O Banco de Moçambique (BM) está apreensivo em relação ao comportamento dos moçambicanos quando o assunto é poupar dinheiro. Segundo um estudo apresentado na manhã da sexta-feira passada, apenas dois (2) por cento dos moçambicanos guardam alguns recursos financeiros.
Os restantes comem até aquilo que não têm. Para agravar, os poucos que conseguem poupar são empresas.
A apresentação dos resultados do estudo coube a Pedro Munguambe, técnico do Departamento de Estudos e Estatísticas (DEE) do Banco de Moçambique (BM), e, como era de esperar, parte da plateia franziu o sobreolho àquela análise por entender que havia elementos que poderiam “puxar” o país para um patamar melhor.
É que o DEE analisou a dinâmica da poupança no país, revirou as determinantes macroeconómicas da poupança, observou à lupa a poupança financeira e espremeu tudo o que havia por espremer no quesito determinantes da poupança das famílias para concluir que apesar do crescimento económico rápido, estabilidade macroeconómica e desenvolvimento do sector financeiro, as taxas de poupança continuam abaixo das taxas de investimento.
Por outro lado, a taxa de poupança nacional está a aumentar mas continua abaixo dos níveis desejados, daí a necessidade de se prosseguir com esforços visando a sua promoção e que no actual estágio da economia nacional o aumento da poupança está a ser sustentado pelo sector privado na forma de empresas.
Para chegar a estas conclusões, o DEE foi buscar dados relativos à dinâmica da poupança em Moçambique, os quais indicam que, em termos médios, a taxa de poupança nacional situou-se em 4,4 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) contra 20 por cento da taxa de investimento no intervalo que vai de 1991 até 2012.
Nesta componente, Pedro Munguambe demonstrou por mapa específico que a poupança nacional andou de rastos de 1991 até por volta de 1996, altura em que alguns moçambicanos começaram a ganhar capacidade de poupar algum ao final de cada ciclo económico.
Entretanto, este cenário foi puro “sol de pouca dura” na medida em que só se estendeu por escassos quatro anos. No ano 2000, como é sabido, as calamidades naturais arrasaram vidas humanas e tudo o resto que encontraram pela frente, fazendo com que a taxa de investimentos e de poupança caísse em queda livre para só se refazer por volta de 2004 e convergir de forma positiva em 2010 com o início dos investimentos no sector mineiro.
O DEE também recolheu informação dos países membros da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e, para a nossa tristeza geral, apenas o Botswana e a Namíbia têm taxas de investimento que se situam abaixo das poupanças, ou por outra, estes são os únicos países onde a população faz poupanças de verdade. Nos restantes come-se até o que não se tem, o que acaba gerando desequilíbrios externos.
Depois de escalpelizar factores como a poupança, inflação, taxa de juro real e “mastigar” a poupança e o PIB real per capita, ver à lupa o que acontece com a poupança e o défice fiscal, as remunerações de factores e a poupança, investimentos e a conta corrente, o DEE concluiu que “a estabilidade macroeconómica é crucial para o aumento da poupança nacional e, consequentemente, para o financiamento interno do investimento doméstico”.
Por outro lado, entende que “o aumento da pouca poupança nacional é sustentada pela poupança privada, com destaque para as empresas e que a poupança externa é crucial para o financiamento do investimento doméstico”.
De igual modo, ao esmiuçar a correlação da poupança e da massa monetária e da poupança com o crédito em percentagem do PIB, o BM chega à conclusão de que “o desenvolvimento do sector financeiro é determinante para o aumento da poupança nacional”.
98 por cento das famílias
têm poupança negativa
Entretanto, o dado que soube a “muro no estômago” de muitos presentes na 38.º Conselho Consultivo do BM relaciona-se com a análise das determinantes de poupança das famílias onde se observa que depois de analisada a diferença entre o rendimento e a despesa de consumo de 10.790 agregados familiares do meio urbano e rural do país, se conclui que “cerca de 98 por cento dos agregados familiares apresentam poupança negativa”.
Para desgosto de muitos, aquele estudo do DEE mostra que “a probabilidade de um chefe de família ter poupança negativa aumenta se este tiver nível superior, viver no meio rural, ter idade que vai dos 31 aos 45 anos e (ou) ser trabalhador ocasional ou sazonal”.
Ainda neste capítulo, o BM aponta que os níveis de escolaridade mais baixos estão associados negativamente com a poupança comparativamente aos níveis de escolaridade mais altos. Mais ainda, que os chefes de família com idade compreendida entre os 18 e 30 anos poupam mais que os líderes de famílias que tenham idades que vão dos 31 aos 45 anos.
Para surpresa geral, o DEE afirma que, “numa primeira fase, um aumento do agregado familiar resulta no aumento da poupança até um ponto em que o seu impacto se torna negativo e que os agregados familiares que residem no meio urbano apresentam níveis de poupança superiores que os que vivem no meio rural”.
E o “xitique” onde fica?
