No Mercado Grossista do Zimpeto, em Maputo, funciona um esquema ilegal de fixação de preços, conhecido por "voto", que impede praticamente os produtores nacionais de fixar os preços para os seus próprios produtos.
Quem determina quanto deve custar a cebola, o tomate, couve, repolho, batata reno, entre outros, é uma gang de intermediários e supostos importadores, que ganham uma pipa de massa com esta atitude e deixam o produtor moçambicano com uma ninharia. Na verdade, o que se faz por ali, é aldrabar o produtor e o consumidor. É um “voto” viciado que não presta para nada!
Inaugurado em Maio de 2007, o Mercado Grossista do Zimpeto está localizado junto à Estrada Nacional número Um (EN1). Foi construído com o intuito de descongestionar o Mercado “Malanga”. Na altura, havia vozes que reclamavam por causa da sua localização. Entretanto, passados oito anos tornou-se num dos locais mais frequentados por gente de todas as idades.
Dali sai uma parte considerável de produtos nacionais e importados para abastecer, principalmente as províncias de Inhambane, Gaza e Maputo e não só. Tem uma vista extraordinária para o estádio do Zimpeto e para a vila Olímpica.
Por ser um entreposto comercial de produtos agrícolas, os produtores nacionais são forçados, pelas regras municipais, a conduzirem as suas mercadorias para este recinto onde disputam espaço e preços com os agentes que importam produtos, sobretudo da vizinhaAfrica do Sul. E é aí onde começa a confusão.
O produtor nacional tem custos de produção altos que o importador não tem, mas ambos devem vender as mesmas coisas no mesmo local e ao mesmo preço. Aliás, um dos primeiros problemas que os agricultores moçambicanos têm está ligado ao acesso ao financiamento e quando este existe os custos são altíssimos, sem contar com as taxas de juro que não são nada atractivos para este grupo.
Por outro lado, o nosso país não tem uma cadeia de valores completa para este sector que consistiria no fornecimento de insumos, produção, limpeza dos campos, comercialização agrícola e consumidor final. Muitas vezes, os agricultores produzem sem saberem como escoar a sua produção.
Os espaços para acondicionamento e conservação (congeladores) são assunto “velho”. Há ainda a questão da falta de tecnologia apropriada, o que leva a usar-se quase exclusivamente uma mão-de-obra intensiva. As vias de acesso e a falta de transporte também têm jogado contra os produtores agrários.
A título de exemplo, o distrito de Chókwè que já foi considerado celeiro da nação, tem apenas uma entrada (estrada), através da Estrada Nacional n° 208 que parte da Macia para aquela cidade. A via para além de ser estreita está em péssimas condições. Mal se cruzam duas viaturas. E as pequenas intervenções de tapamento de buracos estão a “passo de camaleão”.
Esta situação agrava-se ainda mais na época de colheita, pois vários camionistas buscam produtos agrícolas, diariamente, nas machambas para abastecer o Mercado Grossista do Zimpeto e naquele troço, onde levariam menos de uma hora, com as condições que não são católicas, a viagem dura mais de duas horas.
Enquanto isso, na África do Sul o cenário é diferente do nosso. A cadeia de valores é completa e inclui a conservação, apresentação do produto em embalagens condignas, vias de acesso e colocação no mercado… incluindo moçambicano.
Por isso, mesmo com as taxas que os importadores pagam nas alfândegas os produtos agrícolas sul-africanos continuam mais baratos, o que torna injusta a disputa de mercado que tem acontecido e que tomou proporções gigantescas nos últimos anos. Os importadores só saem a ganhar e ainda tem os intermediários a seu favor.
A nossa Reportagem apurou que, muitas vezes, são intermediários mancomunados com os importadores que ditam os preços a ser praticados pelos produtores moçambicanos. Este acto acontece através do “voto”, uma autêntica aldrabice que afecta também aos consumidores.
O “voto” é o nome que se dá ao processo de “ajustar” (muitas vezes o ajuste é para menos) do preço da produção nacional para ir ao encontro com o valor que está a ser praticado pelos importadores.
VIVER DO SUOR ALHEIO
Os produtores têm o Mercado grossista de Zimpeto como um dos principais pontos para o escoamento. Entretanto, quando chegam naquele local surpreendem-se pela negativa. Muitas vezes, nem conseguem cobrir os custos de produção que variam de 50 mil a 250 mil por hectare.
Esta situação é agravada pelo facto de a produção moçambicana ser de apenas uma época. A título de exemplo, as hortícolas começam a surgir timidamente no mês de Abril, ganham vida no mês de Junho e quando chega Dezembro vende-se a última produção.
O abastecimento do mercado nacional com a batata reno dura, no máximo, dois meses. Esta é uma das causas que contribui para que o nosso mercado esteja inundado com produtos frescos provenientes da África do Sul.
Segundo apuramos todos os preços marcados nos produtos frescos incluem o famigerado “voto”. É uma situação combinada e muito bem determinada entre os interessados. Quando a batata reno e o tomate sul-africano estão a ser vendidos a 200 meticais, os mesmos produtos moçambicanos custarm 150 meticais, mas esse preço é apenas para o produtor porque o consumidor final paga os mesmos 200 meticais equiparados às hortícolas importadas.
