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Dias negros do negócio do carvão

Por admin

Texto de Jorge Rungo

A exploração dos imensos jazigos de carvão mineral localizados na província de Tete está a atravessar um momento sombrio resultante da queda de preços no mercado internacional que é reforçado pela debilidade das infra-estruturas nacionais de escoamento.

De tão frágeis, as linhas férreas nacionais não permitem o trânsito de composições ferroviárias com 2400 toneladas, quando os concorrentes do sector, nomeadamente a África do Sul e Austrália vão até cerca de 40 mil toneladas por comboio.

Moçambique tem registado um crescimento de investimentos na área mineira, o que justifica a existência neste momento de 1773 títulos dos quais 124 são de carvão. “Temos quatro minas de carvão em produção, seis contractos de concessão que vão começar a produzir e, em breve vamos assinar mais dois contractos”, revelou a ministra dos Recursos Minerais, Esperança Bias. 

Por este quadro, dá a impressão de que o sector do carvão está a crescer cheio de saúde e que em breve poderá começar a andar pelos seus próprios pés. Pura ilusão! Na verdade, a conjuntura internacional está a infernizar a este sector a ponto do governo começar a sugerir que se façam cortes onde for possível, com particular destaque para os custos de produção, dado que “a maré não está para peixe”.

Como é sobejamente sabido, há uma constante volatilidade dos preços das mercadorias ou “commodities”, como os economistas preferem chamar à matéria-prima, como minério de ferro, crude (petróleo bruto), alumínio, ouro, incluindo mercadorias agrícolas, onde entra o trigo, açúcar, café, soja, entre outros, o que contribui para a instabilidade da produção no mundo inteiro, com peso agravado para os países que aspiram crescer.

A título ilustrativo, observamos que no mês de Abril deste ano, o preço do carvão oscilou entre os 65 e os 60 dólares por tonelada. De Maio a Junho a tonelada de carvão começou a roçar os 60 dólares e de Julho em diante, até ao dia 16 de Setembro afundou até atingir os 50 dólares.

Esperança Bias diz com todas as letras que o quadro é tenebroso. “Assistimos com apreensão à queda de preços de carvão o que compromete de certo modo as projecções previstas para o sector no que tange a produção, exportação, emprego, de entre outros”.

Porque a travessia a este deserto parece não ter fim à vista, a ministra dos Recursos Minerais afirma que mostra-se incontornável a necessidade do governo de prestar mais atenção relativamente às condições em que as empresas estão a operar, assim como criar condições para reduzir os impactos negativos daí decorrentes.

Neste âmbito o Governo continuará a trabalhar com as operadoras de carvão no sentido de identificar mecanismos que possam melhorar a sustentabilidade da indústria de carvão, através de adequação da actual situação tarifária, logística, de entre outros”, assegurou.

Segundo Esperança Bias, é preciso vencer o desafio da insuficiência de infra-estruturas de logística de transporte, cuja solução passa pelo desenvolvimento de parcerias público-privadas para a operação e gestão, por exemplo, das linhas férreas de Sena, Nacala, que se encontram em fase conclusiva de construção, projecto de construção da linha férrea de Macuse e a reabilitação das infra-estruturas portuárias de Beira e de Nacala.

Projectos afectados

Carvão mineral parece assunto exclusivo da província de Tete. Porém, a verdade manda dizer no distrito do Lago, numa região conhecida por Lunho ou Maniamba, na província de Niassa, também foram descobertas quantidades comerciais deste recurso mineral calculadas em 529 milhões de toneladas de carvão térmico.

A empresa Vale Projectos e Desenvolvimento terá aplicado aproximadamente oito biliões de dólares para pesquisar e produzir um relatório geológico, incluindo um modelo geológico do depósito. Com aqueles 529 milhões de toneladas, dá para erguer uma central térmica e produzir energia eléctrica à boca da mina. Mas, lá está. Em 2013 foi lançado um concurso para prospecção e pesquisa, as propostas já foram abertas e não foi aprovado nenhum concorrente.

Na província de Tete o assunto é muito mais complexo pois, há áreas já identificadas como detentoras de carvão mineral, mas os projectos continuam na forma de relatório. É o caso de Mutarara, na parte Sul daquela província. Num programa de pesquisa, foram intersectadas camadas de carvão em vários locais e os recursos de carvão foram estimados em 270 milhões de toneladas. Daí para frente só se sabe que o projecto carece de um investimento de cerca de dois biliões de dólares americanos. E nada mais.

No distrito de Moatize foram efectuados 55 furos de sondagem com as necessárias especificações técnicas, incluindo descrição de carrotes, perfilagem geofísica, amostragem e análises proximais em 23 furos de sondagem. Como resultado, os pesquisadores disseram que ali existem acima de 361milhões de toneladas de carvão mineral. Falta apenas saber que quantidade se pode extrair para o processamento e venda. 

Nestes campos foram escritas duas categorias de carvão, nomeadamente 76 milhões de toneladas de carvão térmico (geralmente usado para queima para a produção de energia eléctrica) e de coque (281 milhões de toneladas) que é o mais procurado por ser adequado para a indústria do aço, entre outros.

