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Portugal: crise pára à porta do futebol

Por admin

Quando um grande número de portugueses sonha com um emprego que lhe garanta as migalhas da sobrevivência, Pinto da Costa, Luís Filipe Vieira ou Godinho

Lopes, permitem-se firmar contratos com futebolistas estrangeiros de milhões de euros. Pouco ou nada importa que os salários mínimo e dos reformados encolham e atinjam níveis impensáveis, com greves à mistura.

 

A águia prepara o voo para o topo – este foi o título de um jornal português, no dia da partida Benfica-Marítimo para o Campeonato luso. O FC do Porto vira na véspera o seu jogo frente à Académica adiado, o que aumentou o interesse quanto a quem seria o campeão do Natal. O Sporting, por seu lado, de desgraça em desgraça, lá vai fazendo capa de jornais, que assim se vendem como se fossem amendoins.

 

UMA NOITE NO “INFERNO” DA LUZ

 

Fui ao futebol não com o credo, mas com o espectro da crise na boca. Conclui, em escassas horas, que a tal crise visível em todo o Portugal, pára – e de que maneira – à porta do futebol.

Desde logo, a forma sem titubear com que os fanáticos adeptos retiram dos bolsos os valores para os bilhetes, a rondar os 30 euros, coloca na mente do visitante a ideia de que se está perante uma actividade em que a crise passa totalmente ao lado.

Uma vez com o papelinho mágico no bolso, entra na zona comercial, totalmente dominada pelo vermelho, com imagens fortíssimas de chamamento ao benfiquismo. Aí os adeptos acotovelam-se para gastar euros e mais euros comprando cachecóis, almofadas, discos, chaveiros, camisetas, sapatilhas e tudo o mais, desde que ostentem os símbolos da águia.

De premeio, as sanduíches, os cafés, as massas folhadas!

Em quanto já vai a noite futebolística do adepto…

 

O QUE É SER BENFIQUISTA?

 

O cenário que aparece a seguir é deslumbrante. Nenhum sinal de poupança, nada de austeridade. Um estádio soberbo, a começar pela relva. E que relva! Um tapete que impressiona, tratado ao ínfimo pormenor:

– “Quem não sabe jogar ali, é melhor dedicar-se à pesca” – segreda-me um velho craque moçambicano, que lamenta ter nascido “antes deste tempo”.

E a falange de apoio? Qualquer coisa impressionante, com uma vibração que se inicia horas antes de o jogo começar e que cessa muito depois. A festa à Benfica é contagiante: o “placard” iluminado, o voo da águia, as bandeiras que descem ao campo, a música e o fervor encarnado são, na verdade, “condimentos” que a todos excitam para o espectáculo do pontapé na bola.

Entram os jogadores em campo e é o delírio. Endeusados. Os seus nomes são citados e aplaudidos. Em ambas equipas raros portugueses, o que pressupõe pouco aproveitamento da formação, área em que Portugal é dos melhores da Europa e do Mundo. Um despesismo para o qual Presidente da República, Cavaco Silva, chamou à atenção, mas que os clubes fazem ouvidos de mercador. Sinal evidente e claro de que quando se fala de futebol, está-se a falar de um Estado dentro de outro Estado. Com leis específicas em que até o fisco tem dificuldade de penetrar, tal as “jogatanas”.

Sabe-se que com a criação das SAD´s, os clubes transformaram-se em empresas em que o decisor final é… a banca. Em muitos casos até, os passes dos atletas pertencem aos accionistas, razão pela qual os profissionais são chamados de “activos”. Tal como os terrenos, estádios e lanchonetes.

 

JORNAIS, TV’S E RÁDIOS NA LIÇA

 

O adepto vê o jogo, ao vivo ou na TV, por vezes com os sons da rádio em sobreposição, analisa as intermináveis repetições, tira dúvidas na “net”, à noite é bombardeado com resumos, mas mesmo assim compra o jornal. Ou melhor: os jornais, desportivos ou não.

E estes, porque sabem que uma grande penalidade mal marcada ou um vermelho “forçado” vendem mais jornais do que a discussão do Orçamento do Estado, puxam dos seus galões refinando-se nas manchetes!

Em conversa com um jornalista de “A Bola”, diário desportivo com uma tiragem de cerca de 90 mil exemplares/dia, veio uma explicação:

– “A compra do jornal é também pelo sentido de posse, é um hábito secular. Por outro lado, há artigos de credenciados opinadores que por vezes até alteram o ponto de vista de quem viu o jogo. Não creio que o jornal impresso passe de moda”.

Adaptados a uma nova realidade em que o “corre-corre” não deixa tempo para uma leitura cuidada a grandes análises, tudo é aligeirado, tudo é feito para satisfazer a crescente fome de informação corrente, ligeira e digerível no autocarro ou no metropolitano. 

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