Os 50 meticais extras cobrados por cada caixa vão para o intermediário, tendo em conta que cada camião (dos 60 que entram por dia) carrega entre 300 a 400 caixas, ganham 20 mil meticais limpos, porque não tem nenhuma despesa com trabalhadores, impostos ou taxas.
Nos meses de muita procura, quando há muitos produtos tanto nacionais como importados os preços baixam tanto que a caixa de tomate (falamos mais deste produto por ser da época) é comercializada a 50 meticais. Engana-se quem pensa que os intermediários perdem. A “comissão” deles, os 50 meticais, continua intacta, o que eleva o preço para 100 meticais.
Os produtores andam agastados com a situação, como forma de tentar resolver já submeteram cartas à administração e com as diversas associações que operam dentro do mercado, mas nada. Tudo continua na mesma. “Está difícil mudar esta situação, até parece que os intermediários são reconhecidos pela administração”, disse Daniel Dimas, presidente da Associação de Produtores de Sementes e Hortícolas de Chókwè.
Um dado constatado pelo domingo foi que a maior parte dos produtores deixam a actividade de comercialização com terceiros, entretanto, no Zimpeto encontramos Francisco Moiane que estava no camião a controlar a mercadoria.
Durante a conversa que manteve com a nossa Reportagem garantiu que ainda não passou pelo “voto”. “Quem fixa o preço sou eu. Já ouvi falar que em alguns casos os preços são marcados de acordo com a vontade dos intermediários, mas ainda não me aconteceu”.
Moiane contou que é normal haver sugestão de preços, que pode acontecer como consequência de alguma oscilação, o que é frequente no comércio; nestes casos os intermediários podem sugerir valores mais aceitáveis, mas devem ser consensuais.
Já diz o ditado que “a esperança é a última que morre” e deve ser dele onde os produtores buscam forças para fazer face as perdas e tentar propor algumas soluções para ultrapassar este inconveniente. Uma das sugestões está ligada a elaboração de uma lei que protege os produtores e produtos nacionais.
Por outro lado, defendem que o Ministério da Indústria e Comércio, em defesa da produção nacional, devia impor algumas barreiras na importação, pelo menos na época em que os moçambicanos estão a produzir o suficiente para abastecer os mercados nacionais.
“O Ministério da Agricultura devia usar o instrumento fitossanitário para que não sejam colocados no nosso mercado produtos colhidos directamente das farmas sul-africanas e depois ganham estatuto de importação quando não respeitaram as regras básicas. O mais desagradável é que os nossos não entram nas mesmas condições para a África do Sul”, concluiu Daniel Dimas.
Qualidade dita preços
A qualidade dos produtos, a oferta e a procura é que ditam os preços, segundo garantiram os intermediários que aceitaram falar para o nosso jornal. Nenhum “assumiu” a culpa.
Milton César foi um dos que aceitou dar a cara. Garantiu que existe uma tabela de preços do mercado, sendo um dos aspectos que dita a marcação do preço a qualidade do produto.
“Por exemplo, vendemos tomate de Chókwè a 280 meticais a caixa. Se fosse o sul-africano saia mais caro porque paga-se direitos, entre outros encargos”. Acrescentou que existe um e outro intermediário que determina os preços, mas depende dos casos.
Domingos Ngome, por sua vez, negou que sejam responsáveis pelo sistema de “voto”. Entretanto, reconheceu que em alguns casos, os produtores querem “despachar rapidamente” a mercadoria e “só nestes casos é que determinamos os preços”.
Por seu turno, Armando Simbine afiançou que existe uma coordenação entre os produtores e os intermediários na marcação de preços. “Quando a mercadoria não tem saída sugerimos que se baixe o preço. Mas deve ter qualidade e os clientes têm de gostar”.
Estamos a combater este mal
– Moisés Covane, administrador do mercado
A administração do Mercado Grossista do Zimpeto tem conhecimento da existência de um grupo de indivíduos que usa o sistema de “voto” para ludibriar os produtores e o consumidor.
Para combater o mal, pediu ajuda dos lesados. Aliás, em conexão com estas práticas já foram presos 17 jovens e, no mês passado, foram confiscadas cinco viaturas. Os donos das viaturas foram proibidos de trabalhar naquele espaço.
“Quem for confrontado com esta situação deve alertar a Polícia da República de Moçambique (PRM) e ou Municipal no interior do mercado. As medidas são imediatas, apreendemos a viatura, retiramos do mercado e interditamos o trabalho destes prevaricadores”, disse Moisés Covane, administrador do mercado.
O nosso interlocutor garantiu que estão a trabalhar em coordenação com a polícia na distribuição de panfletos que contém as instruções de denúncia e outros tantos foram afixados nos principais pontos do mercado, nomeadamente na entrada e saída e também nos balneários.
Fotos: Jerónimo Muianga