Tete é tão “fértil” em carvão mineral que até no místico distrito de Zumbo foram realizadas pesquisas que culminaram com a identificação de 32 subcamadas de carvão, calculadas cerca de quatro biliões de toneladas de reservas (indicadas e inferidas) e já se fala na possibilidade de se transportar o carvão metalúrgico para Tete via pipeline, numa distância de cerca de 274 quilómetros.

Potencial demolidor

Para explorar estes e muitos outros pontos onde há indicações de ocorrência de carvão mineral, o governo terá propostas de várias empresas que colocam à mesa muito mais do que propostas. Quase todas sugerem investimentos estratosféricos que só não saem do papel porque o país ainda anda às voltas à cata de vias de escoamento que não existem ou, quando existem, são de uma fragilidade gritante, quando comparadas com a dos países com potencial parecido com o nosso.

Entre os projectos de carvão com estudos de viabilidade submetidos ao governo destacam-se sete, nomeadamente Zumbo I, Zumbo II, Estima, Mufa, Moatize, ETA, Goma que, para além do volume de investimentos, dariam milhares de postos de trabalho directos e indirectos, e contribuiriam para o orçamento do Estado, via impostos e ajudariam a tirar o país da dependência externa.

Por exemplo, o projecto de carvão da Eta Star Moçambique, SA, sugere investir cerca de 250 milhões de dólares e criar a volta de 560 postos de trabalho. Só de Imposto de Rendimento de Pessoas Colectivas (IRPC), o Estado ganharia a volta de dois biliões de dólares.

O projecto de Goma, em Mutarara, sugere realizar um investimento de 222 milhões de dólares americanos para extrair 2.5 milhões de toneladas de carvão vendável por ano e gerar 604 postos de emprego. Aqui, o Estado moçambicano amealharia à vontade uns 247 milhões de dólares de IRPC, e outros milhões de resultantes de impostos afins.

No caso de Estima, igualmente em Tete, os proponentes do projecto sugerem aplicar um bilião de dólares para fazer a mineração de carvão a céu aberto com o objectivo de extrair 37 milhões de toneladas de carvão bruto. Dizem que criariam 500 postos de trabalho para jovens moçambicanos.

No extremo mais ocidental do país, Zumbo, o projecto Zumbo I pretende investir 400 milhões de dólares e fazer a mineração a céu abertopois, ali foram descobertas reservas de carvão avaliadas em 1.770 milhões de toneladas, das quais se pode extrair aproximadamente 15 milhões de toneladas de carvão bruto por ano.Calcula-se que esta mina teria uma vida útil de 25 anos e que por lá trabalhariam 500 moçambicanos.

No vizinho projecto denominado Zumbo II, o investimento necessário é calculado em 600 milhões de dólares para explorar uma reserva de 368 milhões de toneladas anuais que dariam para produzir 37 milhões de toneladas de carvão bruto durante 25 anos com 500 jovens nacionais a trabalharem no projecto.

Mufa é um projecto sediado em Changara, no Sul de Tete. Fontes a que tivemos acesso indicam que este projecto investiria cerca de um bilião de dólares e geraria 1471 postos de trabalho e daria 97 milhões de dólares em impostos anuais pela extracção de cinco milhões de toneladas anuais.

No distrito de Moatize existe um projecto que encontrou 32 mil milhões de toneladas de recursos de carvão exploráveis, do qual se pode explorar 400 mil toneladas de carvão de coque e outras 400 mil toneladas de carvão térmico.

Na província de Manica, onde até há pouse se pensava que só há ouro e pouco menos, há uma iniciativa em Mepotepote onde estão a ser desencadeadas actividades de prospecção e pesquisa de carvão, mapeamento geológico a diversas escalas, interpretação geofísica e definição de áreas alvos de sondagem, sondagens especulativas em curso e em outras licenças terminadas, avaliação de recursos e estudos de qualidade em curso, e estudos avançados e alternativas de transporte, nomeadamente lnha férrea, camiões e pipelines.

Apesar de todo este potencial, que colocaria muitos países produtores de carvão mineral de joelhos, Moçambique continua a enfrentar um velho e cabeludo problema de falta de infra-estruturas para escoar a sua produção.

Para que se entenda onde está o problema basta ver que a linha de Sena, que liga Moatize ao porto da Beira, que está operacional só tem capacidade para o transporte de seis milhões de toneladas por ano. Visto de longe, parece muito. Porém, aproximando a lupa da realidade, observa-se que cada comboio que por ali passa só leva 2400 toneladas, contra 40 mil toneladas de capacidade ferroviária da Austrália, país com que Moçambique poderia ombrear nesta matéria.

Joaquim Dai, presidente da Associação Moçambicana de Economistas (AMECOM) fez umas contas e concluiu que “em Moçambique utilizamos uma bitola do Cabo, que corresponde a 20 toneladas por eixo, contra um máximo de 42 toneladas por eixo da bitola-padrão usada na África do Sul ou na Austrália.

Sem ganhos de escala para aumentar a competitividade, resta ao nosso país o dever de ir se aguentando à espera do projecto do Norte de Quelimane que está em concepção e pelo projecto que vai ligar Tete ao porto de Nacala, cuja obra de construção ainda decorre.

 

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