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Honras Militares para quem dignificou a Nação

Por admin

Os restos mortais de Filipe Chissequere, ex-guarda-redes do Matchedje e da Selecção Nacional de Futebol, falecido dia 9 de Março, em Maputo, foram a enterrar na última quarta-feira no Cemitério de Lhanguene envolto de Honras Militares, do velório à sepultura, num adeus terminado com salvas de tiros ligeiros de armas semi-automáticas.

Centenas de desportistas de quase todas as modalidades participaram no velório, na capela do Hospital Central de Maputo, aqui onde as bandeiras do município e Nacional estiveram em meia haste. No funeral, à família de futebol juntou-se a de basquetebol, modalidade praticada pela esposa do malogrado, Teresa Chissequere, que ficou com três crianças.

Filipe Chissequere, um dos mais notáveis futebolistas moçambicanos, dignificou em vida, ao mais alto nível, o país, como se podia ler nas cicatrizes que enrugaram o seu corpo ao longo da sua brilhante carreira.

Filipe, que nasceu a 5 de Junho de 1957, na cidade da Beira, despontou no futebol de bairro e muito cedo foi levado para o campeonato da segunda divisão, que tinha como “Quartel-general”, o campo de São Benedito, na Manga, esse mítico bairro da capital de Sofala.

Representou o Boavista. O subir das suas qualidades fez com que fosse cobiçado pelo Ferroviário da Beira, que não hesitou em buscá-lo para as suas fileiras. Já era grande e espectacular guarda-redes.

As autoridades desportivas militares, usando o pretexto de cumprimento do então Serviço Militar Obrigatório, o buscaram para o Matchedje de Maputo, tendo primeiro passado por Boane onde recebeu instruções militares que lhe valeram a patente de Alferes.

Após o Acordo de Roma, assinado entre o Governo e a Renamo, em 1992, no ano de 1998, todos os Alferes das Forças Populares de Libertação de Moçambique (FPLM) transitaram para as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) com a patente de Tenente, a que abrangeu Filipe Chissequere, que até a sua morte era militar no activo.

A jogar pelo Matchedje, Filipe passou a frequentar a Selecção Nacional, com exibições que faziam delirar o público, mesmo naquelas tardes negras em que Moçambique não ganhou.

Ia à bola em todas posições, aéreas e terrestres, com palmadas que só ele conseguia em dias nos quais para ele nada era impossível. Na verdade, enquanto vestiu as corres da Bandeira Nacional fez a sua parte com zelo, dedicação e brilho.

Foi muito determinante na qualificação, a primeira da República de Moçambique, para o CAN, em 1986, no Cairo, Egipto. E fez mais. Era homem de estatura baixa, 1.70 metro, mas de elasticidade incrível.

Domingo,que acompanhou toda a cerimónia fúnebre de Djek, era assim que os colegas gostavam de o chamar, tratou de ouvir alguns dos seus ex-colegas da bola.

Recordar que Filipe deixou de jogar aos 40 anos de idade, após ter conquistado dois títulos de campeão nacional (87 e 90) e Taça de Moçambique (90) pelo Matchedje. Teve 42 internacionalizações.

Aprendi muito dele

– Nana

“É um pouco complicado falar de Filipe. Foi como se fosse meu pai. Quando cheguei no Matchedje, juntamente com Maló, ele foi quem nos acolheu. Fomos o que fomos, graças a ele”, Nana, uma das figuras emblemáticas no Matchedje e no país naquele saudoso tempo do futebol nacional.

“Era uma pessoa muito espectacular fora e dentro do campo. Soube educar os mais novos que éramos nós. Dizia-nos que devíamos ser homens e pais de família, o que cumprimos e não estamos arrependidos com o seu conselho”, destaca o ex-meio campista que hoje é treinador.

Nana recorda que “Filipe nos dizia, meninos marquem golos, o resto deixem comigo”.

Por tudo que fez, como homem e como atleta, leva com que Nana o classifique de “grande homem de futebol”, cujos ensinamentos “perdurarão em nós”.

Era um bom camarada

– Nico, “Danger man”

“Perdi um grande amigo, um bom camarada. Para além de colega, compartilhamos muitos momentos bons e maus. Era homem com carácter. Ajudava o próximo. Chocou-me bastante a sua morte. Conversei com ele na cama do Hospital. Estava desesperado e só dizia que ia morrer. Moralizava-lhe de que estava apenas em mais uma batalha por vencer, mas, infelizmente, não resistiu”, Nicolau de Sousa (Nico), o alcunhado pelos malawianos de Danger Man.

“Eu vi ele a iniciar a prática de futebol federado, no Boavista, lá no Bairro da Manga, no Campo de São Benedito. Ele me aconselhava no que devia fazer”, recorda “ Danger Man”.