Depois da apresentação daquele estudo, as reacções da plateia não tardaram. Sérgio Vieira, que já exerceu o cargo de governador do Banco de Moçambique, foi o primeiro a tomar da palavra para perguntar “onde se pode enquadrar o ‘xitique’, tendo em conta que é uma forma de poupança que mexe com milhares de grupos sociais no país e movimenta avultadas somas de dinheiro que escapam ao controlo do sistema formal. “Qual é o significado do ‘xitique’ como poupança? Até que ponto é analisado, pois creio que qualquer um tem tia, avó, mãe e irmã que participa no ‘xitique’”.
Sérgio Vieira quis perceber também qual tem sido o papel do Estado e da banca comercial no quadro dos esforços visando incentivar a poupança, pois, conforme disse, quando “alguém faz um depósito a prazo o Estado cobra dez por cento sobre o valor do juro. Quer ou não o Estado incentivar a poupança ou está a penalizar a poupança?”
Para não se ficar pelas perguntas, Vieira sugeriu aos quadros do DEE para que revisitem o que foi a criação do metical nas zonas rurais comparado com as urbanas. “Quanto dinheiro encontrámos debaixo de árvores e as mensagens que recebíamos de trabalhadores da África do Sul que pediam para a esposa cavar aqui e ali para tirar o dinheiro”.
Para Sérgio Vieira, ainda há uma distância muito grande entre o juro cobrado pelos bancos para a concessão de créditos e o juro que os mesmos bancos pagam para o incentivo à poupança. “Constato que há uma diferença muito grande entre aquilo que são as taxas cobradas pelo BM e aquilo que é cobrado pelos bancos comerciais, creio que a diferença neste momento é de mais de 10 pontos percentuais”, sublinhou.
Entre os membros da plateia que pediram a palavra, destaque vai para Graça Sambo, representante do Fórum Mulher, que solicitou ao BM para estratificar melhor a questão da participação de homens e mulheres no exercício de poupança. “Por exemplo, quando analisamos os agregados familiares é preciso saber qual é a realidade na situação em que as famílias são chefiadas por mulheres”.
“Muitas vezes quando o agregado é chefiado pela mulher significa que tem apenas um rendimento, mas quando é chefiado pelo homem, a mulher traz muito mais rendimento do que o esposo que está num emprego formal. Seria interessante mostrar o que significa a contribuição das mulheres na poupança”, disse.
Por outro lado, Graça Sambo sugeriu que em ocasiões futuras se diferencie o sector privado porque, na sua óptica, “não é um conceito único. Existem vários tipos de sector privado, temos de diferenciar desde os do micro, pequeno, médio e grandes, e ainda analisar o sector informal, saber qual é a dinâmica de poupança nesses grupos”.
À semelhança de Sérgio Vieira, Graça Sambo indagou sobre o sistema de poupança através de “xitique” que é uma operação praticada por pessoas que fazem vários investimentos, com particular destaque para a construção de casas, aquisição de bens móveis e imóveis, entre outros.
Prakash Ratilal, que também já dirigiu os destinos do BM, sugeriu que os autores daquele estudo inserissem o elemento instabilidade resultante dos sequestros e da tensão política e militar que o país vive há cerca de seis meses e que é condição primeira para uma poupança útil, pois “muita gente, sobretudo da classe média, está a poupar mas transferiu a sua poupança para os países vizinhos. Se ao longo dos próximos meses nada for melhorado pode agravar a taxa de poupança”.
Adriano Maleiane também não se esquivou do debate e lembrou a todos que é preciso que se tenha em conta que o primeiro vector para a poupança é o emprego, a seguir são as infra-estruturas como estradas, plataformas de telecomunicações, entre outros que têm um peso de cerca de 70 por cento na constituição de poupanças.
“O segundo factor é o psicológico, nomeadamente o problema dos juros, da depreciação, medo de sermos roubados, a instabilidade política, entre outros do género que, na minha óptica, têm um peso de cerca de 20 por cento”, disse para depois acrescentar que em terceiro lugar, e com um peso de 10 por cento, existem questões culturais, de religião e escolaridade.
“Temos de poupar mais”
Dada a pertinência do tema, o debate mereceu intervenções da mais variada índole e quem celebrou o ânimo da plateia foi o governador do BM, Ernesto Gove, o qual sublinhou que “ficou claro que precisamos de estreitar ainda mais os nossos laços de coordenação e de troca de informação neste domínio. Quanto mais informação e pessoas disponíveis a colaborar com o Banco Central melhor serão as políticas a serem implementadas”.
“Parece que todos nós estamos de acordo que se precisamos de concretizar a nossa intenção de reduzir a dependência externa e só podemos fazê-lo através do aumento da poupança. Também está claro que não se pode ‘matar a galinha dos ovos de ouro’, com a pressa de ver todos ovos que estão dentro da galinha porque quando a matarmos não haverá nenhum ovo. Isto quer dizer que a necessidade de arrecadação de impostos pode, por ventura, criar um problema que é não permitir que as pessoas poupem, invistam e reinvistam”, enfatizou.