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Procuram-se melhores caminhos

Por admin

Sobreposições, falta de transparência na atribuição e extinções automáticas de títulos de Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT), falta de fiscalização, incongruências legais, falta de vontade para solucionar conflitos, corrupção, entre outros males continuam a constituir barreiras para o acesso e gestão da terra no país.

O Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER) está a levar a cabo um conjunto de seminários regionais que visam colher elementos susceptíveis de reverter o actual cenário em que está cada vez mais evidente que o acesso e gestão da terra parecem comprometidos.

No encontro promovido na sexta-feira passada, na cidade de Xai-Xai, província de Gaza, os participantes, idos de Maputo, Inhambane e da própria província de Gaza apontaram uma vastidão de constrangimentos com que se deparam no quotidiano e que tornam problemática a pretensão de ser titular de uma porção de terra para habitar ou desenvolver iniciativas económicas.

Para o director nacional de Terras, Simão Pedro, esta é a segunda etapa que nos vai levar à IX Sessão do Fórum de Consulta sobre Terras que se vai realizar em Setembro próximo na cidade de Pemba e o que se pretende é alargar a base de debates de auscultações e colher o máximo de contribuições de forma a contribuir para o edifício de administração e gestão de terras.

Simão Pedro aflorou que o segundo objectivo é preparar o IX Fórum. “O domínio de terras é um edifício que tem vários pilares orientados para o planeamento e ordenamento do território, mas este não é um processo acabado mas, sim, dinâmico e as constatações e contribuições que estão a ser feitos visam, melhorar este pilar de planeamento e ordenamento”.

Conforme referiu o mesmo exercício está a ser feito nos outros pilares onde estão a ser recolhidas contribuições que serão sistematizadas para promover a melhoria do edifício da administração e gestão de terras.  

A procuradora provincial, Josefa Brito, alinhou, de forma particularmente brilhante, os obstáculos com que as instituições de administração da justiça se deparam, a começar pela sobreposição de títulos de Uso e Aproveitamento de Terra, vulgarmente conhecidos por DUATʼs.

Disse ainda que há falta de fiscalização das áreas atribuídas para os diferentes fins, com particular destaque para as extensas porções de terrenos concedidos para o desenvolvimento de iniciativas económicas e falta de transparência na atribuição dos espaços.

Também falou sobre a questão da evidente falta de vontade e de interesse que é manifestada pelos funcionários das instituições públicas que lidam com a matéria em dirimir litígios que resultam da atribuição de terra, muitas vezes provocada pelo desconhecimento da lei.

Acho que o problema não resulta propriamente da lei porque ela responde a todas estas questões, apesar de esta também possuir as suas lacunas, particularmente no que se refere à representatividade nas consultas comunitárias”, disse a magistrada do Ministério Público.

Mais adiante, e sem entrar em pormenores, referiu-se à falta de clareza sobre os contornos do acesso à terra para o investimento estrangeiro ao que ajuntou o facto da Lei de Terras prever a extinção automática de DUATs por se haver excedido o tempo de exploração, “mas não existe uma entidade que fiscaliza a utilização ou não dessa terra”.

A propósito dos DUATs, Josefa Brito disse que a lei precisa ser mais clara porque, por um lado, reza que a posse deste título é um direito real e privado, pelo que deve ser regulado nos termos do direito privado, mas a Constituição da República de Moçambique (CRM), por exemplo, vinca que a terra é propriedade do Estado, o que faz com que lhe sejam aplicados outros instrumentos jurídicos.

Na sua opinião, “a lei em questão é bastante jovem, tem apenas 20 anos, mas as dinâmicas sociais, económicas e políticas evidenciam que há necessidade de aperfeiçoamento. Entretanto, não lhe podemos tirar o mérito de ter sido graças a esta lei que se fez a manutenção de alguns elementos de política como é o caso de a terra continuar a ser um bem do Estado e as mulheres terem começado a ter mais acesso”.

Aliás, um dos méritos salientados na implementação da Lei de Terras foi a criação, pelo governo, do programa “Terra Segura” para registar todas as ocupações de terra no país.

