– Nicolau de Sousa (Nico)
Na véspera do jogo do combinado da selecção moçambicana contra o Gana, em Accra, tivemos o privilégio de entrevistar na cidade sul-africana de Nelspruit o antigo internacional moçambicano Nicolau de Sousa, também conhecido por Nico ou Danger-Man (homem perigoso), como uma vez lhe alcunharam os malawianios.
A conversa é a que se segue. Ele aponta caminhos e soluções para o nosso futebol que não vai muito bem das pernas.
No seu tempo, qual era a mística da selecção?
Nós queríamos ganhar. Provar, sempre, que éramos capazes. Dávamos tudo o que tínhamos. Era o nosso segredo. Jogávamos até rebentar. Mais ainda quando o público puxava por nós. Era fantástico ouvir a alma do Estádio da Machava.
Os Mambas têm novo treinador. O que acha?
É bem-vindo. Precisamos de um departamento técnico muito profissional e muito exigente porque ganha-se dinheiro, mas tem que haver exigências. Precisamos rapidamente de ter uma selecção muito forte, porque estamos a ficar muito para trás na nossa zona. Da Zâmbia não falo. Agora Zimbabwe, Lesotho, Suazilândia, não me deixa satisfeito. No passado vencíamos essas equipas a nosso bel-prazer.
Por que é que estamos a ficar para trás?
Porque não acompanhamos o desenvolvimento do próprio futebol.
Mas temos escolas de jogadores?
Passar pela escola de jogadores é bom, mas tem que ser com um técnico com provas de que pode formar. É como um professor primário. Se o professor não for bom esse aluno está estragado. Não serve. Toda a carreira dele será medíocre. Tem que ser com um professor primário com qualidade e pago para fazer um trabalho de longo curso. Isso é o que a gente tem de fazer. E em Moçambique há antigos praticantes com essas qualidades. È só escolher acertadamente.
Em sua opinião, por que é que o futebol não está a conseguir grandes resultados tanto a nível de clubes como de selecção? É falta de talentos ou a qualidade futebolística dos outros países é que evoluiu?
Olha. Posso lhe dar um exemplo. Caímos muito em termos de futebol em contraposição com o basquetebol que está sempre a evoluir, porque trabalha-se muito nas camadas jovens. Há muitos torneiros para a juventude. O futebol é como o corpo humano. Tudo tem de crescer junto: cabeça, braço, perna, tronco, etc, etc.
Mas..
Depois, temos um vizinho que é potência em termos de infra-estruturas. Refiro-me a África do Sul. Porque é que não mandamos os nossos jovens para aqui? Educa-los. Responsabiliza-los. Aqui há grandes clubes e com bons investimentos. Eles já organizaram uma Copa do Mundo, mas não estamos a explorar este vizinho. Portugal está longe para nós.
Há quem diga que o nível futebolístico sul-africano comparativamente ao moçambicano também não é grande coisa.
Há muita gente que pensa assim. Mas em termos de infra-estruturas, eles estão no caminho certo. E dou-lhe exemplos. Todas escolas têm campos relvados. Eles têm condições de trabalho e nós organização. Se associarmos esses dois aspectos acredito que mais rapidamente podemos atingir os nossos propósitos. Infelizmente nós já não temos terrenos baldios onde muitos da minha geração aprendiam a jogar futebol. Mas temos de perceber. As coisas mudam. Agora há que é encontrar alternativas.
RADICADO
EM NELSPRUIT
Estás radicado em Nelspruit. consegue, de alguma forma, ser o olheiro para o futebol moçambicano? Sente-se aproveitado?
Penso que não. Conheço bem Nelspruit. Joguei futebol aqui e em vários locais da África do Sul. Vêm equipas moçambicanas para estágio e quando chegam não procuram por nós para dar uma dica. Só isso. Gostava que nos aproveitassem. Por exemplo, está aqui o Hassan que jogou no Águia de Ouro. Também sabe muito do futebol su-africano.
CHEGAR À UMA FINAL
DO CAN ERA DIFÍCIL
Fez parte dos seleccionados que tiveram a honra e o privilégio de disputar uma fase final de um campeonato africano no Egipto, por sinal o primeiro dos quatro que Moçambique já marcou presença. Como eram entanto que grupo?
Havia muita união, além de que que ansiávamos fazer história e conseguimos. Fomos os primeiros a chegar a uma Copa de África naquele tempo e não era como agora que é uma espécie de torneio, de mini-campeonato. No nosso tempo era bate fora. para chegar a fase final era um autêntico bico-de-obra.
Qual é a sua opinião sobre o alargamento das equipas no Moçambola? Temos agora, por exemplo, o Desportivo do Niassa.
É positivo desde que as equipas estejam profissionalmente estruturadas. Eu sobressaí de uma equipa da província. Mas jogar no Têxtil do Púnguè era um luxo. Não era para qualquer um, porque havia muita matéria-prima e com muitíssima qualidade. O que devemos pedir as novas equipas é que trabalhem a sério e profissionalizem os clubes sob pena de chegarem a Maputo e apanharem cabazadas, o que tornaria o Moçambola sofrível. Mas…
Sim?
Devo frisar que não tenho assistido muitos jogos do Moçambola, mas sempre que vou a Maputo faço questão de sentar e conversar com pessoas envolvidas no futebol. Muitos são técnicos, alguns são chefes de departamento e procuro saber o que está a acontecer, sendo que a Selecção Nacional é o espelho desse trabalho. Repare que a própria selecção não consegue lotar o estádio. Temos de tornar isso possível tal como no passado.
Em Moçambique agora para além da Taça de Honra, do Moçambola, da Taça Mcel temos a Taça BNI.
É o caminho certo. Um futebolista para atingir o píncaro da forma precisa de muitos jogos nos pés. Aqui na África do Sul existem pelo menos meia dúzia de competições a doer como a Cup ABSA, NEDBANK, o campeonato propriamente dito. Mas tudo isso terá de ter o suporte estrutural como nutrição, fisioterapia, disciplina, seriedade. Se formos sérios e profissionais acredito que dentro de três/quatro anos estaremos a dar o salto.
Uma palavra sobre o que espera do seleccionador Abel Xavier.
Desejo-lhe boa sorte. Que trabalhe. Ele tem experiência de jogar fora de Moçambique. É tirar a experiência dele e pôr em campo. E apoiemo-lo.
Mesmo para terminar. Quando praticante fazias muitos golos. Qual era o segredo?
Eu era um grande finalizador. O meu antigo técnico do Matchedje, Victor Bondarenko, dizia que eu tinha faro para golo. Eu adivinhava onde a bola ia cair, para além de que tinha um pique (arranque ou sprint) terrível. Aliás, no Matchedje para seres titular tinhas de suar as estopinhas.
Texto de André Matola