Aos 27 anos de idade, Elcides Viegas Luciano Chihono, alcunhado de Cantoná, quis pôr fim a sua carreira de futebolista de alta competição para abraçar outros projectos
com os quais ganharia mais dinheiro, muito longe do desporto. Teve que recuar a pedido de amigos que ainda o querem no futebol, sobretudo na Liga Muçulmana de Maputo, onde goza de estima por parte de colegas, técnicos e dirigentes.
Receia que não volte a ter a mesma oportunidade de ir ganhar mais dinheiro para si e para a sua família em algo que também sabe fazer, mas se conforta por poder continuar ao lado de gente que leva a sério a coisa do desporto. Volta a liderar o balneário “muçulmano”, nem que não seja na condição de capitão da equipa, porque ele próprio confessa que nasceu líder, aglutinador de vontades e interesses por uma única causa, ganhar.
Embora muito cauteloso nas suas afirmações, Cantoná responde a cada questão sem reservas e nem subterfúgios, como quando diz “actualmente não é necessário ser bom jogador para cegar à Selecção Nacional.”
A entrevista que se segue seria o balanço da sua carreira, se na verdade tivesse terminado naquele dia da final Taça de Moçambique de 2012, em que a Liga Muçulmana venceu o Costa do Sol por 1-0, mas, por outras forças, decidiu jogar mais duas temporadas.
Os vinte e sete anos de idade, espero que não esteja errado, justificavam pôr fim de carreira, como se expressou na final da Taça de Moçambique?
Não é pela idade que estou a deixar de jogar. É por outras oportunidades.
Não está no fim de carreira?
Não era porque a minha carreira tinha chegado ao fim. Tinha projectos e objectivos a cumprir para melhorar o nível da minha vida e da minha família. Estava a deixar de jogar.
E porque teve um recuo imediato?
Pediram-me para continuar. Vou jogar mais dois anos pela Liga Muçulmana.
Vai jogar ou vai cumprir outras tarefas?
Na Liga, a minha missão foi sempre e somente de jogar.
Que objectivos eram esses que lhe iam fazer parar de jogar aos vinte e sete anos de idade?
Não eram desportivos. Para além de futebol, eu tenho uma outra vida. Essa vida com a de futebol não se reconcilia.
Afinal, não vive somente de futebol?
Eu vivo de futebol. No entanto, se deixo de jogar abraço de imediato outro tipo de vida para que estou preparado.
Nessa outra vida ganharia ou vai ganhar mais dinheiro que no futebol?
Muito mais. Eu gosto muito de futebol, mas em outros sectores de vida ganharia mais dinheiro. As oportunidades de ganhar mais com o futebol me escasseiam cada vez que envelheço. É por isso que ia deixar de jogar.
GANHAMOS MUITO POUCO
O que está a ganhar no futebol não satisfaz?!…
Para aquilo que eu quero para mim e para minha família não chega.
Nem na Liga Muçulmana ganha o suficiente? Ou o seu futebol não vale muito dinheiro?
O que se ganha no nosso futebol ainda é muito pouco. Alguém convidou-me a trabalhar com ele, uma oportunidade que pode não se repetir.
O que sabe fazer para além de jogar futebol?
Sei fazer contabilidade. O que ia fazer passava por contabilidade. O meu lado contabilístico impressiona essa pessoa com quem ia trabalhar. Tenho grande visão profissional, muito virada para o futuro. Não posso afirmar ter visão empresarial, mas estou ciente de que pouco a pouco se aprende e se aperfeiçoa.
Afinal, quem lhe pediu para continuar no futebol?
Os meus colegas, o meu presidente, Rafik Sidat, e o meu treinador pediram-me para continuar a jogar. E porque eles me ajudaram bastante a recompor-me depois de ter tido muitos e graves problemas de vida, aceitei. Tive problemas que só acabaram com ajuda do presidente da Liga, senhor Rafik Sidat. Então, eu não podia negar ao seu pedido de eu continuar a jogar por mais dois anos. Vou continuar a trabalhar na procura de mais títulos para a Liga Muçulmana, porque é um clube que merece mais do que já ganhou.
Fala-se muito de que Cantoná tem cumprido outras missões na Liga. Que missões especificas são essas?
Eu dentro do balneário considero-me um líder. Em todos os clubes onde joguei fui sempre isso, amigo de todos os colegas e treinadores. Todos me ouvem e acatam o que falo. Sou líder por natureza.
Que dá ordens?
Não se trata de dar ordens. Posso não aguentar fazer o que lhes recomendo, mas eles percebem que é tudo para o bem deles. Tenho ajudado muitos colegas, mesmo sendo doutros clubes. Às vezes deixo de fazer as minhas coisas para os ajudar. É como eu sinto a vida.
Até pode com eles negociar resultados ou vende-los?
Eu não vendo colegas. Eu não negoceio resultados. Eu aconselho colegas a seguir um bom caminho. Fui assim no Ferroviário de Maputo, fui assim no Maxaquene, sou assim na Liga Muçulmana.
Faz isso por livre vontade ou em cumprimentos de tarefas a mando de alguém?
É minha maneira de ser, a mando de Deus.
Fala de Deus. Para que igreja reza?
Sou da Igreja Universal do Reino de Deus. Fui baptizado na Metodista. Há mais de quatro anos estou na Universal. Foi a minha mãe que me pediu para ir à igreja rezar. Ia à igreja com a minha antiga esposa. Ganhei nova maneira de estar na vida. Já não sou aquele Cantoná de confusões. Tornei-me mais responsável. Já não sou o mesmo Cantoná que se divorciou com uma mulher que um dia dissera “amo-te, vamos casar”.
Nasceu aonde?
Nasci aqui em Maputo, no Bairro de Hulene. Sou o único da família que está no futebol. Meu nome é Alcides Viegas Luciano Chihono.
Onde está Cantoná?
É nome que me foi atribuído no torneio infantil SOBEC, que depois passou a chamar-se Bebec. Eu fazia coisas que para algumas pessoas só se comparavam com o que o jogador francês andava a fazer nos estádios mundiais. Do SOBEC fui para o Estrela Vermelha de Maputo, depois para o Ferroviário da Beira, Ferroviário de Maputo, Maxaquene e Liga Muçulmana.
Sempre jogou no lugar que joga hoje?
Jogava a trinco. Na Beira fazia papel de defesa direito e de trinco. No Ferroviário de Maputo fiz médio ala, por orientação do treinador Artur Semedo. Agora sou lateral direito e médio ala direito.