Texto de Angelina Mahumane e Fotos de Carlos Uqueio
O nosso país tem jovens e adultos talentosos capazes de inventar diversas coisas, mas faltam apoios para o talento e a inteligência fazerem mais maravilhas. Por isso, para muitos deles, as condições de trabalho são precárias, os materiais usados são reciclados ou de segunda mão.
domingoentrevistou algumas destas pessoas que vivem graças a tais inovações. Alguns são jovens, outros adultos, mas os objectivos são os mesmos: melhorar ou trazer coisa desconhecida para a sociedade moçambicana. Eis aqui as suas estórias de vida.
Existem pessoas que assim que acordam pensam em alguma coisa nova para fazer, inventar ou mesmo melhorar o que já foi feito. Esse é o caso do Édipo Xavier, 23 anos, que já concluiu o ensino médio. Ele criou um aparelho de reprodução de som tridimensional, mais conhecido por sistema 3D, com capacidade de transformar um som comum em tridimensional
“Ele descodifica alguns sons que estão ocultos e trá-los em viva-voz. Em geral, este tipo de tecnologia encontra-se em aparelhos de alta tecnologia como os da Sony, Panasonic, entre outros, mas eu faço isso com aqueles normais que temos em casa”, disse.
Édipo conta que descobriu o sistema por acaso. Queria fazer uma coisa diferente para melhorar o som que tinha, foi aumentando uma e outra resistência, depois apercebeu-se que o aparelho começou a tirar um som estranho, que nunca tinha escutado. Durante pesquisas na internet e com amigos descobriu que era tridimensional.
Para a construção do aparelho usou material reciclado, porque não tem onde encontrar placas novas. “Devido à escassez de material, ainda não comecei a construir estes aparelhos para comercialização. Tentei investigar como podia construir um aparelho de raiz e descobri que devo mandar o projecto para China. Por enquanto, vou trabalhando em Moçambique. Só quando me sentir seguro é que vou procurar parcerias fora do país ”, disse.
Este projecto está arquivado devido à falta de material para levá-lo avante. Além deste, Édipo criou um outro. O projecto de ar condicionado portátil, que funciona na base de bateria ou corrente eléctrica de 12 volts. No lugar de compressor e motor eléctrico, o protótipo funciona na base de gelo e motores electrónicos, dai que o consumo de energia seja muito baixo.
Actualmente, Édipo está a trabalhar com carteiras anti-humidade feitas com base em materiais reciclados, nomeadamente, frascos que conservam sumos, por terem alumínio que protege contra possível humidade em caso de chuvas. “São carteiras que servem para colocar moedas. Com o mesmo material podemos fazer bolsas. As carteiras fazem parte do meu último projecto. Por ser algo mais simples, tenho recebido propostas diversas e encomendas. Até agora, o feedback tem sido positivo. Quem sabe, com a venda destes artigos consigo financiar alguns dos meus outros projectos que estão arquivados. Já tenho mercado para as carteiras. Uso as redes sociais para divulgar os meus trabalhos”.
Outra invenção do Édipo Xavier foi o “mostrador de mesas” que é um sistema electrónico que gira e acende com o intuito de identificar as mesas em grandes eventos como casamentos, baptizados, mas ainda é para o consumo próprio.
Segundo conta, tem recebido propostas para fabricar o ar condicionado portátil para comercialização. No entanto, recusa-se a fazê-lo por não haver condições de fazer um novo, pois até ao momento tem apenas um protótipo, feito com materiais adaptados.
domingoprocurou saber onde Édipo Xavier aprendeu a trabalhar com electrodomésticos. “Aprendi tudo sozinho, desmontando rádios. Sempre me questionei sobre as suas componentes. Já pensei em tirar um curso complementar e a única universidade que tem espaço para a minha área é a Eduardo Mondlane. Já estive lá, mas vi que não é lugar para mim. Não tem aulas práticas. Prefiro conseguir dinheiro ou uma bolsa de estudos para fora”.
AFONSO FAIFE
OUTRO INVENTOR
Outro jovem ouvido pela nossa Reportagem foi Afonso Faife, de 27 anos, formado em informática electrónica, que procura melhorar equipamentos de som, dando uma qualidade melhor, pois acredita que nem sempre se tem a qualidade desejada e agradável ao ouvido.
“Trabalho para que cada aparelho tenha a qualidade de som que eu desejar. Já fiz um equalizador de som automático, filtros de frequências para colunas, placas de som com protecção automática para não queimar twiters (um alto-falante de dimensões reduzidas usado para reproduzir os sons mais agudos)”.
