O distrito de Chiúta localiza-se na parte central da província de Tete e oculta no seu interior uma localidade, conhecida por Matenje, que se diz que é um autêntico celeiro, capaz de destronar os famosos distritos de Angónia a Tsangano, no que tange à produtividade agrícola. Porém, para lá chegar não basta vontade. A via não deixa saudades a ninguém. O clima político então? Não anima mesmo.
A localidade de Matenje sempre existiu com os seus solos que tem uma fertilidade que transborda, como relatam as populações locais. Os rios tem água o ano inteiro, como acontece com Phofi, rio que só é transitável a pé durante uns três meses por ano, nomeadamente, de Agosto a Outubro. Nos restantes nove meses do ano, ai de quem mete o pé por ali.
Relatos colhidos em Tete indicavam que a população do distrito sempre se queixou da necessidade de se construir uma via capaz de ligar Matenje ao resto da província, passando pela sede do posto administrativo de Kazula, de que faz parte. Porém, na hora da verdade, nada saiu do papel.
O actual governo provincial também recebeu da população o velho e barbudo pedido de construir uma estrada e, sobretudo uma ponte, que permita a livre circulação de pessoas e bens de, e para, aquele destino. O assunto está mais uma vez sobre a mesa e a exigir reflexões, análises, projecções e estudos.
A nossa Reportagem realizou uma deslocação àquele destino para apurar que lugar é esse e porquê investir nele. Para o nosso caso, bastou a companhia de um motorista que já se tinha aproximado do tal rio Phofi. Fomos sem consulta prévia a qualquer fonte oral ou escrita.
Apesar dos trabalhos de manutenção de rotina da via de terra batida ainda frescos, o trajecto até à sede do posto administrativo de Kazula não oferece conforto por estar repleto de riachos que cruzam a picada. Nota-se claramente que na época chuvosa a transitabilidade fica comprometida.
Da sede do distrito de Chiúta para Kazula são 45 quilómetros, mas isto só acontece quando há condições de transitabilidade numa via que já ninguém usa. A via mais tranquila tem quase 200 quilómetros, dos quais cerca de 60 são de terra batida, com valetas e outros obstáculos de permeio.
Pelo caminho, observam-se duas pontecas paralelas que foram construídas em épocas diferentes, mas que cederam ante a fúria das águas. Duas pontes. Dois investimentos. Duas ruínas. Quem por ali passa fica com dó, porque o investimento ali feito não surtiu o efeito desejado. Foi tudo destruído.
Aqueles cerca de 60 quilómetros de terra batida “devoram” quase hora e meia para quem segue em viatura própria, e quando é tempo seco, porque quem vai nas carrinhas de caixa aberta, sentado na carroçaria, por cima de mercadoria diversa, o tempo de viagem é quase a dobrar. Na época chuvosa o tempo despendido dobra e redobra.
Percorrida a distância, Kazula emerge como uma vila que não lembra um posto administrativo, por reunir um conjunto de ruínas e ter pouca presença humana naquilo que parece ser a área comercial. Pelo meio, são visíveis carcaças de veículos blindados militares, alguns dos quais virados ao contrário.
O Posto Policial de Kazula, por exemplo, funciona numa ruína que, à primeira vista, parece tudo menos posto policial. As inscrições na parede parecem ter sido feitas para zombar da autoridade policial. Pouco depois, emerge um agente. Aí fica claro que, de facto, é posto policial de verdade.
Perante aquela realidade, quisemos saber de alguns residentes o que se terá passado com aqueles veículos, particularmente com os que estão “de cabeça para baixo”. “Fomos mobilizados pelo governo daqui a virá-los para se aproveitar algumas peças, parafusos e porcas para reabilitarmos tractores”, respiramos de alívio.
Um pouco mais adiante existe a Escola Primária Completa (EPC) de Kazula, que é uma das infra-estruturas que oferece algum alento a quem ali aporta, uma vez que reúne centenas de crianças, adolescentes e jovens da vila. Outro ponto interessante é a residência do chefe do posto, que fica no alto de uma montanha e que oferece uma vista privilegiada da pequena vila.
O CELEIRO INACESSÍVEL
O governo de Chiúta celebra o facto de o distrito possuir um jazigo de ferro e aço a escassos centímetros do chão em toda a extensão daquele território. Fala-se em 750 milhões de toneladas potencialmente exploráveis que a natureza ocultou por ali. Porém, o sorriso desvanecesse quando se aborda a situação de Matenje que, conforme referimos antes é uma área tida como bastante produtiva mas, sem via de acesso, facto que testemunhamos à medida que percorremos os cerca de 30 quilómetros que separam Kazula do rio Phofi.
Para completar aquela distância, levamos mais de uma hora a vigiar onde colocávamos as rodas, a recuar para reforçar a tracção do carro, a procurar o atalho certo no meio de capim com mais de um metro de altura, enfim. Até a pé dói.