Segundo Simão Pedro, o programa está estabelecido em todo o país e já se procedeu ao registo de 350 mil parcelas. “Neste ano cumprimos e ultrapassamos a meta, que era de 100 mil e já estamos em 173 mil registos. Por outro lado, entregamos 75 mil DUAtʼs e pelo ritmo que estamos a empreender calculamos que, até ao final do ano, atingiremos a cifra de 500 mil registos, tendo em conta que os trabalhos estão a ser executados com fluidez nas províncias de Manica, Tete e Nampula”.

DEMOCRACIA NA DISCUSSÃO

A visão da procuradora provincial de Gaza foi apresentada durante a discussão do painel que versou sobre “o quadro político e legal sobre a gestão e administração da terra” onde se discutiu o enquadramento da política e da lei na actual situação política, económica, social e ambiental do país e do mundo em geral.

A metodologia deste debate foi considerado pelos participantes como mais inclusivo e participativo, uma vez que cada um disse o que lhe ia na alma, inclusive foram ouvidas e rebatidas ideias e propostas, incluindo, por exemplo, a pertinência ou não de as consultas comunitárias e reassentamentos passarem a ser dirigidos pelo Estado.

Os investidores deviam colocar os recursos nas “mãos do Estado” porque este conhece melhor as suas populações”, disse um dos intervenientes, por sinal o presidente do Fórum de Organizações não-governamentais de Gaza (FONGA).

Mais adiante, o mesmo orador disse que o MITADER deve rever os procedimentos e tempos de utilização de licenças provisórias de posse de terra porque, na sua óptica, são onerosos e abrem espaço para conflitos e corrupção.

Júlio Matingane, que representa a Associação Natureza Amiga referiu-se à canalização dos 20 por cento para as comunidades locais, em resultado da exploração de recursos naturais, afirmando que persistem alguns constrangimentos para aceder àqueles valores por falta de acesso aos serviços financeiros.

No que se refere às consultas, e no quadro da democratização da discussão, disse que “o que falta é um compromisso físico por parte dos investidores para fazer coisas em benefício das comunidades e haver uma fiscalização séria desses compromissos”.

Por seu turno, Paulo Macoo, da Iniciativa de Terras Comunitárias defendeu que a maior parte dos conflitos de terra acontecem porque as comunidades não estão organizadas. “Quando vamos fazer consultas, hoje aparece este membro da comunidade, amanhã é outro e isso não ajuda na compreensão do objectivo que se pretende alcançar”. Mas, não tardou que alguém pedisse a palavra para negar categoricamente que este pronunciamento seja real.

A segunda área temática incidiu sobre “o uso, planeamento e desenvolvimento de terras”, onde foram aprofundadas propostas de abordagens com vista a assegurar a implementação dos instrumentos de ordenamento do território, coordenação multisectorial, segurança da terra para a habitação como um dos direitos fundamentais do cidadão. 

Depois de percorridos os meandros pelos quais se coze toda a teia de acesso a gestão de terra, o director nacional de Terras, Simão Pedro fez saber que há um entendimento cada vez mais assente de que, por exemplo, o Artigo 32 do Regulamento de Uso de Solo Urbano, que versa sobre a Extinção Automática de DUATʼs carece de ajustamentos. Ajuntou que “há incoerências na Lei de Ordenamento, na Lei de Minas, Processo Civil e até mesmo no plano operacional de toda esta legislação”.

Para a directora provincial de Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, Júlia Mwito, as dezenas de ideias e propostas apresentadas naquele encontro conduzem à percepção de que existe a necessidade de se estimular a participação comunitária. Disse ainda que a morosidade na tramitação de processos para o acesso à terra só favorece a ocorrência de esquemas de corrupção.

Ainda em jeito de súmula, sublinhou que no meio urbano, o que se devia fazer em primeiro lugar seria planificar o uso e aproveitamento de terra para depois se proceder ao ordenamento. “Mas, quase sempre fazemos o ordenamento porque já não é possível planificar

O Fórum de Consulta sobre Terras íntegra representantes dos governos provinciais, e todos os Ministérios responsáveis pela Gestão de Terras, Actividades Económicas e recursos naturais, organizações da sociedade civil, instituições académicas e do sector privado.

Texto de Jorge Rungo
jorge.rungo@snoticicas.co.mz

Fotos de Jerónimo Muianga

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