Tete, em particular, mas o país no seu todo estão ainda petrificados em razão dos resultados da explosão de um camião – cisterna em Caphiridzange, no interior do distrito de Moatize, província de Tete, localidade que saiu do anonimato pelas piores razões. É que morreram ali na última quinta-fira mais de setenta pessoas e cerca de uma centena contraiu queimaduras de diferentes graus, quando tentavam roubar combustível de um camião cisterna, imobilizado.
Ressalta neste triste enredo a necessidade de tomada de medidas sérias por parte dos camionistas, das empresas titulares dos camiões cisternas ou não e das autoridades que lidam com questões rodoviárias para a prevenção deste tipo de incidentes que só não se repete em mais locais por puro milagre.
Nas estradas moçambicanas, sobretudo nas zonas rurais, é comum ver “bombas de gasolina” improvisadas em cabanas um pouco por todo o lado nas bermas das nossas estradas. Geralmente, o combustível que ali se vende é furtado em camiões com a conivência dos camionistas que buscam soluções rápidas para o reforço do seu orçamento pessoal.
Em outras paragens, e em empresas onde a gestão dos activos é feita de forma profissional, os camiões de transporte de tão importantes mercadorias são vigiados de forma remota por sistemas de satélite. Esta forma de vigilância ajuda aos gestores a saber onde se encontra a viatura, a que velocidade circula, quanto tempo o automobilista levou estacionado para uma refeição ou repouso, enfim. Tudo isso é monitorado em tempo real.
Desta forma, as empresas reduzem, inclusive, o risco de furto do camião e da respectiva mercadoria e, por essa via, tornam quase impossível a ocorrência de incidentes como o que se deu em Caphiridzange.
Mas, também há que ponderar no rumo que estamos a tomar como sociedade, como moçambicanos. Para onde pretendemos seguir? O que queremos que nossos filhos aprendam se pais, mães, tios, avôs, vizinhos, sobrinhos e netos se unem para roubar? Sempre que uma viatura pára na estrada por problemas mecânicos ou por qualquer acidente se aproxima e se aglomera gente ávida de ficar com bens alheios. Pior quando forem camiões que transportam mercadorias.
Há poucas semanas tombaram camiões de açúcar na Matola e Moamba. No lugar de ajudar os camionistas a saírem das viaturas, assistimos a famílias inteiras preocupadas em roubar dezenas de quilos do produto. Dias depois tombou um outro camião com frangos, idem, pessoas saqueando o produto e correndo de um lado para outro. Quando camiões carregados de cerveja e/ou refrigerantes se despistam as cenas de pilhagem se repetem sem controle.
Contudo, em meio a tragédia, é de saudar a rápida reacção do Executivo moçambicano em relação à tragédia de Caphiridzange. Com efeito, o Governo disponibilizou meios humanos e materiais, sobretudo ambulâncias para a evacuação de todas as vítimas, ao mesmo tempo que mobilizou os apoios que se mostravam necessários para minimizar o sofrimento de quem precisava naquele primeiro instante de dor.
Mas como referimos, o espírito de roubo é tão presente em nós que até os bens das vítimas de um qualquer acidente de viação são surripiados. Roubam-se telemóveis, carteiras, dinheiro, calçado, entre outros. Socorrer que é bom, nicles. Há aqui algo que nos falta como sociedade. Estamos a dar provas de um alheamento confrangedor com o outro e pior ainda estamo-nos aproveitar da aflição, da dor, do luto e das carências afltivas dos nossos compatriotas para tirar proveito próprio, como se o outro nada tivessem a ver connosco.
Entendemos nós que esta forma de estar coloca o país doente, pois cada vez mais as pessoas se encerram num individualismo confrangedor, de querer tudo para si. Um país que não cultiva a solidariedade pode ser uma unidade jurídica e territorial, mas não foi ainda capaz de construir a sua unidade substancial, aquela unidade de que falava o salmista, “ é bom e agradável quando os irmãos habitam como se fossem um só”. Nós não estamos a ser assim. Não sentimos o infortúnio do outro como nosso, pelo contrário, queremos a partir desse infortúnio tirar dividendos. Cada qual se preocupa apenas consigo ou com os seus mais próximos, alheando-se completamente dos outros e das suas dores. Entre nós, moçambicanos, predomina ainda uma outra forma que não chega a ser relação e que, por isso, é muito mais grave: o estar-se nas tintas para os outros. Não há qualquer empatia com quem caiu na desgraça e precisa imediatamente de ajuda do próximo. Pelo contrário, o que chega primeiro, pega naquilo que considera mais valioso no carro da vítima.
Voltando à tragédia de Tete, referir que o camião saia do Porto da Beira em direcção a Malawi e terá sido desviado da sua rota, na estrada Nacional Número Sete (EN7), sendo conduzindo para o interior da localidade de Caphiridzange.
Para que conste, esta localidade fica a Norte de Moatize. É lugar pacato, onde pouco ou nada acontece. Com cabanas aqui e ali, bancas de pouca monta e… mais nada.
Na sequência do incidente, o Executivo moçambicano criou uma equipa de trabalho chefiada pela Ministra da Administração Estatal e Função Pública, Carmelita Namashulua, integra o Ministro dos Transportes e Comunicações, Carlos Mesquita, o vice-ministro da Saúde, Mouzinho Saíde, e o director do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, Osvaldo Machatine.
Como referimos acima, as instâncias governamentais agiram com prontidão mediante tamanha tragédia provocada por mãos humanas e não ficaram em Maputo à espera de relatórios e rescaldos do trágico acontecimento. Foram lá ver in loco. Merecem a nossa palavra de apreço. Aos feridos e às famílias enlutadas a nossa solidariedade.