Nico diz ter ficado muito admirado pelo bom tratamento dos restos mortais do seu amigo Filipe, mas questiona porque quando esteve doente não mereceu “Honras Militares”.

“ É mentira aquilo que fizeram ao Filipe depois de morrer. O que fizeram as mesmas pessoas que proporcionaram aquela cerimónia fúnebre nos três meses em que esteve doente no Hospital Central de Maputo? Já morto teve “Honras Militares”, então, porque quando estava doente não o levaram para o Hospital Militar, onde, talvez, podia merecer melhor atenção dos médicos por ser militar? No entanto, é de agradecer os médicos do Hospital Central de Maputo por tudo que fizeram para retardar a morte do nosso colega e companheiro”.

Não sabia jogar mal

-Elcidio Conde

“Fica-me difícil descrever Filipe com quem sempre estive perto. Juntos viemos da Beira em 1981, eu saído do Palmeiras, ele do Ferroviário. Vivemos alguns dias em casa do meu irmão Geraldo, isso antes de seguir para o quartel de Boane. Depois seguimos para Hungria…” destaca Elcídio Conde, ex-colega no Matchedje e na Selecção Nacional.

“Na Selecção Nacional convivemos muitos episódios bons e maus. Sempre dormimos no mesmo quarto e sempre nos sentamos lado a lado no avião”.  

Elcídio, ex-defesa, diz que Filipe detestava perder e recorda que se sentiu muito mal quando “perdemos por cinco a zero diante do Ferroviário de Maputo. Se tivemos ganho teríamos ido estagiar no Brasil. Ele não sabia jogar mal”.

“Quando eu falhava, ele berrava comigo”, lembra-se Elcídio Conde, também da selecção do CAN/86.

Foi humilde, trabalhador e disciplinado

– José Dimitri, ex-futebolista

José Dimitri, que antes de abraçar o dirigismo desportivo foi futebolista em clubes como Ferroviário da Beira, Muhavire e Namutequeliwa, ambos de Nampula, diz que Filipe deixou o legado de ser humilde, trabalhador, disciplinado e exemplar.

“Conheci-o como colega no futebol de bairro, lá na Beira. Desde essa altura, nos anos 72 a 74, revelou qualidades natas de ser atleta de eleição. Era muito disciplinado, dedicado e exemplar. Tinha vida regrada e boa conduta, o que lhe facilitou chegar onde chegou. Trabalhava seriamente”, considera José Dimitri, actual Inspector-geral da Juventude e Desportos, que participou nas cerimónias fúnebre de Filipe a título individual.

“Meu irmão, José Dimitri Jr., seu colega no Matchedje, não se esquece de dizer que aprendeu muito de guarda-redes com ele. Era bom educador. Transmitia espírito de grupo e entreajuda. Sempre se mostrou como uma pessoa socializante. Ele consta dos melhores guarda-redes moçambicanos de sempre (Zé Luís, Nuro Americano e Filipe) ”, refere José Dimitri. “Chegou de ser cobiçado pelos clubes estrangeiros, mas naquela altura ninguém podia sair do país. Lá fora teria ganho o mundo. O ser humilde, trabalhador, disciplinado e exemplar é o legado que deixou para as próximas gerações”, sublinha Dimitri, que já foi director nacional dos desportos. 

Era pessoa afável

– Chababe Amade Chababe, ex-futebolista

Chababe Amade Chababe, outro senhor do futebol moçambicano, que jogava com fineza e firmeza, diz que Filipe Chissequere era uma pessoa muito afável, muito acarinhador e, sobretudo, um grande guarda-redes, o mais espectacular dos cinco melhores de sempre.

“Quando conheci Filipe, apesar de adversário, eu era do Sporting da Beira, ele do Ferroviário da Beira, recebi muito carinho seu. Era uma pessoa afável, com aquele sorriso e simplicidade que fazia dele amigo de todos”, refere Chababe com semblante visivelmente triste

“Foi um dos grandes guarda-redes de Moçambique, o mais espectacular dos cinco melhores que o país teve, sem dúvidas e nem favores” sublinha.

Se podemos voltar a ter uma geração de jogadores como a ele e Filipe fizeram parte, Chababe é de opinião de que “a crise de grandes jogadores não afecta só a Moçambique, razão pela qual a FIFA anda preocupada com a formação e fair-play”.

E julga que hoje há pouco desportivismo no jogo, porque “ quer-se ganhar jogos à ferro e a todo custo e não pelo desportivismo. Felizmente começama surgir treinadores que incutem nas crianças a reconciliação entre a escola, o futebol e fair-play. Com mais trabalho voltaremos a ter outros Filipes”. 

 

Manuel Meque

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