Em geral, o nosso interlocutor é procurado por DJ´s, que têm tido esses problemas e ainda não recebeu queixas do seu trabalho.
Afonso Faife conseguiu registar duas patentes com ajuda do Ministério da Ciência e Tecnologia. Espera registar mais uma até o final do presente ano, relacionada com o equalizador automático, novo projecto, que serve para equalizar o som automaticamente, dependendo do ambiente e do volume.
“Por um lado,tenho dificuldades na aquisição do material e na forma como trabalhamos, por outro lado, faltam equipamentos para montar os circuitos que desenho. Mas o problema está na construção da “placa de circuito impresso”. Não temos esse equipamento em Moçambique. Por isso, temos que montar os materiais em placas que usamos para fazer os ensaios. Apesar de o material funcionar perfeitamente, levo muito tempo a construí-lo devido à falta de condições.”
Com vista a ultrapassar a questão da falta de material, Afonso Faife trabalha agora para poder firmar parcerias com empresas internacionais que fabricam este tipo de equipamentos. Enquanto isso não acontece, está a amadurecer o projecto, para registá-lo, patenteá-lo, ao mesmo tempo que procura advogados especializados para evitar problemas de roubo de patente.
Enquanto este seu sonho não se concretiza, ele tem trabalhado como pode, mesmo não conseguindo atender a demanda do mercado por causa do tempo de produção. “Produzir em massa é o meu objectivo, mas a capacidade de resposta ainda é muito fraca. Tem vezes que aparecem 20 pessoas a encomendar o equipamento e eu levo em média duas semanas para construir um aparelho”, concluiu.
Adaptar carros para deficientes
Salvador Macondzo é outro empreendedor ouvido pelo nosso jornal. Dedica-se à adaptação de carros, motorizadas e bicicletas normais para deficientes e pretende abrir uma escola de condução para este grupo. Aliás, ele conta que adaptou um carro, pela primeira vez, para um amigo deficiente em 1994, desde então nunca mais parou.
“No momento, estamos a transformar uma motorizada para uma pessoa portadora de deficiência. Adaptamos o motor, depois de fazer a rectificação do quadro. Há casos em que transformamos a de duas rodas para três ou quatro, dependendo do cliente. Já fizemos mais de 50 adaptações. Depois procedemos à legalização no Instituto Nacional de Viação (INAV) e no Instituto de Propriedade Industrial (IPI), disse.
Acrescentou que em regra, o deficiente não admite a possibilidade de poder conduzir, por isso sempre que vêem outros ao volante procura os seus serviços. Por isso, Salvador Macondzo tem recebido solicitações até do Norte do país. Durante o período das hostilidades, ficou com alguns pedidos pendentes, pois não tinha como encaminhá-los atravessando o troço Save-Muxungué.
Mas no geral, “conseguimos responder aos pedidos a tempo e hora. Por exemplo, tenho em média, um dia e meio para adequar a viatura. Ou seja, nesse período consigo fazer tudo quanto é acessório, tendo em conta que há diferentes tipos de carro. Muitas vezes temos de lapidar as peças e depois segue-se a montagem e todo um trabalho para garantir segurança e eficiência”.
No seu trabalho, Macondzo tem apostado em parcerias. Actualmente, está a trabalhar com uma associação de deficientes, que quer adaptar algumas motorizadas normais para três rodas. O material usado é comprado nas ferragens, mas há casos em que o utente não tem muitas possibilidades e recorre-se à sucata que sai mais barato.
domingoapurou que para além dessas adaptações, Macondzo faz muletas e sabe fabricar próteses também para deficientes. “Trabalhei durante algum tempo com a embaixada dos Estados Unidos da América (EUA), como financiadora, e Associação Moçambicana dos Desmobilizados de Guerra (AMODEG), para formar os desmobilizados de guerra em actividades diversas. A título de exemplo, na Zambézia há já um deficiente que já produz próteses como resultado dessa formação”.
Salvador Macondzo admite que trabalhar com parcerias traz outro impulso, sobretudo na aquisição do material. “Quem sabe um dia faremos uma motorizada Made in Mozambique”, questiona.
Outra invenção deste empreendedor, foi a máquina de processamento de castanha de caju. Depois desta invenção, Macondzo recebeu um desafio: fazer com que a mesma máquina processasse a fula (caroço de canhu), tendo recebido um financiamento para concretizar o projecto, melhorando a sua máquina. “Fiz o que estava dentro das minhas capacidades. Porém, para além de colocá-la a funcionar mecanicamente, existe o sonho de mecanizá-la, para que processe continuamente através do uso de energia solar através dos painéis”.