Sem movimento de viaturas, aquilo que seria uma picada tende a desaparecer, os trilhos se transformam em buracos de todos os tamanhos. Para agravar, o relevo é extremamente acidentado e repleto de pedras de todos os tamanhos. Não se anda.
Pelo caminho, e por causa do denso capim, as aldeias não são visíveis. Raramente aparece alguém para ajudar a localizar o trilho certo. Os poucos com quem cruzámos, olhavam-nos com ar ameaçador e outros desapareciam na mata, para virem surgir na janela do carro de forma abrupta. Só não desistimos daquela viagem porque tínhamos um comando imaginário no cérebro que teimava em dizer “prossiga”.
Depois de mais de uma hora em solavancos, com os esconde-esconde dos habitantes da área, a andarmos a menos de 20 quilómetros por hora em todo o percurso, chegamos ao famigerado rio Phofi, que separa Kazula de Matenje. Aqui se vê um rio intacto, sem a menor intervenção humana. A vegetação também evidencia que poucos, muito poucos mesmo, se atrevem a atravessar aquele caminho.
Emilia Mariano, directora da Escola Primária Completa de Kazula, e substituta do chefe do posto de Kazula, afirma que há todo o interesse da população local em ver aberta aquela via, com ponte e tudo, porque grande parte da produção está concentrada lá.
Nobre Mário, comerciante da vila de Kazula também entende que mais do que ligar Kazula à sede do distrito de Chiúta, é preciso assegurar que Matenje saia do isolamento. “Lá tem muitos produtos agrícolas que, se fossem escoados, a nossa vida seria muito melhor” garante.
NEM QUE SEJA PONTE METÁLICA
Conforme apurámos no local, o governo provincial iniciou um levantamento de dados daqueles 30 quilómetros e da travessia do rio Phofi para depois procurar uma fonte de financiamento que ajude a resolve problema que tem décadas à espera de uma solução.
O administrador de Chiúta, Joaquim Cherene é um dos que acredita que Matenje pode ser o celeiro da província de Tete e que esta localidade pode destronar os distritos de Angónia e Tsangano porque reúne tudo num espaço só. “Tem terra fértil, clima favorável e água abundante”, garante.
Com cerca de seis mil habitantes, a localidade de Matenje não beneficia de serviços do Estado na sua plenitude, porque tem lá um número significativo das chamadas forças residuais da Renamo que, segundo nos foi revelado, não deixam que aconteça grande coisa por ali. “Eles têm uma espécie de base provincial e há muita desinformação sobre a governação. É um lugar que nos preocupa”, disse Cherene.
Segundo o administrador de Chiúta, a maior intervenção que deve ser feita por ali é a terraplanagem da via, mas, sobretudo a construção da ponte. “Nem que seja metálica para que os serviços de administração do Estado possam ser aproximados ao cidadão”.
Enquanto se espera por investimentos para aquelas infra-estruturas, vai se celebrando a existência do tal jazigo de ferro que é estimado em cerca de 750 milhões de toneladas, que dão para explorar durante 50 anos, segundo as contas que foram fornecidas ao governo distrital.
Em Chiúta, sonha-se com uma indústria de ferro e aço, mas este sonho só se poderá materializar lá para o próximo ano, depois de verificadas outras disponibilidades, como energia eléctrica, água, entre outros.
Joaquim Cherene revela que a empresa interessada já possui uma Licença Mineira, decorre o processo que visa a atribuição do título de Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) e estão em curso estudos de Impacto Ambiental.
Com este potencial divulgado, o ambiente que se vive naquele distrito é de corrida para a ocupação de espaços para a construção de infra-estruturas diversas. A começar pelos condomínios porque já se sabe que, se a mina de ferro for explorada, serão necessárias, no mínimo, 500 habitações para igual número de trabalhadores.
“Temos muitos pedidos de terra para a construção de empresas de pequeno e médio porte que pretendem se estabelecer por aqui para prestar serviços complementar à indústria de ferro e aço que vai surgir. Também recebemos pedidos para áreas de cultivo de algodão e soja, enfim”, disse Joaquim Cherene.
O que torna Chiúta atractivo ao investimento é, em parte, o facto de este distrito beneficiar de energia eléctrica da rede nacional de energia, ter uma agência de um banco comercial, ter a delegação provincial da Agência do Zambeze, um centro de formação do Instituto de Emprego e Formação Profissional (INEFP) para cursos de curta duração, entre outras facilidades.
Onde as coisas não vão lá muito bem é nas vias de acesso para os povoados do interior, existência de comunidades nómadas e muito dispersas que dificultam a realização de investimentos públicos e um relevo que dificulta intervenções no sector de estradas.
Em Chiúta também se clama por um hospital rural ou distrital, porque até agora só existe um hospital de tipo Um, o que poderia ajudar as populações dos distritos vizinhos de Chifunde, Macanga e Moatize.
Texto de Jorge Rungo
Fotos de Jorge Rungo