viva de lufa-lufa, gastam-se energias, tudo se movimenta, mas em círculo, de maneira que, correndo, chega-se a lado nenhum, mas sua-se muito. Baralha-se e dá-se de novo, para baralhar e tornar a dar.
Talvez seja o Ministério da Agricultura aquele que tem funcionários mais credenciados, com mais diplomas e mais pergaminhos, mas os resultados não aparecem muito visíveis no terreno.
Falta uma política agrícola dotada de realismo, que trabalhe por objectivos bem concretos, que analise, com rigor, o seu desempenho em função dos resultados conseguidos.
A assistência ao camponês é ainda insuficiente. Não se lhe proporcionam condições estruturais que lhe permitam progredir, como, por exemplo, canais para a irrigação a partir de rios que os temos em abundância, em vez de estarmos sempre à espera da chuva. Faltam alfaias agrícolas e sementes e educação voltada para a produção agrícola.
Em nossa modesta opinião, e não apenas nossa, alguns estudos apontam também para o mesmo sentido, o Ministério da Agricultura necessita, como de pão para a boca, de uma reforma de alto a baixo, porque quadros não lhes faltam. O que é preciso é pô-los a funcionar dentro de um plano e programa que tenha em mente a solução de problemas concretos, partindo das necessidades do povo moçambicano.
Talvez seja de enviar para os distritos muitos dos quadros que se passeiam pelas repartições a nível central. Esta preocupação, a nosso ver, deve ser realizada em campanha e enquadrada por uma mentalidade de reforma agrária.
É que não há direito que não consigamos, pelo menos, acabar com a fome, em pouco tempo, usando os nossos recursos, que são tantos e tamanhos. É claro que precisamos de formar o produtor, precisamos de mais extensionistas, precisamos de know how, precisamos de mecanizar a agrícola, tudo isso se pode fazer quando pensando chão-chão, não apenas em extensos relatórios, quase teses de natureza teórica, sem qualquer aplicação no terreno prático. Devemos pensar o país como ele é, não com base em modelos implementados noutras esferas e pensar que servem à força para o nosso contexto!
Sublinhamos: somos um país agrícola com terra fértil para dar e vender. A única condição para que esta terra se desentranhe em frutos abundantes é trabalhá-la adequadamente. O trabalho é a causa eficiente da produção e quem trabalha é o homem, significando estas palavras tão simples que há que investir no homem. Preparar-lhe a cabeça para que seja capaz de transformar a natureza a seu favor. Saberá, depois, procurar o capital e a tecnologia.
Vale a pena reflectir nestes dados tão simples, para deles extrair as conclusões que se impõem em termos de uma política de boa governação.
Com uma política baseada na metodologia do distrito não se nos afigura difícil, embora seja trabalhoso, modificar com relativa rapidez a face do nosso país em termos de suficiência agrícola, a caminho de excedentes para exportação. Precisam-se lideranças. Mas lideranças esclarecidas e apaixonadas pelo seu trabalho tendo como bússola orientadora o bem comum e não meros interesses umbilicais.